Entrevista

Telma Weisz: “As crianças não regridem, não desaprendem”

Para uma das maiores especialistas em alfabetização do país, o temor dos professores não faz sentido. O importante é garantir que as crianças continuem pensando sobre como a língua funciona

A educadora Telma Weisz: será preciso pensar em outras formas de favorecer a interação - mas não é necessário reinventar a roda. Foto: Reprodução

Telma Weisz é um dos nomes mais importantes do mundo da alfabetização no Brasil. Doutora em Psicologia da Aprendizagem e do Desenvolvimento pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, ela começou, há mais de 60 anos, a trabalhar na área do ensino da leitura e da escrita. A partir de então, percorreu muitos caminhos nessa trilha. Já atuou como consultora do Ministério da Educação e foi supervisora pedagógica na elaboração e implementação do célebre Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (Profa), implementado pelo governo federal em 2001, entre outros feitos.

Telma escreveu livros clássicos, como O Diálogo Entre o Ensino e a Aprendizagem (Ed. Ática). Atualmente, a especialista é coordenadora e professora do curso de Especialização em Alfabetização no Instituto Superior de Educação Vera Cruz, professora-investigadora na Universidad Nacional de La Plata, na Argentina, e está à frente do Centro de Estudos e Formação Telma Weisz. 

Mas o que Telma tem a dizer sobre este momento, tão inédito, que pouco ou nada se parece com o ensino em épocas passadas? Na entrevista a seguir, a pesquisadora reflete sobre a importância de as práticas de reflexão da língua escrita continuarem sendo propostas às crianças durante a fase de aulas remotas, fala sobre como driblar a distância física e fazer com que as crianças trabalhem juntas e discorre sobre o que fazer na volta às aulas presenciais. 

NOVA ESCOLA: Durante o ensino remoto, quais devem ser os principais focos com turmas de alfabetização? 

TELMA WEISZ: Seja na sala de aula presencial, seja na remota, as crianças precisam ter espaços para pensar como a língua funciona. Mais do que se perguntar “como vou ensinar tendo os alunos em casa?”, o professor tem de se questionar sobre como vai garantir esses espaços, o que vai propor que os alunos façam para que possam pensar sobre a escrita. É claro que ninguém vai reinventar a roda. Muito do que se fazia na escola até as aulas serem suspensas, funciona nessa nova realidade. Devemos ler em voz alta para as crianças, pedir que ajudem em situações de escrita, como fazer listas de compras.

Como é possível trabalhar com os alunos em pares mas a distância, para provocar interações entre eles? 

Primeiramente é preciso compreender que nem só aos pares é que é possível trabalhar com alfabetização. É uma estratégia potente, mas não a única. Não podemos fazer tudo no piloto automático, querer reproduzir a sala de aula física no ambiente virtual. Precisamos pensar o que podemos propor, o que precisamos fazer, para os alunos refletirem sobre a língua escrita estando em casa. Podemos trabalhar envolvendo a turma em encontros virtuais pelo WhatsApp, por exemplo. 

Qual deve ser o papel da família? O que o professor precisa conversar com ela?

A família tem um importante papel durante o período de isolamento social porque é ela que permite o contato do professor com os alunos. Por isso, é preciso explicar para os pais os princípios do trabalho que vai ser realizado, contar o que está em jogo, como as crianças aprendem. Os responsáveis estão mais envolvidos agora em todo o processo. Então, é importante, por exemplo, que se explique para eles que não devem silabar na tentativa de ajudar as crianças escrever e que elas podem, sim, escrever do jeito que conseguem antes de escrever da forma convencional.

Quais aprendizados os professores podem levar desse período?

Acredito que todos estamos aprendendo que nada está dado, que tudo pode ser diferente e que precisamos pensar muito para ensinar. 

As pessoas têm muito medo que as crianças regridam no que aprenderam porque não estão indo à escola. O que pode comentar sobre isso? 

Essa ideia não faz sentido... As crianças não regridem, não desaprendem. Pelo contrário, continuam tendo vontade de aprender e seguem aprendendo durante o isolamento social, estão atentas a tudo. Por isso mesmo, não podemos deixar de dar a elas oportunidades para que reflitam sobre a língua escrita. Não temos mais o controle da sala de aula, mas podemos ler para elas estando a distância, por exemplo.

Quais dicas você dá para a retomada das aulas presenciais?

O fundamental ao voltar é continuar investindo nas práticas consagradas para ensinar a língua escrita. É preciso permitir que as crianças leiam mesmo que não saibam ler convencionalmente e que escrevam mesmo sem saber escrever de modo convencional. É importante trabalhar com reconto e atuar como o escriba do grupo. Os alunos continuam precisando de bons modelos. Então, precisam que o professor leia em voz alta para eles, escreva o que ditam, proponha situações de escrita coletiva etc. Nada vai mudar nesse sentido.

Na volta às aulas durante a pandemia, com os protocolos sanitários, as crianças não poderão ficar próximas, trabalhar juntas, uma ao lado da outra. Como criar um ambiente de interação no novo cenário?

Precisamos pensar sobre o que fazer para mudar as estratégias, sem fazer com que as reflexões deixem de ser substanciosas. Não é preciso que os alunos estejam em duplas, uns próximos aos outros para que pensem juntos sobre a escrita. O professor pode fazer a ponte entre as crianças, propor que todos da classe reflitam sobre a mesma coisa, escrevam individualmente e, depois, uma criança vai à lousa e escreve o que pensou para o grupo todo discutir sobre aquilo.

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