Como a pandemia impactou a aprendizagem dos alunos do Fundamental 1
Conversamos com especialistas para refletir sobre as vantagens e desvantagens do ensino remoto e a importância da formação continuada em um contexto de ampliação do uso de recursos digitais
A pandemia trouxe enormes desafios para todos os envolvidos na Educação Básica. Os professores e gestores encontram-se em um ambiente de aprendizado fortemente focado no ensino remoto, já que interações presenciais são limitadas. Isso gera uma série de implicações pedagógicas, sociais e emocionais. Infelizmente, o coronavírus também está afetando o processo de aprendizagem dos alunos. Mas como?
Primeiro, a transição para um ensino altamente dependente dos meios digitais está causando problemas de adaptação. É verdade que muitas crianças e jovens são considerados nativos digitais, ou seja, plenamente acostumados a usar esse tipo de ferramenta em suas atividades sociais e no lazer. No entanto, eles não estão acostumados a usar recursos digitais para seu aprendizado. E essa diferença é fundamental.
"Há uma mudança de perspectiva em relação à Educação Básica", diz Luis Carlos de Menezes, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e integrante da cátedra de Educação Básica no Instituto de Estudos Avançados da mesma universidade. "A ideia de que o ensino é apenas passar informações para crianças e jovens está superada. Insistir nisso é perder a batalha até para os telefones celulares: no Google você encontra as respostas. Educação não pode mais ser a pretensão de transmitir informação."
Todas essas mudanças foram, sem dúvida, aceleradas pela pandemia. Antes, já havia a presença de diversas formas remotas de interação e colaboração, não apenas na Educação. Agora, esse processo é irreversível, acredita Menezes: "A chamada Educação Híbrida, ou esse convívio entre o presencial e o remoto, já está estabelecido, e não só na escola, mas também, no mundo do trabalho e nos empregos".
Ensino Remoto
Sim, o aprendizado on-line dispõe de diversas vantagens em alguns aspectos. Recursos visuais como vídeos e softwares podem facilitar certas atividades e processos. Mas há um limite, especialmente nos Anos Iniciais, quando "há uma construção da relação entre o professor e a turma", diz Fernando Barnabé, integrante do Time de Autores de NOVA ESCOLA e diretor da rede Trilhas do Saber e da Edu.co,
"Para o professor, é muito mais difícil construir isso remotamente. Mesmo quando há presença alternada de turmas. Você não consegue trabalhar com a turma toda. Essa criança não está toda semana comigo trabalhando e aprendendo de maneira direta. O aluno precisa entender que o professor se importa com ele, com a aprendizagem dele. Só com o processo remoto você não consegue fazer essa intervenção toda."
Menezes vê um problema na BNCC do Fundamental 1. "Ela é muito fragmentada em nove componentes. É preciso pensar o conjunto das temáticas que serão trabalhadas, como elementos de um multiletramento. Ele não se dá simplesmente na leitura de textos ou apostilas." No caso da Álgebra, por exemplo, uma das áreas de especialidade de Fernando Barnabé, o professor muitas vezes ainda não tem intimidade com o tema, pos ele passou a ser previsto para os Anos Iniciais há pouco tempo.
Formação continuada
A necessidade de mudança não é nova, diz Luiz Carlos de Menezes. "Em termos de formação inicial, há muito tempo se pede uma modificação profunda. Não dá para formar professor longe da escola. É como formar pediatra ou piloto longe da clínica, do hospital, do avião. Agora, é essencial uma formação continuada com foco na circunstância que estamos vivendo. Com vídeos, com interação e ferramentas para atividades a distância."
"É muito complicado para o professor atingir o aluno para que ele desenvolva as habilidades necessárias." Por isso, acredita, é preciso mudar o referencial. "Se [o professor] continuar trabalhando no modelo em que trabalhava antes, só transmitindo a aula, ele não consegue atingir o aluno", diz. O aluno, por sua vez, perde o interesse no assunto.
Obviamente, é necessário procurar formas diferentes de trabalhar. Para engajar os alunos, será preciso ir além da simples transmissão do conhecimento. O aluno precisa "enxergar um propósito no que está fazendo", afirma Fernando. "O grande ponto é reorganizar essa aprendizagem para o aluno que não tem domínio do recurso digital no sentido pedagógico, só no recreativo."
Conteúdos que necessitam de uma intervenção mais ativa do professor ficam bastante prejudicados, explica Fernando. Um exemplo é a alfabetização matemática. Nesse modelo em que os professores se veem obrigados a trabalhar, nem sempre é possível ter interações síncronas, ainda que por meio de plataformas como Google Meet ou Zoom. "Na maioria das vezes, você divide isso em partes síncronas e assíncronas", explica.
O que fazer, então? "O que acontece é que as pessoas vão sentir falta do convívio. O ser humano é um bicho social. É necessário ter atividades coletivas, coisas para se fazer juntos. A própria arquitetura escolar vai se modificar e a função docente se modifica também", reflete Menezes.
O pesquisador sugere "promover atividades coletivas, seja com pequenos projetos, seja visitar o entorno da escola e problematizar o que está se vendo". "Essa será a nova educação", prevê. "Por um lado, apropriar-se de recursos para o ensino híbrido, trabalhar o presencial e o remoto ao mesmo tempo. Por outro, construir práticas em que estar junto não seja simplesmente perfilar o aluno e discursar. Isso se faz melhor a distância."
Também é preciso levar em conta, afirma Menezes, o aspecto psicossocial desse processo de adaptação. "Esse quase um ano e meio em que crianças e jovens estão mais distantes do que próximas da escola tem indiscutível impacto psicológico. A retomada não pode significar correr atrás do aprendizado não desenvolvido para cumprir currículo, mas um reacolhimento expressivo e consciente. Ou seja, a criança ou o jovem têm de se sentir recebidos, com as questões que trazem."
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