Para repensar a prática

Como os 5 sentidos se relacionam com a aprendizagem das crianças

É por meio dos sentidos do corpo que os pequenos exploram o mundo e o espaço, estabelecem relações, expressam-se e produzem conhecimentos

Ilustração abstrata representando os 5 sentidos na educação infantil.
Ilustração: Renata Miwa/NOVA ESCOLA

Os primeiros anos de vida das crianças são quase exclusivamente dedicados a experimentar sabores e cheiros, explorar as sensações que diferentes toques causam, decifrar sons e suas origens, maravilhar-se com cores e movimentos. É assim, por meio desse corpo inteiro, que vão criando seus próprios modos de estar no mundo e de significá-lo. Mas quando chegam à escola é comum que boa parte dessa potência se perca.

“Em nossa educação há uma primazia da mente em detrimento dos cinco sentidos, um legado eurocêntrico e colonial, causador dos grandes problemas que temos hoje, porque diz de um modo de formar sujeitos que é desvinculado do corpo e, portanto, de si mesmo, do outro e da natureza em seu sentido mais amplo. Na educação indígena, por exemplo, isso se passa de maneira totalmente distinta”, explica Heloísa Matos Lins, professora no Departamento de Psicologia Educacional da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Na busca por resgatar a essência das infâncias e promover o desenvolvimento integral dos pequenos nos espaços educativos, reconhecendo a inteligência que há em cada um dos sentidos, a abordagem Reggio Emilia destaca-se como uma das principais referências. “A criança tem/ cem linguagens (e depois cem, cem, cem)/ mas roubaram-lhe noventa e nove/ A escola e a cultura/ lhe separam a cabeça do corpo", diz um trecho do poema As Cem Linguagens da Criança, de Loris Malaguzzi, pedagogo criador dessa concepção.

Nessa abordagem pedagógica, a escola torna-se  um espaço privilegiado que potencializa as possibilidades de as crianças aprenderem sobre o que está ao redor delas e construírem sua própria identidade por meio dos cinco sentidos e de todas as linguagens e ferramentas possíveis: corpo, palavra, pensamento.

Portanto, cabe aos educadores a tarefa de aprenderem a observar e interpretar os conhecimentos que as crianças estão construindo. “Eles tentam privilegiar outras sensibilidades em uma lógica que não passa pela didatização e que parte da escuta das várias linguagens das crianças”, afirma Heloísa.

No Brasil, escolas e redes vêm construindo caminhos para promover e resgatar a potência das infâncias nos espaços de Educação Infantil, encontrando respaldo em pesquisadores e educadores brasileiros, bem como na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que diz: “Por meio dos sentidos do corpo, as crianças, desde cedo, exploram o mundo, o espaço e os objetos do seu entorno, estabelecem relações, expressam-se, brincam e produzem conhecimentos”.

Experiências sensoriais na escola

Keli Patricia Luca, coordenadora pedagógica na EMEI Romeu Fiorelli, da rede municipal de São Caetano do Sul (SP), junto às professoras com quem trabalha, procura promover a ampliação das experiências sensoriais cotidianamente por meio do brincar.

Nas atividades, buscam outras formas de enxergar a realidade, brincando com luz e sombra, por exemplo. Nos piqueniques, ofertam alimentos de sabores e texturas variadas, chamando atenção também para as sensações despertadas pelo cheiro dos temperos e ingredientes. Encaram o tato como uma possibilidade de desenvolver a noção de si mesmo e de diferenciar-se do outro, e, apesar das variadas músicas que marcam os momentos da rotina da escola, como a hora da história ou de guardar os brinquedos, também escutam o silêncio que há entre um som e outro.

“Isso acontece normalmente na vida dos bebês e das crianças, mas é na escola que as propostas são realizadas com olhar pedagógico e intencional no dia a dia planejado para o aprendizado, com o devido tempo para explorar de forma prazerosa e interessante, com condições e materiais para ampliar o repertório de movimentos, gestos, sons, formas, texturas, cores, palavras, emoções, transformações, relacionamentos, histórias, objetos e elementos da natureza”, elucida a coordenadora pedagógica.

Heloísa acrescenta que desenvolver os cinco sentidos das crianças é uma finalidade em si. “A audição, por exemplo, vai muito além da dimensão física, porque a criança que não escuta pelo ouvido escuta pela visão, porque ouvir não é só com o ouvido, é dar atenção. Isso é explorar os cinco sentidos e isso altera nossa forma de nos tornarmos humanos e de nos posicionarmos diante do outro, do mundo”, resume a pesquisadora.

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