Para pensar a prática

A importância de desenvolver a consciência corporal desde cedo

O espaço criativo do corpo precisa ser valorizado na Educação Infantil, pois representa a principal forma de comunicação das crianças pequenas

Fotomontagem de criança brincando com lençóis e gravetos sobre ilustrações simulando traços e movimentos.
Crédito: Duda Oliva/NOVA ESCOLA. Fotografia: Marcela Alvim/NOVA ESCOLA

Livros, cadernos e lápis são alguns objetos presentes na escola que estão diretamente relacionados à noção de conhecimento. Entretanto, a aprendizagem também acontece a partir e para o próprio corpo das crianças. Para a Educação Infantil, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) estabelece cinco Campos de Experiência e todos eles se relacionam diretamente ao desenvolvimento e à consciência corporal. 

Faz parte desse aprendizado, por exemplo, compreender o próprio corpo, o corpo do outro, o que é possível, o que é perigoso e como um corpo pode se relacionar com outros, com o espaço e com objetos do seu entorno. Segundo André Trindade, psicomotricista e especialista em Educação Corporal na infância e adolescência, o espaço criativo do corpo precisa ser valorizado, pois representa a principal forma de comunicação das crianças pequenas, principalmente quando ainda não dominam plenamente a fala e a escrita.

“Não podemos esquecer que o fator mais importante da aprendizagem é a motivação da criança. O professor pode propor, por exemplo, que as crianças produzam um colar de contas ou manipulem objetos pequenos para desenvolver a coordenação motora fina, mas isso tem de ser uma brincadeira, não um treinamento”, comenta André, que enfatiza o fato de que o professor não pode ver o trabalho com o corpo como uma série de exercícios impostos às crianças.

Assim como muitas outras aprendizagens, na Educação Infantil o conhecimento sobre o corpo também deve acontecer por meio de brincadeiras livres e propostas lúdicas organizadas pelo educador. Danças, brincadeiras de roda, circuitos, desenhos em diferentes plataformas, contato com materiais não estruturados, olhar-se no espelho, brincar de careta, correr descalço, fechar os olhos e respirar fundo todas essas, e muitas outras, são possibilidades que podem ajudar as crianças a perceberem o próprio corpo e suas partes, além do corpo do outro.

Outro ponto é que essas propostas devem ser planejadas de maneira que crianças com deficiência ou dificuldades específicas também possam participar. Janaína Sandoval é professora de Expressão Corporal no Colégio Oswald de Andrade, na capital paulista, e conta como faz isso. “Não podemos tirar da criança a possibilidade de se perceber como ser potente. Priorizo o que ela consegue fazer, não o que não consegue, para não limitá-la a uma dificuldade.” Por exemplo, se uma criança tem dificuldade de abaixar e levantar, o professor pode organizar uma atividade em que tudo é feito em pé e outra em que tudo é feito no chão, explica a professora.

Segundo Janaína, crianças com deficiência têm de realizar atividades com as outras, não sozinhas ou só com o professor. Se o adulto se preocupa com isso, as crianças aprendem a fazer o mesmo e, inclusive, ajudam a pensar em opções. Afinal, o trabalho com o corpo também envolve reconhecer potencialidades e limites e encontrar meios de relacionar-se com o outro.

Nesse sentido, o educador também é alguém que tem muito a aprender e a ensinar. “O professor tem de ser um brincante. Ele promove para a criança uma vivência que realmente a atravessa quando também acredita no que está propondo. Dá para criar e reinventar os espaços, os objetos, além de criar muitas brincadeiras, mas o maior recurso sempre é o professor acreditar junto com as crianças”, diz Janaína.

Além dos benefícios físicos, que já são bastante significativos, a consciência corporal também ajuda no desenvolvimento cognitivo - o que será percebido não só na primeira infância, mas em toda a vida. “A aprendizagem implícita é fundamental na Educação Infantil, período no qual a criança aprende fazendo, com o próprio corpo. Já a aprendizagem explícita é aprender através de descrições, da leitura, da escuta, de explicações. Se a aprendizagem implícita não ocorre plenamente na infância, a capacidade de apreensão explícita é impactada”, explica André Trindade.

Nessa perspectiva, segundo o especialista, a experiência do corpo ajuda a construir a vida acadêmica, a emocional e, consequentemente, a social. “A neurociência e a neuroaprendizagem indicam que uma experiência empobrecida do ponto de vista do corpo tem impactos enormes na vida escolar inteira, na organização do tempo, na memória e na compreensão dos sentimentos.”

Isso deve ser considerado não somente na Educação Infantil, mas também, nas etapas seguintes, quando os horários de brincadeira livre diminuem gradativamente e os corpos passam longas horas sentados em cadeiras. Em vez desse modelo, por que não propor que as aulas sejam dadas com os alunos sentados em roda na grama debaixo de uma árvore? Quando o bem-estar corporal é considerado, as experiências ganham ainda mais significado.

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