PARA REPENSAR A PRÁTICA

O que fazer (e o que não fazer) ao abordar os povos indígenas em suas aulas

Abandonar estereótipos e se informar sobre sua diversidade é compromisso de respeito que escolas e professores não indígenas podem (e devem) assumir

Ilustração de menina deitada no chão com tablet e celular ao lado. Fundo abstrato de padronagens étnicas e indígenas.
Ilustração: Ana Carolina Oda/NOVA ESCOLA

O “mito das três raças”, conceito que ganhou força entre historiadores a partir do século 19, e a noção de democracia racial apresentada por Gilberto Freyre em Casa-Grande e Senzala (1933) moldou, por muitos anos, a compreensão acerca da formação do Brasil, ao sugerir uma suposta integração racial e igualitária entre brancos, negros e indígenas. 

Essa interpretação vem sendo refutada por historiadores e antropólogos nas últimas décadas. Pesquisadores têm se esforçado para apontar como o protagonismo dos povos europeus sufocou qualquer participação de outros grupos. Tratar os povos de matrizes indígenas e africanas como “os outros” ditou muito a forma como até hoje se compreende sua presença na formação brasileira.

“Até o século 19, a ideia mais comum era a do indígena como 'bom selvagem'. Depois, até o século 20, quando virou força de trabalho, era tido como 'indolente e incapaz'. Já hoje, o que prevalece é a visão de indígena como vítima e de uniformização das culturas. É injusto com o histórico de lutas, de resistência e que invisibiliza a riqueza cultural de todas as etnias existentes no país”, analisa Helenice Ricardo, professora de Geografia e docente do curso de Licenciatura Indígena na Universidade Federal do Amazonas (UFAM). 

A falta de informação também reflete na forma como muitos não reconhecem a diversidade indígena brasileira. “As pessoas olham para a gente como grupo homogêneo, que come peixe e beiju e anda pelado, o que é um grande equívoco”, afirma a professora Luciene Jakomearegecebado, da etnia bororo, de Santo Antônio de Leverger (MT). “Historicamente, o que se difundiu foi a imagem folclórica do indígena”, afirma Rossini Pereira Maduro, da etnia borari, assessor pedagógico da Secretaria Municipal da Educação Escolar Indígena, em Manaus (AM).

Para que a escola possa ser um espaço de reflexão e de conhecimento verdadeiro sobre a diversidade dos povos originais do Brasil, reunimos indicações feitas por profissionais indígenas para guiar a atuação dos professores não indígenas em sala de aula. Além de romper com abordagens padronizadas, a lista a seguir também traz dicas de como abordar a pluralidade indígena. Confira:

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FUJA! O QUE NÃO FAZER AO ABORDAR OS POVOS INDÍGENAS


Ideia de homogeneidade

No Brasil, há mais de 300 etnias indígenas (e 150 línguas próprias). Cada uma delas com modos de ser, pensar e agir distintos. Pois isso, mencionar apenas o "indígena" como se formassem uma comunidade única, sem abordar toda a sua diversidade, reforça visão limitada. A riqueza dos povos indígenas, aliás, pode ser encarada justamente de forma oposta: como uma grande fonte de conhecimento, que sustenta muitas atividades escolares para ampliar o repertório dos alunos, especialmente os não indígenas. 

Representações estereotipadas e folclóricas

É importante refletir sobre a necessidade de a escola não indígena romper com atividades que reproduzam imagens estereotipadas, com indígenas representados apenas por homens e mulheres com cocares com penas e pintura no rosto, sem contextualização ou sem informação mais aprofundada desta representação. Vale a reflexão: no Brasil há desde etnias isoladas geograficamente até as que ocupam espaços urbanos nas cidades; espalhadas por biomas diferentes; com hábitos alimentares, cultos e divindades, lutas e rituais únicos e próprios. Sendo assim, como podem ser representadas da mesma forma?

Olhar estático para comunidades indígenas

Pinturas, obras de arte e livros retrataram populações indígenas do passado e cristalizaram muitas das imagens reproduzidas até hoje, pela escola inclusive. Mas os povos existentes hoje não são os mesmo de 500 anos atrás, e assim, é importante trazer a imagem real das populações indígenas, e para os tempos atuais, até para mostrar que as culturas não são estáticas, e que também se movem com o tempo.

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BUSQUE SABER: O QUE FAZER AO ABORDAR OS POVOS INDÍGENAS


Contato com professores indígenas

Pedir apoio a docentes de escolas indígenas é boa alternativa para que professores não indígenas tragam informações factíveis sobre as comunidades. Que tal buscar um professor que atue na mesma cidade que a sua? A proximidade entre comunidades só pode trazer mais conhecimento e trocas favoráveis para todos os envolvidos. 

Contato com comunidades indígenas da sua região

Promover o encontro (virtual, neste momento) com representantes de comunidades indígenas e alunos de escola não indígena pode ser uma atividade importante de reconhecimento do outro. Permitir que alunos façam perguntas e compreendam as especificidades culturais de quem, assim como eles, são brasileiros, é exercício de reflexão sobre a identidade do país.

Materiais de autoria indígena

Apesar da grande maioria das etnias indígenas do nosso território serem ágrafas (que não possuem representação escrita), muitos indígenas são autores de obras, estudos e produções variadas escritas ou reproduzidas em português. Por isso, vale a pena trazer para aula esses materiais que contam sobre a histórias dos próprios povos (confira uma reportagem que traz algumas sugestões de obras de escritores indígenas para crianças). 

Riqueza de valores e princípios ligados ao respeito ao meio ambiente

Apesar da variedade cultural imensa, os povos indígenas, cada um a seu modo, ensinam muito sobre os cuidados de preservação ao meio ambiente, sobre a valorização das figuras dos anciães e crianças, sobre a importância da coletividade e sobre rituais e religiosidade, entre tantos outros temas que poderiam ser abordados nas escolas não indígenas para informar e formar uma consciência mais empática no olhar ao outro.

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