Para repensar a prática

Aprender com o outro: a importância da interação infantil

É a partir da interação que a criança se constitui e se compreende como indivíduo singular, mas também, integrante de um coletivo

Colagem digital a partir de fotografias de duas alunas brincando juntas.
Crédito: Duda Oliva/NOVA ESCOLA

Interação: o ato de reciprocidade entre corpos, a influência que um organismo tem sobre o outro, qualquer atividade compartilhada, ou o contato entre indivíduos que convivem. Essas definições representam algo fundamental para o desenvolvimento das crianças na Educação Infantil: as interações entre si, com os adultos e com o mundo ao redor — situações que foram bastante prejudicadas ao longo da pandemia de covid-19, uma vez que os pequenos não puderam frequentar a escola, um dos principais espaços de socialização nesta fase da vida.

“É disso que estamos falando na Educação Infantil, sobre influências e reciprocidade entre pares, entre indivíduos e até mesmo com o meio. É a partir da interação que a criança se constitui e se compreende como indivíduo singular, mas também, integrante de um coletivo”, afirma Mariana Pinterich de Castilho, coordenadora pedagógica na escola de Educação Infantil Global Me. 

Beatriz Ferraz, doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Liderança em Políticas para a Primeira Infância pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos (EUA), reforça que as interações são fundamentais para a aprendizagem e o desenvolvimento na primeira infância, pois neste momento da vida as crianças dependem da interação com o adulto para aprender e se desenvolver. 

“Por meio das interações, as crianças aprendem a construir vínculos seguros e estáveis que são essenciais para que se sintam confiantes na descoberta do mundo à sua volta. Conforme crescem, contam com outros recursos, tais como brinquedos, espaços, objetos e outras crianças, mas o adulto não deixa de estar presente, pois é quem cria contextos que as apoiam a fazer conexões, a realizar descobertas, criar narrativas de sentido sobre si, sobre as pessoas, sobre as relações e assim por diante”, ressalta.

De acordo com a especialista, o estudo The Linguistic Genius of Babies (A Genial Linguística dos Bebês, em tradução livre), de Patricia Kuhl, professora da Universidade de Washington (EUA), reforça que o papel da interação com outro ser humano é essencial para as aprendizagens da primeira infância, porque é seu par quem tem condições de estabelecer uma interação que seja responsiva. Isto é, que responda a partir daquilo que a criança expressa ou comunica, com a intenção de dar continuidade à comunicação e experiência.

“A criança, desde bebê, aprende a construir vínculos a partir dessas interações que respondem às suas necessidades de fome, sono, brincar, colo etc. Viver essa experiência cria nela a base da segurança e da confiança que precisa para explorar o mundo, para lidar com suas emoções e sentimentos e para aprender a se comunicar”, sustenta Beatriz. 

A escola como espaço de encontros

Paula Sestari, professora de Educação Infantil da rede municipal de Joinville (SC) e colunista de NOVA ESCOLA, destaca que o pressuposto para o trabalho com os bebês e as crianças é a promoção de espaços e tempos de qualidade para a interação entre eles, bem como para a possibilidade de construírem seus conhecimentos a partir da observação que fazem uns dos outros. 

“Isso tudo tendo experimentado as hipóteses, ideias e movimentos de seus pares, como se articulam, pelo ato de adequar os seus comportamentos por meio de momentos que podem adentrar o campo da imitação, da experimentação, da cooperação, apoiadas pelos adultos, por crianças maiores ou por pares da mesma faixa etária”, aponta. 

No ambiente escolar, as interações entre os pequenos acontecem desde a chegada até o momento da saída e se estendem às brincadeiras em casa, pois é comum as crianças reproduzirem suas vivências com os pares no ambiente familiar, explica Mariana Pinterich de Castilho. “Inclusive, nos enganamos quando pensamos que a interação não está acontecendo porque a verbalização ainda não ocorre. As crianças comunicam-se  com todo o corpo, por sons e ações, por olhares, gestos, risadas, choro e qualquer outro tipo de ação e reação que elas têm ao longo de seu dia”, frisa.  

Não à toa, as interações permeiam os seis direitos de aprendizagem prescritos pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) da Educação Infantil, que são: conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se. Dessa forma, diz Mariana, a interação precisa estar no centro do cotidiano da criança na escola e servir como eixo estrutural para tudo que ocorrerá durante sua jornada com os pares e educadores. 

A educadora pontua que a BNCC amplia o conceito de interação para que seja vista pelo educador como uma interação entre criança-criança, criança-adulto e criança-ambiente, pois a criança é entendida como um sujeito que observa, aprende e constrói conhecimentos a partir de suas interações com o meio físico e social. Ou seja, a forma como o outro responde ou como sua influência age no colega, a forma como o espaço a instiga ou a desestimula, são fundamentais e responsáveis pelos caminhos que a construção de si e de seu conhecimento tomará.

“Todos esses tipos de interação precisam ser garantidos pelo educador, tanto na qualidade quanto na quantidade e na diversidade. Quanto mais plurais forem as experiências e as vivências, maior será o benefício para essa criança”, defende Mariana. 

Paula acrescenta que a interação, juntamente com as brincadeiras, é um dos eixos norteadores do trabalho pedagógico. “É o modo pelo qual se oportuniza o desenvolvimento de múltiplas linguagens. É nessas interações que a vida acontece”, comenta. 

Experiências de interações positivas neste momento da vida são essenciais para o desenvolvimento da empatia e da colaboração que são habilidades importantes para a vida toda e para o convívio social, de acordo com Beatriz. Para ela, também são importantes para a construção da identidade da criança, oportunizando as habilidades de autoestima, autoconhecimento e independência. 

Por isso, como observa Paula, a escola e a ação do professor devem ser acolhedoras, receptivas ao modo de ser de cada um sem atribuição de juízo ou de valor que venham a contribuir para a lapidação de um olhar unilateral das crianças, mas que contribuam para uma abordagem atenta, curiosa, sobre o que é novo ou diferente.

Mariana conclui: “Não há aprendizagem sem interação, seja ela entre crianças, da criança com o meio, com o objeto ou com ela mesma”. Ela enfatiza que a escola deve ser o espaço onde essas interações são pensadas, observadas, instigadas e mediadas. “A escola é o lugar onde a criança se sente segura para viver suas interações de forma plena.”

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