O que é o ensino híbrido - e o que ele não é
A volta parcial das aulas presenciais tem gerado confusão sobre esse modelo de ensino, que é diferente do ensino remoto que vigora nas escolas neste momento
Em uma escola “X”, parte da turma está tendo aulas remotas, através de listas de atividades, roteiros de estudos e aulas em vídeo, gravadas ou ao vivo. A outra parte da turma vai até a escola e tem aulas presencialmente. Essa escola adotou o método de ensino híbrido, correto? A resposta é... Não! Diante de um cenário inédito, que emergiu de repente, a volta parcial dos alunos para as aulas presenciais está provocando o uso equivocado do termo ensino híbrido.
E o problema é maior do que uma boa dúvida sobre nomenclatura. Especialistas ouvidos por NOVA ESCOLA explicam que a má compreensão da modalidade pode ter efeito inverso: em vez de esclarecer e ajudar, pode confundir e atrapalhar. Então, se o que estamos vivendo não é ensino híbrido, o que seria, afinal?
A verdade é que, com a pandemia, a Educação está atravessando um momento disruptivo (guarde esta palavra, vamos usá-la mais adiante). Ora as aulas param por completo, ora são feitas on-line, ora parcialmente presencial - e o futuro, sabemos, é incerto. As definições para os modelos de ensino possíveis neste momento estão sendo inventadas no momento mesmo em que o modelo nasce. E é assim que surgiram expressões como “ensino remoto emergencial” ou “ensino remoto” - termo que NOVA ESCOLA preferiu adotar desde o início da quarentena, em março. Estamos trocando a roda com o carro andando. Mas uma coisa é certa: ensino híbrido não é. Ou é?
“Se o professor estiver usando intencionalmente algum tipo de tecnologia digital para coletar dados da turma, a fim de qualificar os momentos presenciais do ensino, personalizando o aprendizado, de maneira a sanar defasagens, e prevendo a autonomia e protagonismo do aluno, e, principalmente, a integração entre on-line e off-line e entre os saberes de cada aluno”, sim, é ensino híbrido, responde o especialista Fernando Trevisani, consultor desta Caixa.
O falso híbrido é a nova aula expositiva
Integração é a palavra-chave no ensino híbrido. A modalidade pressupõe que as propostas desenvolvidas presencial e virtualmente sejam complementares. Ou seja, os planejamentos precisam dialogar entre si. Portanto, gravar uma aula na escola, com parte da turma assistindo na escola e parte assistindo em casa, não pode ser considerado ensino híbrido.
“Ao contrário, isso, que é o que muitas escolas estão pensando em fazer neste momento de retomada parcial do presencial, é radicalizar a aula expositiva. E ensino híbrido vai na direção contrária”, afirma Leandro Holanda, mestre em Ciências pela Universidade de São Paulo e professor de Metodologias Ativas na pós-graduação do Instituto Singularidades. “Ele [o ensino híbrido] propõe desafios aos alunos na medida em que diversifica os métodos. Isso faz com que os alunos trilhem o caminho que faz mais sentido para ele”, explica.
Para o especialista, o mais importante agora, quando as escolas estão pensando os próximos passos, é que o desenho do ensino preveja a integração entre on-line e off-line. “As escolas têm muitos dilemas hoje, como diminuir as defasagens. Talvez faça mais sentido, para algumas, continuar no on-line e qualificar os momentos presenciais, como no modelo virtual aprimorado. Mas a questão é integrar esses mundos, e não tirar do aluno a autonomia e o protagonismo que ele pode ter atingido neste momento”, sugere Leandro.
Disruptivo ou Sustentado
Para que o ensino híbrido se torne parte da cultura escolar, existem alguns modelos, ou estratégias. Na definição da especialista em inovação em Educação, Lilian Bacich, nos termos da recém-criada nomenclatura do ensino híbrido, os modelos de rotação por estações, laboratório rotacional e sala de aula invertida seguem o modelo de inovações híbridas sustentadas - ou seja, estes são os modelos que (aparentemente) vieram para ficar. Eles incorporam as principais características, tanto da sala de aula tradicional quanto do ensino on-line. Os modelos flex, a la carte, virtual aprimorado e de rotação individual, por outro lado, estão se desenvolvendo agora, de modo mais disruptivo em relação às inovações sustentadas (se você deseja entender melhor essas estratégias, leia um glossário feito por NOVA ESCOLA). No blog da Lilian também há muita informação sobre o tema. Mas, para quem entrar de cabeça nessa modalidade, o mais indicado é o livro Ensino Híbrido: Personalização e tecnologia na educação [Lilian Bacich, Adolfo Tanzi Neto e Fernando Trevisani (orgs.), Penso, 272 págs., R$ 49].
Disruptivo ou Sustentando, o ensino híbrido, tal como desenvolvido no Clayton Christensen Institute, instituição americana precursora no assunto, e difundido por Lilian Bacich, Fernando Trevisani e outros autores no Brasil, está aí para diversificar as maneiras de aprender, fazendo com que o aluno descubra a melhor forma de estudo para si. “Isso acontece quando conseguimos personalizar o ensino, entender o que faz mais sentido para um e para outro. E a coleta de dados existe para fazer essa personalização acontecer”, explica Fernando.
Coletar e analisar dados ainda não é a realidade da cultura escolar no Brasil. Leandro acredita que faltam formação e até mesmo recursos tecnológicos mais simples e baratos para esse trabalho: “Mas um dos maiores entraves é o preconceito. Analisar dados é encarado como olhar apenas para resultados, ou tratar os alunos como números, quando eles estão ali para fazer bons diagnósticos a ajudar o professor nos seus planos de aula”.
Portanto, não é adequado encarar como ensino híbrido a sobreposição de aulas on-line e off-line. E se a realidade escolar tem sido cada vez mais disruptiva com a pandemia, o incerto pode ser terreno fértil para o novo.
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