“A rotina que importa para a criança é a do afeto”
A professora Adriana Abdon, que atua em São Paulo, conta como tem sido a retomada de atividades presenciais com apenas parte da turma
Educar crianças é estar com as crianças. Sim, a Educação Infantil é baseada em algo elementar: a presença. Estar inteiramente junto, fazer junto, mostrar, olhar, tocar. Quando a pandemia de covid-19 obrigou as escolas a fecharem as portas em março de 2020, a principal angústia dos professores desse ciclo era justamente a impossibilidade de seguir uma educação on-line com crianças tão pequenas.
Adriana da Silva Abdon, professora do Centro Comunitário Jardim Autódromo, em São Paulo (SP), sofreu com a distância “das suas crianças”, e se afligiu muito com o desafio de ajudar os menores com os primeiros passos, o desenvolvimento da fala, das afetividades e da expressão. Ela atua com turmas de 2 anos.
“Eu achava que era impossível”, conta a educadora. Com o tempo, Adriana entendeu que foi justamente nesse momento que os pais mais precisaram de sua ajuda. E, aos poucos, ela percebeu que uma boa parceria com a família seria a chave para assegurar um desenvolvimento adequado da turma.
Equilibrar o tempo da escola, da família e da criança não é tarefa fácil, e agora, com o atendimento de parte da turma presencialmente, e parte remotamente, é duplamente desafiador. “Faço um planejamento semanal em conjunto com os meus colegas e abro para a análise das famílias também”, explica Adriana. “Tem sido muito importante contar com o amparo de um grupo, e de uma gestão que dá formação constante para encarar esses desafios. Esse trabalho coletivo e cuidadoso fez a diferença nessa retomada”, completa.
Desde fevereiro, 35% das crianças da turma de Adriana estão indo todos os dias à escola; e a felicidade de tê-los por perto a professora não esconde. As outras 65% ainda estão em casa, mas o afeto atravessa essa distância, e a educadora reconhece o trabalho em cada conversa e videochamada que faz com as crianças.
Interação com as famílias fez diferença
“É surpreendente perceber que mesmo me vendo só algumas vezes pela telinha do computador ou do celular as crianças me reconhecem, querem falar comigo, ficam ansiosas para me contar algo”, comenta a professora. A afetividade que Adriana construiu com a turma, seja presencialmente, seja remotamente, tem feito com que as crianças se sintam seguras com as suas propostas e respondam de forma positiva a esses estímulos. “A readaptação daquelas que retomaram as atividades presenciais tem sido bastante tranquila. Teve o choro, que é normal. Mas a gente se surpreendeu. Achamos que seria difícil, mas não foi”, explica a educadora.
Esses laços não foram arranjados do dia para a noite. O que fez a diferença, conta a professora, foi a constância de interação com as famílias e as crianças ao longo do período de isolamento total. A princípio, a ideia era montar grupos de discussões com pais e responsáveis via plataforma Zoom. Não funcionou. “Muitos pais tinham dificuldades ou resistências em mexer com o aplicativo. Nós mantemos essa possibilidade até hoje, mas o que funciona mesmo é fazer uma ligação diretamente para aquela família e criança a cada quinze dias”, explica a docente.
E essa é a lição fundamental de Adriana sobre como ajustar o que parece impossível em tempos tão complexos e incertos: a rotina. Ter uma rotina de diálogo, acesso, escuta e troca com as crianças, ainda que pouco frequente, foi o que garantiu os hábitos importantes para o desenvolvimento dos pequenos, como a soneca, os circuitos para melhorar os passinhos, a fala. “Porque aqui, o que importou não foi o volume de interações e propostas, mas a constância e a continuidade delas. A rotina que importa para a criança é a do afeto”, reflete a professora.
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