PARA REPENSAR A PRÁTICA

Uma festa em que cabe todo um país: De olho na BNCC, leve a diversidade do Carnaval para as aulas

Ainda que a aglomeração não seja possível durante a pandemia, pesquisas sobre os festejos e o compartilhamento das diferentes manifestações brasileiras podem desenvolver muitas aprendizagens

Ilustração de estante com instrumentos e objetos relacionados ao carnaval
Ilustração: Julia Coppa/NOVA ESCOLA

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) tem como sua terceira competência geral da Educação Básica o Repertório Cultural, cujo fundamento é a preparação do aluno para que ele possa reconhecer, compreender e participar das manifestações artísticas e culturais, tanto de comunidades locais quanto de outros povos do mundo.

Nos nove anos do Ensino Fundamental, para alunos de 6 a 14 anos, o Carnaval é ótima forma para se desenvolver a competência. Trata-se de uma festa tradicional com diversas representações e simbologias regionais.

O Brasil é mundialmente reconhecido pelo seu Carnaval e pelo samba, ritmo afro-brasileiro que se difundiu por todas as regiões, integrando-se às culturas locais. “O samba é genuinamente brasileiro e ancestral, ele parte da Bahia e vai ganhando registros regionais por onde passa, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco e Região Amazônica. Além disso, foi a partir dele e por causa dele que surgiram variações como a bossa nova, o pagode, o samba-enredo, o partido-alto e o neo-samba, que é a fusão com a poesia contemporânea e a cultura hip-hop”, diz o escritor e poeta Akins Kintê.

Toda essa variedade que se formou em torno do samba e de outros ritmos nas comemorações populares do Carnaval pode ser usada como material de aula para o Ensino Fundamental.

A BNCC parte do princípio de uma educação integral que contemple todas as dimensões do conhecimento humano e propõe que os currículos brasileiros devam trabalhar conhecimentos, habilidades e atitudes para que os alunos sejam capazes de aplicar os conhecimentos na vida”, ressalta a educadora Vládia Pires, supervisora pedagógica da rede municipal de Campina Grande (PB) e mentora do time de autores de NOVA ESCOLA.

A riqueza cultural do Carnaval é campo fértil para o desenvolvimento das aprendizagens dos alunos, diz a educadora. “Para ler e escrever bem, é preciso também saber ouvir, expressar suas ideias e emitir opiniões com bons argumentos, entre outros pontos. A competência Repertório Cultural visa valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e também participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural.”

O poeta Akins Kintê lembra que a linguagem do samba ajuda os alunos a se aproximarem da poesia. “É um forte incentivo para que os jovens se expressem de forma criativa.”

A pesquisadora e formadora docente Kátia Chiaradia, integrante do Time de Autores de NOVA ESCOLA, crê que uma das questões mais relevantes ao se trabalhar com foco na terceira competência geral da BNCC, com olhos para o Carnaval, é a percepção de que não se trata da festa de apenas uma cultura, mas de uma celebração de muitas culturas. “Assim como não podemos falar em 'a cultura brasileira', também não podemos falar em 'o Carnaval', porque há muitas manifestações ocorrendo simultaneamente pelo país, e em diálogo constante.”

Kátia reforça que abordar a pluralidade é tarefa da escola, mas não somente dela. “Ampliar repertório significa apresentar essa diversidade do nosso país às crianças e aos jovens, na escola, mas também fora dela, porque somos seres integrais que desempenham diferentes papéis sociais, em diferentes esferas. O que se aprende na escola não prescinde do que se aprende fora dela, por pesquisa ou por vivência.”

A educadora fala da sua experiência pessoal no interior do estado de São Paulo e como os alunos reagem positivamente às propostas de vivenciar o Carnaval em suas diversas possibilidades.

“Para mim, a chave central do acesso aos muitos carnavais, pela via escolar, está na mediação de conteúdo que o professor desempenha. Aqui nas escolas da Região Sudeste é relativamente comum, às vésperas da festa, a realização de uma pequena comemoração: as crianças que gostam vão à escola com fantasias ou adereços, e, às vezes, há músicas no recreio ou na saída”, disse.

Carnaval na pandemia

Em 2021, a pandemia de covid-19 impõe outros desafios, mas, segundo a pesquisadora, não impede que o processo de educação seja criativo.

“Neste ano, evidentemente, não teremos a aglomeração comum da festa, mas a comemoração da pluralidade e da diversidade de culturas ainda é assunto da Base e deve estar nas salas de aula. Aos professores que me pedem apoio sobre como trabalhar o tema tenho sugerido que proponham às crianças pesquisas em diferentes mídias e suportes sobre os festejos”, comentou.

Na prática, as iniciativas já estão acontecendo. “Uma professora de Sorocaba sugeriu que as crianças entrevistassem, por telefone, amigos da família ou parentes, sempre mais velhos, perguntando-lhes o que cada um sabe sobre Carnaval e que ele acha que mais ninguém sabe. Essa pergunta mobiliza lembranças e compartilhamentos de memórias. O projeto está em andamento, mas a ideia é, ao final das pesquisas, haver o compartilhamento das entrevistas. Fico imaginando a riqueza disso”, reflete Katia.

A proposta em andamento na cidade de Sorocaba, que fica a 100 quilômetros da capital paulista, lembra uma iniciativa que tinha dado certo no passado.

“Há alguns anos, acompanhei uma proposta que envolvia troca de cartas entre crianças brasileiras que moram aqui e crianças brasileiras que moram na Alemanha. Foi muito legal em termos de ampliação de repertório. As professoras tinham se conhecido em um grupo fechado de uma rede social e decidiram desenvolver esse projeto. Inspirada por ele, fiquei pensando que seria muito interessante se professores de diferentes lugares do país trocassem fotos, vídeos, textos sobre como se dá o Carnaval em sua cidade ou região. A própria NOVA ESCOLA tem uma página no Facebook que funciona como um espaço de troca. Se a gente organizar, cabe o país ali”, completou Kátia.

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