Para repensar a prática

Como propiciar espaços convidativos e, ao mesmo tempo, seguros

Apresentar os protocolos sanitários de forma lúdica e envolver as crianças na decisão das novas regras são alguns caminhos

Ilustração de criança brincando em um jardim. Ela está de braços abertos e a professora está próxima.
Ilustração: Nathalia Takeyama/NOVA ESCOLA

O espaço é muito mais do que o local onde a aprendizagem acontece: ele também passa mensagens importantes para as crianças e influencia as trocas, os encontros e as relações que ali se desenrolam. Daí a importância de pensá-lo e planejá-lo. “Essas interações e trocas têm a ver com a organização do espaço”, explica Beatriz Goulart, arquiteta e urbanista pela USP, mestre pela FAU-UFRJ e pesquisadora de espaços educativos e urbanos. Para a especialista, a garantia da autonomia e da identidade da infância passa por propiciar um ambiente escolar que favoreça essas relações.

No entanto, o enfrentamento à pandemia tem apresentado desafios: há lugar para a ludicidade e a autonomia em meio às regras e medidas sanitárias? Afinal, além da revisão espacial e do cumprimento dos protocolos sanitários contra a covid-19, os educadores passaram a mediar de forma mais intensa a relação dos pequenos com o espaço.

A boa notícia é que é possível aliar essas duas preocupações. Para isso, Eliana Sisla e Maria Teresa de Carvalho, psicólogas especialistas em Educação Infantil e formadoras do Instituto Avisa Lá, lembram que o trabalho em equipe, em constante atualização e alinhado ao contexto da Educação Infantil, é essencial: “É sempre um processo dinâmico e é preciso adaptar cada instituição à sua realidade”.

Elas ressaltam que a escola deve ser um lugar alegre, instigante, de investigação e convivência prazerosa. “Isso inclui informações estéticas diversificadas e de boa qualidade, espaços organizados com elementos que alimentem a curiosidade e a investigação e, principalmente, que sejam espaços que possuam as marcas das crianças, que falem sobre elas.”

Neste momento de reavaliação das práticas, vale ressaltar ainda que a discussão sobre a utilização dos espaços deve ser feita a partir do projeto pedagógico da escola e da cultura local, sugere Beatriz Goulart. Em outras palavras, deve-se considerar as particularidades, os hábitos e as tradições das crianças para além dos muros da escola.

A pesquisadora ainda reforça: “Antes de vir a qualidade do lúdico, deve-se respeitar as qualidades físicas e ambientais daquele espaço. Precisamos garantir o conforto térmico, acústico e lumínico, por exemplo”.

Na prática

Há sete meses de volta ao presencial, Ceila Luíza Pastório, diretora da creche Baroneza de Limeira, em São Paulo, vê isso acontecer na prática. Em um constante trabalho com a equipe escolar e de diálogo com as famílias, hoje a instituição recebe cerca de 600 crianças, aliando um ambiente convidativo e acolhedor, sem deixar os protocolos sanitários de lado.

“Priorizamos ambientes externos, elementos da natureza e materiais não estruturados, além de reduzir o número de brinquedos nas salas”, conta. Para engajar os pequenos nas novas regras, Ceila os envolveu no processo, explicando o novo contexto e definindo combinados, além de utilizar recursos visualmente atrativos no ambiente. “Temos cartazes mostrando os cuidados sanitários de forma lúdica e pegadas coloridas no chão para definir o distanciamento.”

Se o contato com a natureza e a utilização de espaços externos já eram considerados importantes antes da pandemia, neste momento ganham prioridade. “As áreas externas possibilitam interações e ambientes estimulantes para as crianças sem comprometer nenhum protocolo sanitário”, comenta Ceila. 

Nesta perspectiva, vale propor circuitos, atividades com elementos naturais e incentivar a exploração do ambiente de forma livre. Para garantir o distanciamento, Eliana Sisla e Maria Teresa de Carvalho sugerem pensar em atividades com menos aproximação e contato físico, mas sem impedi-lo totalmente, o que pode ser danoso às crianças. 

“Isso pode levar à compreensão de que o outro é perigoso. Ora, quem é perigoso é o vírus. Cada um tem de preservar a própria saúde para garantir a do outro. Trata-se da construção de um pacto ético de proteção ao outro, de proteção da vida”, explicam. 

Nessa linha, a escola pode se encarregar de cuidados como a ventilação necessária, práticas envolvendo a higienização das mãos, dos objetos e do uso de máscara. “A escola não pode ser um lugar triste. As interações, as amizades, as brincadeiras são a própria escola na visão das crianças - e elas têm razão.”

Participação ativa das crianças

Para ajudar na compreensão das novas normas de cuidado sem cair no discurso proibitivo do “não pode”, as educadoras orientam envolver as crianças ativamente na organização da escola. 

Beatriz Goulart sugere valorizar o conselho escolar, inclusive na Educação Infantil, e propor rodas de conversa e trocas com as crianças sobre os assuntos que as envolvem. “Mostre que existem regras mais difíceis durante a pandemia e pergunte se elas têm ideias de como agir. Convide-as a entenderem os protocolos sanitários.”

Na volta às atividades presenciais, Ceila fez isso com as turmas: rodas de conversa sobre a pandemia, trocas sobre as experiências vividas no período em casa e sugestões sobre como lidar com a situação. “Entendo que crianças devem ser colocadas no papel de cidadãos participativos e construtores de saberes. Nós acreditamos em uma escola onde os combinados são construídos com a criança e retomados sempre que necessário”, pontua.

Além disso, Beatriz reforça a importância de lembrar que a condição é temporária e de incentivar o cuidado entre as próprias crianças - algo que Ceila vê acontecendo naturalmente entre os pequenos: “Por aqui, um colega ajuda o outro a lembrar sobre o uso da máscara, como fazer a higienização necessária e a manter o distanciamento”, conta.

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