Para refletir a prática

Por que trazer as histórias das famílias para dentro da escola

A abordagem pode ajudar no acolhimento das crianças ao fazê-las reconhecer no ambiente escolar referências daquilo que viveram em casa

Ilustração abstrata de pai e filha colocando fotografias da família em álbum de fotos gigante.
Ilustração: Flavia Borges/NOVA ESCOLA

O dia em que fizeram uma receita culinária com os pais. A tarde em que tomaram banho de chuva com os irmãos. A noite em que assistiram a um filme de aventura ou, quem sabe, dançaram na sala com toda a família. Depois de tanto tempo convivendo quase exclusivamente com seus familiares por causa do isolamento social imposto pela pandemia, são muitas as histórias que acompanham as crianças no retorno presencial à escola. Por isso mesmo, esse período pode ser desafiador para os pequenos. 

Para que não encarem esse momento como uma ruptura, trazer as vivências e histórias das suas famílias para dentro do espaço escolar é uma estratégia que pode ajudar no acolhimento das crianças ao fazê-las reconhecer no ambiente escolar referências daquilo que viveram também em suas casas, aponta Beatriz Ferraz, psicóloga e doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). 

A educadora diz que essa abordagem deve permear as situações pedagógicas, o cotidiano e a organização dos espaços e materiais no momento do retorno das crianças à escola. Uma das formas de ajudar nessa transição é conversar sobre como foram esses momentos em casa, mas, sobretudo, possibilitar situações em que as crianças possam se expressar. É importante que o professor ouça o que elas trarão de informações a partir de brincadeiras, desenhos, música e faz de conta, por exemplo. 

Nessa perspectiva, o diálogo da escola com as famílias é um ponto fundamental e está diretamente ligado ao êxito de tais experiências. Afinal, não basta apenas criar condições para que pais e responsáveis participem, é preciso envolvê-los efetivamente na vida escolar. É o que defende Maria Thereza Marcilio, presidente da Avante e mestre em Educação pela Universidade Harvard. Thereza ressalta que esse diálogo deve ser contínuo e que cabe à escola criar condições para que famílias se sintam acolhidas. 

“A criança chega na escola com o que traz de referência do ambiente onde vive. Se recebemos as famílias, as crianças se veem representadas com sua herança e seu pertencimento. E esse diálogo é com todo o entorno. As histórias só estarão presentes na escola, de fato, se acolhermos essas famílias”, reforça. 

Além de valorizar as aprendizagens e interações vividas nos últimos meses e estimular o contato com as histórias familiares das outras crianças, apresentando-lhes contextos diversos, essa abordagem coloca as crianças em contato com sua própria identidade. “Trazer para dentro da escola as histórias das famílias tem muito significado, porque as histórias das crianças podem até ser parecidas, mas o valor é único para cada uma delas”, observa Keli Patrícia Luca, especialista em Psicopedagogia e mestranda em Educação pela Universidade de São Paulo (USP).

A importância desses momentos, conforme explica Keli, está em fazer a criança se enxergar dentro das propostas pedagógicas, fazendo a conexão com sua identidade. “Para a criança, essa base do núcleo familiar é o seu primeiro vínculo, o que só nos lembra porque é tão importante a parceria com as famílias”, completa. 

Cada casa é um caso

Além de seguir as recomendações dos órgãos de Saúde e Vigilância Sanitária para evitar contaminações, alguns cuidados são essenciais na retomada das atividades presenciais da escola. Maria Thereza frisa, por exemplo, a necessidade de acolher crianças que poderão voltar com histórias difíceis vividas ao longo da pandemia, como a perda de parentes para a covid-19, dificuldades financeiras e episódios de violência. Diante de cenários delicados como esses, é crucial que o professor procure construir oportunidades e situações de escuta e acolhimento.

“Não temos receita pronta para que todos acertem. Por isso, é fundamental conhecer a realidade dessas crianças para atender às necessidades que se apresentarem. Dessa forma, tudo faz sentido, tanto para quem propõe quanto para quem participa, e há mais chance de termos adesão e a tão almejada parceria das famílias”, reflete Keli Patrícia.

Beatriz Ferraz lembra ainda que “o professor não tem de trazer essas histórias, mas sim, as crianças”. O papel do educador deve ser o de criar condições para que as histórias venham e, a partir do que as crianças trazem e interpretam, trabalhar com o grupo essas vivências. “O momento é de aceitar e acolher essas experiências e trabalhar a partir delas”, recomenda.

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