Use os jogos para desenvolver raciocínio lógico, estratégia e cooperação
Com intencionalidade pedagógica, esses recursos permitem trabalhar essas e outras habilidades. O essencial é pensar em opções com desafios que considerem os conhecimentos prévios das crianças, mas também, incluam espaço para explorar potencial de avanço
Nos estudos sobre a infância, muito se fala sobre a importância dos momentos lúdicos para as crianças. Em sua etimologia, a palavra lúdico vem do latim ludus, que significa “jogos”. Pedagogicamente, o termo relaciona-se com jogos, brincadeiras e outros divertimentos como instrumentos educativos próprios e essenciais para o desenvolvimento infantil. O historiador holândes Johan Huizinga descreve a ludicidade como um elemento da cultura humana, não se restringindo à infância, que se manifesta em várias atividades dos agrupamentos sociais.
O trabalho com jogos é importante na Educação Infantil, uma vez que ajuda a desenvolver uma série de aprendizagens e habilidades, específicas do jogo escolhido ou gerais. Segundo Evandro Tortora, professor de Educação Infantil na rede municipal de Campinas (SP) e colunista de NOVA ESCOLA, os jogos permitem, por exemplo, que as crianças construam habilidades socioemocionais. “Elas aprendem a conviver com regras para participar de uma atividade social coletiva, a lidar com frustrações e a parabenizar o amigo por ter ganhado”, diz o docente. E também aprendem a cooperar, quando o jogo é em equipe. “Além disso, o contato com um jogo amplia a cultura lúdica delas, que, posteriormente, pode ser compartilhada com outras pessoas”, completa.
Na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para a Educação Infantil, os jogos são citados diretamente em apenas três objetivos de aprendizagem e desenvolvimento, mas as experiências que eles proporcionam podem se relacionar com todos os direitos previstos para as crianças: conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se. “O jogo engaja muito as crianças porque o brincar, que está na BNCC como eixo estruturante, está presente em suas vidas desde bebês”, explica Elisa Greenhalgh Vilalta, professora das redes pública e privada de Maceió (AL) e mentora de Matemática do Time de Autores de NOVA ESCOLA. “Porém, na escola, os jogos não podem ser utilizados como 'tapa-buracos' para ocupar o tempo. Eles precisam ser pedagógicos, ter objetivos e partir de um planejamento.”
Desafios ajudam criança a avançar no aprendizado
O psicólogo bielo-russo Lev Vygotsky desenvolveu o conceito de zona de desenvolvimento proximal, que relaciona o nível de desenvolvimento real (resultado de habilidades e conhecimentos já adquiridos) e o nível de desenvolvimento potencial da criança. Para Evandro, esse conceito pode ser associado aos jogos e à resolução de problemas. “O professor deve propor jogos com desafios que a turma seja capaz de resolver com seus conhecimentos prévios, mas que também envolvam questões para que pensem além, levantem hipóteses e tentem entender de onde elas vieram”, afirma o docente. Ele também enfatiza a importância do erro para o aprendizado. Educador e crianças devem observar as estratégias que cada um utiliza, mesmo sem sucesso.
Segundo Elisa, os professores precisam valorizar a importância do brincar, mas também, considerar que os jogos podem colaborar para introduzir alguns conceitos matemáticos, como quantidades e medidas. Por exemplo, ao serem expostas a um mosaico de formas geométricas, as crianças podem ser questionadas sobre quantas maneiras diferentes é possível montá-lo e quantas e quais as peças necessárias para fazer isso. A execução da tarefa pode ser feita de modo individual ou em grupo, para que, incentivadas pelo docente, elas discutam essas questões entre si durante o jogo (leia aqui uma sugestão de atividade para crianças bem pequenas).
“Pensamos logo em Matemática, mas em qualquer componente dá para usar uma pergunta disparadora para estimular o raciocínio e o desenvolvimento de estratégias”, comenta Elisa. “Cada criança pode ter estratégias próprias para resolver um desafio, e é legal que elas expliquem isso para as outras. Propor coisas que são muito fechadas não estimulam a criatividade”, afirma a professora.
Falar em componentes curriculares não é antecipá-los, uma vez que eles se organizam apenas a partir do Ensino Fundamental. É lembrar ser possível introduzir certos conceitos com as crianças pequenas. O professor pode, por exemplo, propor um jogo que envolve noções geográficas: ele sugere ir a uma praça próxima à escola e o desafio é pensar quais são os caminhos possíveis para se chegar até ela e descobrir qual seja o mais rápido.
De qualquer maneira, o principal norteador do trabalho docente deve ser a intencionalidade pedagógica. Ou seja, ele precisa conhecer o jogo antes, saber se este é adequado para a faixa etária de sua turma e o que pretende observar ao propô-lo: noção de quantidade, medidas ou de localização espacial; cooperação; capacidade de solucionar problemas individualmente; comunicação oral etc.
O professor também deve estar preparado para diversas situações, como a de uma criança que se recusa a jogar; a de conflitos entre dois ou mais participantes ou a de uma criança que propõe uma estratégia sobre a qual o educador nunca tinha cogitado.
No ensino remoto, é importante explicar para as famílias o ganho proporcionado pelos jogos para o desenvolvimento e sugerir opções acessíveis em termos de recursos e flexíveis na maneira de jogar, para que a criança possa realizar a atividade com os pais e responsáveis, irmãos e também sozinhas. É essencial que o educador receba um retorno sobre como essa experiência aconteceu em casa.
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