Para pensar a prática

Como as crianças aprendem por meio da imitação

Quando imitam o outro, os pequenos estão se comunicando e desenvolvendo suas possibilidades de criação e representação

Animação de criança imitando uma bailarina.
Ilustração: Victoria Koki/NOVA ESCOLA. Fotografia: Unsplash

Imitar: “Fazer ou reproduzir alguma coisa à semelhança de”, segundo os dicionários. Um gesto, um som, uma personagem, um bicho, um movimento, dentre outras possibilidades. A imitação é um dos principais recursos que bebês e crianças utilizam para desenvolver e reter novas aprendizagens. Um exemplo disso é o próprio processo de aquisição da fala, em que a criança desenvolve seu repertório na medida em que imita os sons das palavras que escuta corriqueiramente. 

Mas a imitação começa mais cedo do que imagina a maioria das pessoas. É o que explica Daniel Becker, pediatra e mestre em Saúde Pública pela Fiocruz. “Essa é uma das mais importantes formas de aprendizado da primeira infância. Assim que o bebê nasce, nas primeiras semanas de vida, é possível percebê-lo imitar a mímica facial dos pais e até alguns sons”, explica. 

A imitação, segundo o médico, vem especialmente dos chamados neurônios-espelho, que ajudam a criança a reproduzir ações que ela vê, de modo a facilitar a imitação e, consequentemente, aprendizados mais rápidos. “O aprendizado por imitação é muito eficiente. Sabemos que a criança se desenvolve na interação com o outro e uma boa parte disso se dá pela imitação. Essa prática também traz um senso de pertencimento à criança”, ressalta Becker. 

Maria Isabel Pedrosa, doutora em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo (USP) e docente no Laboratório de Interação Social Humana (LabInt) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), afirma que a imitação passa a ser algo mais frequente na vida da criança por volta dos 2 anos, idade em que ainda não tem domínio sobre a fala, sobretudo, com uma função comunicativa. 

“Uma das formas em que as crianças têm de introduzir a brincadeiras, por exemplo, é imitando o que os outros estão fazendo. Nesse sentido, a imitação é um comportamento de se comunicar com o outro. Se no início da vida são as emoções que comunicam ao outro os estados internos, por volta do 3º ano de vida, a imitação também passa a ocupar esse papel”, observa a especialista, que é autora do estudo A imitação como um processo de construção de significados compartilhados.

Ao mesmo tempo que tem uma função predominantemente comunicativa, especialmente entre crianças da mesma faixa etária, a imitação colabora para o próprio desenvolvimento da criança. De acordo com a pesquisadora, no campo teórico, especula-se que o ato de imitar tenha um importante papel na criação e na expansão de outra função mental, que é a representação, entendida pelo estudioso francês Henri Wallon (1879-1962) como usar uma coisa por outra. 

“Por exemplo, se eu me posiciono de quatro e lato, eu sou um cachorrinho. Não tem cachorro aqui, mas a minha postura lembra um cachorro. É como se eu trouxesse para cá essa 'coisa'. Então, representar é colocar uma coisa no lugar da outra. Nesse sentido, imitar com frequência é um exercício que fará expandir a capacidade de representação da criança”, especifica Pedrosa. 

Além disso, o pediatra Daniel Becker acrescenta que a imitação tem uma vantagem adicional, uma vez que oferece uma forma de conexão com o outro. Ele reforça que quando imita o adulto, a criança também está se conectando com ele, o que gera aprendizados. “Trata-se, na verdade, de um pacote integrado de habilidades que a criança vai aprendendo, muitas das quais surgem por meio da imitação”, pontua.

Uma dessas habilidades é a empatia. “Quando a criança imita uma pessoa, é como se ela percebesse o que o outro está sentindo. Se faz uma careta de alguém que está triste, é como se ela também pudesse sentir aquela tristeza. Então, essa é mais uma forma de a criança aprender uma habilidade básica do ser humano, que é a empatia”, destaca o especialista.

Muitas vezes, no entanto, a imitação é vista como algo negativo, como se a criança não fosse criativa ou apenas reproduzisse o que os outros fazem, o que não é verdade. A pesquisadora frisa que a imitação não deve ser vista como o oposto de criação, mas sim, uma possibilidade de alcançar novos patamares, fazer novas organizações.

“Geralmente, a imitação é colocada por pais ou professores desavisados como algo ruim. Ainda existem pessoas leigas que acham que imitar não é criar, que a criança não é inventiva. A criação é sempre uma função que não parte nunca do zero, o novo é sempre um olhar diferente para algo que já acontece”, completa.

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