Para repensar a escola

José Moran: “É impossível alfabetizar sem a aprendizagem ativa”

Referência na pesquisa sobre o assunto no Brasil, o especialista ensina como buscar formação e mudar a prática em sala de aula

O especialista José Moran, no jardim de sua casa, em São Paulo. Foto: Roberto Setton/Nova Escola

Com formação em Filosofia e doutorado em Comunicação, José Moran é referência em metodologias ativas. A sala de aula, para ele, é um espaço vivo, de trocas e pesquisas. As novas tecnologias mudaram o papel do professor e do aluno, diz Moran. A metodologia ativa vê o professor hoje como um mediador, que deve ir além de explicar o básico, “além daquilo que o aluno encontra no Google”. Sobre a alfabetização, o educador afirma que é um processo por si só dialógico e é impossível alfabetizar sem aprendizagem ativa. 

O uso de metodologias ativas ainda é muito associado à disciplina de ciências. Isso é um mito?

Sim, é um mito. A metodologia ativa surge na Filosofia, com Sócrates perguntando às pessoas. E acredito que essa associação com as Ciências venha do fato de a aplicação de metodologias estar mais associada a cursos que trabalham por projetos, o que ocorre com mais frequência no ensino superior, em áreas relacionadas à saúde, à aprendizagem por problemas. A primeira vez que vi o uso de metodologias ativas no currículo foi em cursos de medicina no Canadá e na Holanda, na década de 1950. De lá pra cá houve um crescimento em todas as áreas. Na prática, muitos professores de Ensino Fundamental já usam isso faz tempo, mas não dão ou não davam esse nome. A aprendizagem pelo jogo, por compartilhamento, a socialização por rodas de conversas, isso já se faz há décadas e são metodologias ativas. A novidade está numa tomada de consciência social coletiva de que esse é um tema relevante e transformador na Educação em todos os níveis. 

Como as metodologias ativas podem impulsionar a alfabetização?

É impossível alfabetizar sem aprendizagem ativa, pois a alfabetização é um processo dialógico, muito rico, porque se faz de várias formas. Quem trabalha com crianças sabe que uma parte do processo de alfabetização se faz no contato com o mundo, com a experiência digital, com a associação de imagens e palavras. A escola, com as metodologias ativas, serve para organizar isso e ampliar o repertório dessa criança. E isso acontece a partir das várias formas de ler o mundo, de ver, ouvir, tocar, sentir, se dá a partir de jogos, leituras, músicas, tecnologias diversas. Tudo tem de estar  dentro de um contexto que faça sentido para a criança, pois assim a alfabetização se torna um processo prazeroso e cheio de significado. E cada aluno deve aprender dentro do seu ritmo, que é o que chamo de letramento ativo.

Uma parte do processo de alfabetização se faz no contato com o mundo, com a experiência digital, com a associação de imagens e palavras. A escola serve para organizar isso e ampliar o repertório dessa criança.”. Foto: Roberto Setton/Nova Escola

Por onde o professor que trabalha de modo tradicional, mas deseja mudar sua aula, pode começar?

O letramento é um processo para toda a vida, que vai sendo construído ao longo do tempo. A função da escola é ampliar esse domínio da linguagem, que é contínuo. O professor é o mediador, ele tem de oferecer opções para juntar três dimensões fundamentais nesse processo de aprendizagem: ele tem de focar não só no conteúdo, mas tem de trabalhar as competências de cada aluno. Tem de ser provocador, fazer a ligação do estudante com os sentidos, com a vida. Existem muitos materiais sobre o tema, disponíveis em portais, no YouTube, que estimulam o uso da metodologia. Ele tem de experimentar fazendo. Recomendo que pesquise, ouse. Não se aprende só em palestras. Sempre digo que o professor não precisa ir para a aula com o planejamento fechado. Como organismo vivo, a sala de aula está em constante movimento e o professor precisa estar preparado para isso.

Mais sobre esse tema