Para pensar a prática

Como traduzir o que é qualidade na Educação Infantil para além do ambiente escolar

Concepções contidas nos documentos legais são contemporâneas e pouco familiares para uma parcela da sociedade

Ilustração de mesa redonda com gestores e professores da Educação Infantil.
Ilustração: Thiago Lopes (Estúdio Kiwi)/NOVA ESCOLA

Durante o período em que creches e escolas estiveram fechadas por causa da pandemia de covid-19, a relação entre educadores e famílias estreitou-se e as propostas de atividades e experiências passaram a ser enviadas diretamente para os responsáveis. Se essa nova dinâmica, de um lado, potencializou aspectos positivos, como o fortalecimento de vínculos, de outro evidenciou desafios, entre eles, a própria necessidade de ampliar o entendimento sobre o que é qualidade na Educação Infantil para os parceiros da escola.

Relatos de pais que se frustraram com as sugestões por serem pouco “instrutivas” a casos onde o principal prejuízo enxergado era a perda de um espaço onde o filho pudesse ser cuidado, desconsiderando a dimensão pedagógica do trabalho dos professores, endossam essa necessidade.

Trocar fraldas, ler histórias, observar atentamente as crianças brincarem no parquinho e tantas outras ações fazem parte da rotina do professor de Educação Infantil, que precisa de formação adequada e muito planejamento para cuidar e educar os pequenos. Assim como nas outras etapas de ensino, seus gestos devem ser pautados por uma intencionalidade pedagógica, por saberes teóricos e por documentos orientadores.

Segundo Maria Thereza Marcilio, presidente da Avante – Educação e Mobilização Social e mestra em Educação pela Harvard Graduate School of Education, as ideias defendidas pelos documentos legais sobre a etapa e sobre a infância são contemporâneas e pouco familiares para grande parcela da sociedade. Ela explica que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) inclui a Educação Infantil como parte da Educação Básica e a ideia conjunta de cuidar e educar, que considera bebês e crianças como sujeitos integrais e com direitos plenos. Por sua vez, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) apontam o professor como quem articula a vivência das crianças com os conhecimentos e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) preserva o olhar para a criança no centro e foca nos direitos de aprendizagem, nas brincadeiras e nas interações.

Para valorizar essa etapa da educação e alinhar expectativas, é preciso que todos compreendam o que é qualidade na Educação Infantil. “Algumas práticas escolares e alguns documentos de escolas, municípios e estados ainda não traduzem bem os valores que estão nos documentos maiores”, comenta Maria Thereza. Segundo ela, as famílias tendem a considerar como correta a concepção pedagógica que a escola apresenta. Por isso, é importante que os gestores e os professores entendam a dimensão de seu trabalho.

“Quando falamos de intencionalidade pedagógica, não nos referimos a entregar conteúdos para as crianças. O foco está na organização dos tempos e dos espaços em que elas circulam, na promoção de experiências lúdicas, nas interações, no desenvolvimento contínuo de diversas habilidades”, explica Beatriz Abuchaim, gerente de Relações Institucionais e Governamentais na Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal. Ela explica ainda que aulas expositivas não fazem sentido para as crianças pequenas e que, para o desenvolvimento de percepções de mundo, as experiências precisam acontecer de modo integrado.

Segundo a BNCC, documento que a cada dia se torna mais familiar para os educadores e que precisa também ser apresentado para as famílias, os Campos de Experiência e os Objetivos de Aprendizagem e Desenvolvimento na Educação Infantil devem ser orientados por seis direitos: conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se. “A BNCC é uma base para o que a sociedade precisa construir para a Educação. Ela só se consolida quando é pensada junto às questões do município, quando os gestores olham para a realidade da comunidade escolar, quando os professores pensam em atividades práticas e quando a família é parceira”, comenta Maria Thereza.

Se alguns termos são novidades para os professores, os princípios que orientam a etapa e as ações da escola podem ser completamente desconhecidos para as famílias. Beatriz Abuchaim comenta que quanto menor é a criança, menor é também a compreensão das pessoas sobre o trabalho pedagógico envolvido no cuidar e no educar. Por isso, é preciso estabelecer um diálogo constante. “Os eixos de aproximação com as famílias são apresentar os documentos da escola, que devem ser sempre revistos e atualizados, conversar sobre como a criança aprende [interações, brincadeiras, conversas com os colegas, leitura de livros e associações com o mundo] e convidar para a participação ativa nas atividades da escola, como reuniões e momentos com as crianças.”

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