Linguagem e expressão: caminhos para incentivá-las na retomada presencial
Professores precisam criar condições para que os pequenos possam se expressar, elaborando o que viveram em casa ao longo da pandemia
O que será que uma criança diz quando sorri, chora, grita ou faz uma careta? Quais são seus desejos e inquietações ao desenhar e pintar, livremente, pessoas, bichos, plantas ou traços e formas de diversos tipos? Ou, então, quais medos e inseguranças ela coloca para fora quando canta, balbucia ou pula ao som de uma música?
São muitos os sentimentos que acompanham uma criança, ainda mais depois de um ano e meio de pandemia. Agora, com o retorno gradativo ao modelo presencial, mais do que nunca, escolas e professores precisam criar condições para que os pequenos possam se expressar, um dos seis direitos de aprendizagem garantidos pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para a etapa, e dar vazão ao que sentem em tempos de tantas mudanças.
É o que garante Karina Rizek, consultora da Avante Educação e Mobilização Social e formadora na Escola de Educadores. Para Karina, escolas e professores devem estar abertos a escutar as crianças, não apenas com os ouvidos, mas com todos os sentidos, para compreender o que elas dizem para além da fala ou do desenho, por exemplo.
“Neste momento de pandemia, isso é algo muito importante porque precisamos, essencialmente, entender o que as crianças passaram, o que aprenderam e o que trazem desse contexto. Esses são aspectos fundamentais para que o professor possa organizar uma prática”, observa.
Karina afirma que, muitas vezes, a escola tende a tolher essa capacidade expressiva das crianças, reforçando práticas reduzidas à linguagem verbal (oral e escrita) ou não valorizando as produções livres das crianças, o que empobrece as possibilidades de expressões artísticas.
Ela diz que “independentemente da pandemia, precisamos considerar que na Educação Infantil, como em todas as etapas, as crianças possuem milhares de possibilidades de se expressar”. Além das linguagens verbais e artísticas, por exemplo, a linguagem corporal é essencial para o desenvolvimento dos pequenos. “Muitas vezes a criança está numa roda, atenta ao professor, mas está batendo o pé no chão, mostrando que está ansiosa com alguma coisa”, exemplifica Karina.
Vale lembrar ainda que, apesar de as diferentes linguagens estarem intimamente ligadas ao “expressar”, as atividades e propostas com esse intuito passam, também, pelos demais direitos previstos pela BNCC: conviver, brincar, participar, explorar e conhecer-se.
Vera Regina Corrêa de Mello, pedagoga especialista em Educação Infantil, frisa que se expressar nada tem a ver com “deixar a criança falar sem parar”, mas sim, com oportunizar que ela dialogue, fale de suas necessidades, pratique sua criatividade e exercite sua sensibilidade, emoções e sentimentos.
“Significa que a criança pode externalizar suas dúvidas, hipóteses, descobertas e opiniões sobre o que acontece dentro e fora da sua cabeça e de seu coração. Só assim ela poderá construir conhecimentos sobre o mundo à sua volta, sobre os adultos e crianças que a cercam e, principalmente, sobre si mesma”, reflete a pedagoga.
Por isso, na escola onde Vera atua como diretora pedagógica, em São Paulo, o uso de diferentes linguagens é incentivado a todo momento. Ela conta que os professores realizam diversos trabalhos a partir da observação de artistas para que as crianças façam suas próprias releituras de pinturas e esculturas, por exemplo.
Para trabalhar os sentimentos, a escola criou um momento chamado Emocionário, em que as crianças podem manifestar, como quiserem, inclusive com caretas na frente do espelho, o que estão sentindo no dia. As brincadeiras com o corpo também fazem parte do cotidiano dos bebês e das crianças por meio da mímica e da dança.
Escuta de corpo inteiro
Embora haja milhares de possibilidades de expressão e de linguagens, nada adianta se o professor se colocar numa posição de detentor do conhecimento, ressalta Lidiane Loiola, hoje coordenadora da EMEI Julio Alves Pereira, na Zona Oeste de São Paulo.
“Para que a criança se expresse, é necessário que o educador dê abertura. Se, na prática, o professor tem uma postura mais tradicional, detém a voz, o saber e o conhecimento, ele não vai conseguir garantir esse e outros direitos da criança, porque não vai entender que o que ela expressa tem relevância”, pontua.
Para além de ter uma escuta de corpo inteiro, conforme reforça Karina Rizek, é preciso que o educador acolha os sentimentos e emoções das crianças e flexibilize as propostas para que elas possam se expressar da maneira que se sentirem à vontade. “Uma roda de conversa, por exemplo, não precisa ser apenas de conversa. Pode trazer outros elementos: desenhar, encenar, criar uma música etc.”, sugere.
Lidiane Loioa, que é formada em Artes Visuais, enfatiza que as crianças constroem significados quando o que estão fazendo tem, de fato, sentido para elas. “Se eu dou um desenho pronto para a criança pintar, que significado a criança está construindo em cima daquilo? Agora, quando peço para desenhar a partir de um tema livre, ela vai conseguir significar sobre aquilo que está expressando. É aí que o significado existe”, ressalta a educadora.
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