O folclore nosso de cada dia: por que falar do tema o ano inteiro
Todo mundo se lembra de celebrar a cultura popular em agosto, mas ela pode - e deve - estar no cotidiano da escola
Com manifestações tão abundantes e múltiplas formas possíveis de ser abordado na escola, o folclore brasileiro não cabe em uma só data – tradicionalmente celebrada em 22 de agosto.
É nesse dia que os professores procuram, comumente, apresentar aos alunos um pouco das nossas tradições. “Mas por que não trabalhar com folclore o ano todo, em várias datas e situações?”, indaga a educadora Mônica Pinheiro, professora em São Caetano do Sul (SP) e criadora do Brinquedo Cantado, uma proposta de resgate de brincadeiras de diversas regiões do Brasil.
E mais: por que não ampliar o repertório dos alunos, mostrando lendas e personagens que vão além dos mais conhecidos, como o Saci-Pererê, o Curupira, o Lobisomem e a Mula Sem Cabeça? “Não espero agosto para falar de folclore”, afirma Elinete de Castro Silva, pedagoga da rede pública municipal de São Paulo (SP).
O professor pode aproveitar outras festividades para trazer o assunto à tona, como carnaval, Semana Santa, festas juninas, Natal... Para cada uma delas há diversas manifestações folclóricas, bem regionalizadas. “É dessa forma que o tema acaba fazendo parte do cotidiano da escola, pois o folclore está em diversas situações da nossa vida”, pontua Elinete.
Para acrescentar novos personagens ao repertório das crianças, vale usar os mais conhecidos como ponte para os menos conhecidos. Em muitas regiões do país há histórias de situações protagonizadas por personagens tão traquinas quanto o Saci, por exemplo.
Um desses é o Tibungue, que também pode levar o nome de Bicho-Papão, segundo descrição da jornalista e pesquisadora de cultura popular Januária Cristina Alves, autora, entre outros livros, de Personagens do Folclore Brasileiro (FTD Educação) e Abecedário de Personagens do Folclore Brasileiro (Sesc-FTD). Tibungue, ao contrário do Saci, pouca gente conhece. Como ele, existem diversos outros personagens novos que podem ser apresentados às crianças.
Januária acredita que o estudo do folclore é fundamental para a preservação da nossa memória e nossa identidade enquanto povo brasileiro. Quanto mais se conhece a cultura popular, mais se reforça essa identidade. “Em cada região do país, há uma diversidade imensa de figuras e lendas. É importante ampliar o olhar da criança, pois isso explica muito da nossa cultura.” No Brasil, essas manifestações estão fortemente associadas às culturas indígena e africana, mas muitas se originaram na Europa e até na Ásia.
As histórias relacionadas ao folclore têm ainda um forte cunho intergeracional, como observa a jornalista, e isso é mais um motivo para estimular que as tradições não se percam. A grandiosidade e o alcance do tema permitem que ele seja trabalhado com as crianças, seus pais, avós, bisavós e outros membros da família.
Cotidiano fantástico
Uma forma de zelar pela preservação das tradições folclóricas, insistem os especialistas, é fazer com que sejam inseridas cotidianamente na vida das crianças, pois é assim, “naturalmente”, que elas se manifestam. E, se as crianças entenderem que muito do que fazem tem origem em tradições do passado, a compreensão do que é folclore se torna mais prazerosa. “Nossos gestos, como abraçar ou beijar alguém quando nos encontramos ou nos despedimos, são manifestações culturais que estão relacionadas à formação de nosso povo, nossa identidade”, lembra Denise Guilherme, responsável pela A Taba, empresa especializada em curadoria de livros infantis e juvenis. O mesmo pode ser dito das tradições religiosas e culinárias.
Na rotina das crianças, vale ressaltar, muitas das brincadeiras, seja no âmbito escolar ou doméstico, têm origem no folclore. Amarelinha, batata-quente, cabra-cega, cinco-marias, queimada e brincadeiras de roda, entre outras, são alguns exemplos. Falar sobre isso é introduzir a temática na vida dos pequenos. “O folclore é composto por tradições, valores e costumes que passam de uma geração para outra, quase sempre oralmente. Podem ser receitas, parlendas, brincadeiras, trava-línguas, danças, causos, lendas (rurais e urbanas), cordel, piadas, simpatias, adivinhas, crendices”, explica Tânia Rios, professora da rede pública do Recife (PE). “Muito do que conhecemos do folclores está intimamente ligado à nossa memória afetiva”, lembra Mônica. “É aquela receita que a avó fazia, e que ela aprendeu com sua avó, e assim por diante”.
Para falar de folclore, diz Januária, “basta puxar um fio”. Todo mundo conhece alguma coisa relacionada ao tema, segundo a pesquisadora. “Quando puxamos esse fio, as histórias aparecem, e com as histórias, surgem as canções, as danças, trava-línguas, jogos, os causos que passam de geração para geração.”
Ter um contato maior com o folclore também favorece à criança compreender melhor suas origens e o lugar onde habita. “Conhecer lendas e histórias locais traz uma sensação de pertencimento àquela cultura, àquele povo, e isso é muito importante para a formação da criança”, afirma Tânia.
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