Rebatendo mitos em torno da Educação Infantil
Veja argumentos para contestar afirmações falsas e explicar os fundamentos que sustentam as práticas da etapa
Nem todos entendem o papel pedagógico e formativo da Educação Infantil. Para lidar com perguntas, comentários e críticas que demonstram um desentendimento sobre o que está previsto para essa etapa, o professor precisa ter clareza sobre os princípios que orientam sua prática e apresentá-los sempre que julgar necessário. Abaixo, elencamos algumas frases falaciosas que você, educador, já pode ter ouvido sobre seu trabalho. Com a ajuda de especialistas, explicamos como você pode rebatê-las de forma fundamentada, ajudando a qualificar o debate sobre Educação Infantil para além dos muros da escola.
“Para ser professor de Educação Infantil, basta gostar ou ter jeito com criança”
Isso é muito importante, mas não é suficiente. O professor dessa etapa é um profissional, tem de estudar muito as teorias da Educação, saber planejar, propor experiências com intencionalidade pedagógica e observar. “A docência na Educação Infantil é muito complexa. Muitas vezes, os profissionais atuam com quem ainda não desenvolveu a fala, por exemplo. Além de todo o conhecimento pedagógico, ele tem de ter a sensibilidade desenvolvida para observar os gestos e expressões das crianças e conseguir trabalhar a partir disso”, comenta Beatriz Abuchaim, gerente de Relações Institucionais e Governamentais na Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.
“A professora da creche não ensina, só cuida do bebê”
É preciso ampliar o entendimento sobre o que é cuidar, pois a forma como isso é feito comunica muito para os bebês e crianças. “O conteúdo da creche é a relação: como o adulto se relaciona com a criança e como ela vai se relacionar com o adulto, com as outras crianças, com o espaço, com os materiais e com as propostas”, explica Illenia Negrin, professora de creche na rede municipal de Jundiaí (SP). Segundo Illenia, uma criança que não está bem cuidada não está presente no ambiente escolar de forma saudável, o que impacta diretamente no seu desenvolvimento. Além disso, o cuidado ajuda no fortalecimento de vínculos, o que é essencial para que a criança, que está tendo a primeira experiência social fora do ambiente familiar, desenvolva uma relação com o mundo sem traumas. “Demorar para trocar uma fralda não é perda de tempo, é dar dignidade e atenção para o bebê. Infelizmente, às vezes, não há muito tempo para cada um, mas o jeito de limpar, as palavras utilizadas e o modo de segurar o corpo ajudam a criança a construir sua própria identidade”, explica a professora.
“Meu filho não faz nada na escola, só brinca”
Citando as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) reafirma que os eixos estruturantes das práticas pedagógicas da Educação Infantil são as interações e as brincadeiras. Essas experiências devem ser pautadas na relação das crianças com seus pares e com adultos, possibilitando aprendizagens, desenvolvimento e socialização. Para os pequenos, as relações e a materialidade, ou seja, o contato direto do corpo, constroem o conhecimento sobre o mundo. Por isso, aulas teóricas e expositivas não são indicadas para essa faixa etária.
“Quanto mais cedo a criança for alfabetizada, melhor será para ela”
Esse não é o objetivo da Educação Infantil. Algumas crianças podem demonstrar, desde muito novas, maior interesse na cultura escrita e facilidade para aprender a ler e escrever, mas essa não é uma exigência para a etapa. “A literatura vai ser trabalhada desde sempre, pois é importante despertar o gosto pela leitura, ensinar as primeiras letras e a diferenciar gêneros textuais, mas o objetivo final não é que as crianças saiam alfabetizadas. O contato com a língua escrita começa com os pequenos, mas o processo de alfabetização finaliza-se no Ensino Fundamental”, reflete Beatriz.
“A creche, ou escola, precisa oferecer atividades recreativas o tempo todo”
“Algumas escolas parecem um buffet de festa infantil. É legal que o espaço seja bonito, mas temos de tomar cuidado com o excesso de informações”, comenta a professora Illenia. Segundo ela, outro problema relacionado é a quantidade exagerada de propostas novas ou a repetição mecânica de atividades. Por exemplo, se a turma vai fazer uma exploração com tinta guache, é aconselhado variar os suportes e instrumentos de desenho para que as crianças criem intimidade com os materiais a cada atividade. A repetição acontece, mas de forma diversificada e gradativa. Sobre o ímpeto de manter as crianças sempre entretidas, Illenia lembra que “uma formiga carregando algo mais pesado que ela já é uma novidade. Nessa volta ao presencial muitas crianças estão com dificuldade de brincar e observar, porque não podem passar o dedinho na tela quando não gostam do conteúdo. Elas têm de se tornar íntimas da vida cotidiana novamente”.
Mais sobre esse tema