Para repensar a prática

Por que e como ajudar as crianças a soltarem a imaginação

A escola deve ser um espaço que convide para a atividade criadora, onde as crianças tenham liberdade para experimentar e explorar diferentes linguagens

Animação de criança na sala de aula. A sala se transforma em ambiente imaginativo de selva.
A imaginação não é restrita às crianças e às brincadeiras, está presente em toda a cultura humana. Ilustração: Victoria Koki/NOVA ESCOLA

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) propõe cinco campos de experiências para a etapa da Educação Infantil, sendo um deles Escuta, fala, pensamento e imaginação. As crianças são conhecidas por terem uma imaginação bastante fértil e inventiva, mas ao contrário do que muitos supõem, é, sim, necessário desenvolver atividades e oferecer experiências que incentivam a imaginação. Quando isso não acontece, as crianças perdem a oportunidade de desenvolver e praticar sua capacidade criadora.

“A capacidade de criar e a imaginação não são dons naturais, algo que uns têm e outros não. Uma pessoa vai ser mais criativa dependendo da sua história e da sua experiência acumulada ao longo dos anos. Para que as crianças consigam imaginar e criar, é necessária uma escola que tenha em sua concepção lugar para a atividade criadora, que não seja tão tradicional, em que as crianças tenham liberdade para experimentar, explorar diferentes linguagens artísticas e combiná-las”, diz Maria Paula Zurawski, formadora do Coletivo Curió e selecionadora do Prêmio Educador Nota 10.

É importante considerar que a imaginação não é restrita às crianças e às brincadeiras, mas está presente em toda a cultura humana se manifestando por meio da arte, das narrativas, dos campos técnicos e da ciência, entre outros campos. Por exemplo, as vacinas não existem desde sempre, alguém imaginou essa possibilidade antes de pesquisá-la, alcançar sucesso no experimento, e assim, possibilitar uma série de avanços na área da saúde.

Maria Paula explica que as criações dependem da atividade reprodutiva, isto é, da capacidade que os seres humanos têm de preservar aprendizagens e referências, e da imaginação, resultando em uma atividade combinatória muito importante para todos os aspectos do desenvolvimento. Isso acontece, por exemplo, quando as crianças são convidadas a esboçar algo que não vivenciaram na prática, como um castelo ou uma viagem intergaláctica. Por meio da capacidade de criar, elas conseguem associar técnicas de desenho, referências, hipóteses e desejos para criar esses cenários.

Nessa perspectiva, as experiências artísticas e as brincadeiras são essenciais, pois é por meio delas que os pensamentos podem ser concretizados. Nesse sentido, os adultos precisam oferecer um rico repertório dos conhecimentos produzidos pela cultura: contar histórias, mostrar imagens, organizar ateliês e visitas a exposições e espaços ricos em referências, materiais e possibilidades de criação.

O professor, por sua vez, precisa valorizar os materiais que não têm uma função específica, os chamados materiais de largo alcance: tecidos, blocos, tampas, potes, caixas, sementes e outros elementos da natureza. Ao contrário do que acontece com brinquedos que já têm uma função estabelecida, como um carrinho ou uma boneca, esses materiais favorecem a imaginação e podem ser ressignificados de infinitas maneiras.

“O jogo simbólico deve fazer parte do cotidiano das crianças, seja em momentos de exploração de materiais, seja na interação com seus pares, por meio de contextos organizados para brincadeira espontânea ou em situações que imitam a sua cultura”, comenta Paula Sestari, professora de Educação Infantil da rede municipal de ensino de Joinville (SC).

Segundo Paula Sestari, o repertório musical, de brinquedos e histórias oferecido pelo professor contribui para que os jogos simbólicos desenvolvam a imaginação da turma. Além dos materiais não estruturados, o educador pode propor o contato com elementos domésticos, elementos que lembrem locais de convivência social, como mercado ou hospital, e recursos que remetem aos personagens favoritos das crianças. Isso possibilitará que os pequenos reproduzam ações que observam em suas vidas, além de subvertê-las, já que estão em um espaço de brincadeiras, criando novas possibilidades para o que já é cotidiano.

Para além da sala de referência, toda a escola também precisa incentivar a imaginação. “Muitas escolas, ainda hoje, são áridas, não têm um ambiente criativo que provoque as crianças. Os gestores precisam organizar uma escola bonita, iluminada, que valorize o pensamento e o material produzido por elas”, sugere Maria Paula. Para ela, uma possibilidade interessante é promover exposições abertas dos trabalhos propostos em sala. “Isso mostra que aquilo que elas produzem, suas imaginações cristalizadas em seus trabalhos de arte, é valorizado. Tem de haver uma circulação de cultura: tanto a que a humanidade já produziu quanto a cultura produzida pela própria criança na comunidade escolar.”

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