Para aprender sobre a prática

Escuta, fala, pensamento e imaginação: primeiros contatos com a arte da narrativa

É nesse campo de experiência que começa o processo de ouvir e contar histórias

A educadora Kiaria Silva desenvolve atividade em que explora o campo de experiência na CREI Stelina Nunes, João Pessoa. Foto: Beatriz Marquito

Dar os primeiros passos na expressão e na comunicação, exercitar a habilidade de soltar a imaginação, além de começar a ouvir e contar histórias são os focos do quarto campo de experiência estabelecido pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) da Educação Infantil: “Escuta, fala, pensamento e imaginação”. Esse campo enfatiza que bebês e crianças aprendem se relacionando com seus pares e com os adultos, principalmente por meio da fala. “Na interação com o educador e os colegas, as crianças apropriam-se da linguagem oral, ampliam seu vocabulário e enriquecem seus recursos de comunicação verbal”, avalia Aline Castro, autora e coordenadora pedagógica. Assim diz o documento:

"Desde o nascimento, as crianças participam de situações comunicativas cotidianas com as pessoas com as quais interagem. As primeiras formas de interação do bebê são os movimentos do seu corpo, o olhar, a postura corporal, o sorriso, o choro e outros recursos vocais, que ganham sentido com a interpretação do outro. Progressivamente, as crianças vão ampliando e enriquecendo seu vocabulário e demais recursos de expressão e de compreensão, apropriando-se da língua materna – que se torna, pouco a pouco, seu veículo privilegiado de interação. Na Educação Infantil, é importante promover experiências nas quais as crianças possam falar e ouvir, potencializando sua participação na cultura oral, pois é na escuta de histórias, na participação em conversas, nas descrições, nas narrativas elaboradas individualmente ou em grupo e nas implicações com as múltiplas linguagens que a criança se constitui ativamente como sujeito singular e pertencente a um grupo social. Desde cedo, a criança manifesta curiosidade com relação à cultura escrita: ao ouvir e acompanhar a leitura de textos, ao observar os muitos textos que circulam no contexto familiar, comunitário e escolar, ela vai construindo sua concepção de língua escrita, reconhecendo diferentes usos sociais da escrita, dos gêneros, suportes e portadores. Na Educação Infantil, a imersão na cultura escrita deve partir do que as crianças conhecem e das curiosidades que deixam transparecer. As experiências com a literatura infantil, propostas pelo educador, mediador entre os textos e as crianças, contribuem para o desenvolvimento do gosto pela leitura, do estímulo à imaginação e da ampliação do conhecimento de mundo. Além disso, o contato com histórias, contos, fábulas, poemas, cordéis etc. propicia a familiaridade com livros, com diferentes gêneros literários, a diferenciação entre ilustrações e escrita, a aprendizagem da direção da escrita e as formas corretas de manipulação de livros. Nesse convívio com textos escritos, as crianças vão construindo hipóteses sobre a escrita que se revelam, inicialmente, em rabiscos e garatujas e, à medida que vão conhecendo letras, em escritas espontâneas, não convencionais, mas já indicativas da compreensão da escrita como sistema de representação da língua."

BNCC, disponível em http://basenacionalcomum.mec.gov.br/abase/#infantil/os-campos-de-experiencias. Acesso em 3 de setembro de 2020.

Uma forma de fazer isso é ouvindo os adultos e a maneira como são pronunciadas as palavras. O educador Jones Brandão incentiva que os professores invistam em atividades de leitura e contação de histórias. “Uma contação pode ter o final da história modificado por meio da imaginação da turma, com as crianças falando ou escrevendo novos desfechos”, sugere.

Até mesmo a escrita, uma habilidade adquirida pelas crianças em idade mais avançada, já pode ser introduzida, de modo que o contato com essa linguagem seja feito desde os primeiros anos de vida. Por exemplo: o contato com os textos permite às crianças compreenderem que o que se diz pode ser escrito. “E que a escrita permite recordar o que foi dito e vivido. As histórias lidas pelo professor são um meio de abordar o texto escrito, que suscita e desperta o desejo de aprender a ler”, analisa o especialista em Arte-Educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) Wagner Priante.

Livros de pano e leituras ao ar livre

Em João Pessoa, capital paraibana, a educadora Kiaria Silva apostou no uso de livros de pano e das cantigas populares para trabalhar com a sua turma de bebês e crianças bem pequenas. “No momento em que abri o livro e comecei a cantar mostrando as imagens e os materiais presentes, os bebês começaram a tocar de acordo com as palavras da canção. As crianças bem pequenas observaram e passaram a interagir espontaneamente”, conta ela. 

E o momento da leitura pode envolver outras experiências sensoriais. Viviane Graciele de Araújo Valério, EMEI Alfredo Rodrigues, em São Caetano do Sul (SP), aproveitou o encantamento das crianças com a natureza para usar o espaço externo da escola como um laboratório de vivências e descobertas com o corpo por meio dos sentidos. Isso potencializou a aprendizagem de forma prazerosa e significativa, permitindo às crianças construírem suas identidades e manifestarem suas culturas por meio da atividade.

A escola já dispunha de um espaço externo, onde era possível explorar a natureza. Viviane acompanhou as crianças até essa área e cada uma delas escolheu o elemento que mais lhe encantou – árvore, folha, galho etc. Na roda de conversa, essa escolha foi socializada e verbalizada pela turma. “Depois contamos, classificamos e ordenamos os elementos”, lembra ela. No final, as crianças fizeram intervenções criativas, atribuindo significados particulares aos elementos. Na imaginação dos pequenos, simples gravetos viraram microfones, varas de pescar, espadas, colheres de pau, vassouras, bengalas, canetas etc.

Ao longo da atividade, Viviane notou o desenvolvimento do protagonismo das crianças pequenas no processo de aprendizagem. “Elas interagiram com os elementos da natureza, verbalizando suas experiências, usando critérios para separar, classificar e ordenar”, conta. Além disso, as crianças puderam criar e transformar elementos da natureza, metamorfoseando árvores em cabanas, sementes em comidinhas, folhas médias em pratinhos e folhas grandes em barcos.


Conteúdo publicado originalmente em NOVA ESCOLA BOX no dia 15 de outubro de 2020. O texto foi reeditado e sofreu alterações.

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