Jogos e brincadeiras: o que funcionou durante a pandemia
Desenhos para expressar emoções, circuitos para mexer o corpo e experiências na cozinha da casa são algumas das opções lúdicas utilizadas por professores para estimular os alunos
Preocupada em dar continuidade para as atividades dos seus alunos de 3º ano, a professora Ana Cristina Astolfi pediu para seguir com a mesma turma em 2021. “Pelo menos nos conhecemos pessoalmente no início de 2020 e já tínhamos vínculo e uma rotina de encontros estabelecida desde agosto”, conta ela, agora responsável por um 4º ano na EMEF Cecília Meireles, em Taboão da Serra (SP). Qualquer proposta, nestes tempos de pandemia, depende das tecnologias e possibilidades de comunicação com os alunos e lá não é diferente: das 35 crianças, cerca de 20 entram em plataforma on-line com horário marcado previamente e avisado por WhatsApp. Com 10, o contato é esporádico pelo celular dos pais, com as crianças cumprindo as atividades de forma assíncrona e 5 perderam comunicação com a escola. “A parte emocional de todos está muito fragilizada pela situação. Por isso resolvi trabalhar os sentimentos e tentei interligar com componentes previstos no currículo”, conta a educadora, que no presencial está acostumada a construir jogos de tabuleiro com as turmas.
Ana Cristina pediu aos alunos para desenharem no caderno emojis, representando eles próprios e como estavam se sentindo, e recebeu as fotos das criações pelo WhatsApp. Ela então posicionou cada figura em uma roleta caseira, com setinhas e numeração, e pediu que cada criança tivesse em mãos um dado. O jogo consistia em multiplicar o número em que parava a roleta e com o que saía no dado. Colocando em prática o cálculo mental, a combinação desses recursos permite praticar as quatro operações básicas da matemática.
Em outro momento, com o objetivo de tirar as crianças da rotina sedentária, Ana Cristina motivou os alunos a fazerem um circuito com o corpo, tendo como ponto de chegada o próprio caderno, em que deveriam circular sempre outras partes (mão direita, mão esquerda, pé direito, bumbum e assim por diante). “Pelo menos eu garanti um pouco de movimento na rotina deles e fui reforçando vínculos”, conta ela, que tem formação em psicomotricidade, ciência que relaciona o corpo em movimento com dimensões cognitivas e afetivas.
Para animar as turmas, profissionais da educação de Bauru combinaram encontros temáticos com os estudantes – um dia era para vir com um penteado criativo, em outro com uma fantasia, tudo para estimular o contato e fazer com que as crianças dos primeiros anos se conhecessem.
“As escolas de Ensino Fundamental estão utilizando a plataforma Google, com vários recursos digitais para educação. Mas os professores se desdobraram para fazer jogos impressos, caça-palavras, cruzadinhas e planejaram o trabalho com temáticas interdisciplinares”, enumera Wagner Antonio Jr., mestre em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP), pesquisador de jogos e NTICs (Novas tecnologias de informação e comunicação) e diretor de formação da Secretaria Municipal da Educação de Bauru (SP). Entre os jogos virtuais, teve quem usasse o Woodturning 3D, que permite esculpir figuras de madeira (interessante para geometria) e o Brain Out, game disponível nas plataformas de celular, em que é preciso responder aos desafios e perguntas, e é possível escolher a temática.
Percalços no caminho das atividades remotas
Para que essas práticas funcionem na sala de aula remota, é preciso prever várias situações. “É válido ter um plano A, B e C, pois mesmo com turma de escola particular, trabalhando com internet de qualidade, houve caso em que propus que entrassem em um site específico para um jogo e quem estava sozinho, sem o auxílio dos pais, não conseguiu acessar”, relata Elisa Greenhalgh Vilalta, professora-autora e mentora do Time de Autores de NOVA ESCOLA, que dá aulas no ensino básico público e privado de Maceió (AL).
Na EMEF Nacilda de Campos, em Bauru, a professora Josilaine Malmonge propôs jogos como boliche, memória e danças para suas turmas do 1º ano. As explicações eram acessadas pelos pais em campos da plataforma de aprendizagem e também enviadas pelo WhatsApp. “Na brincadeira Flutua ou Afunda, proposta para que fosse feita uma coleta de dados para a montagem de gráficos, meus colegas de trabalho apontaram que faltou explicar com outros meios, então, o objetivo pedagógico não se cumpriu”, conta a docente, que várias vezes tirava dúvida das famílias por mensagem. Ela avalia que para estreitar laços e tornar mais leve a rotina escolar, as atividades foram produtivas.
Mão na massa e ideias dos educadores para fortalecer a comunicação com os pais não faltaram. Segundo a coordenadora pedagógica Wanessa Pini, também de Bauru, as professoras do 1º ano criaram um blog, onde disponibilizaram jogos para apoiar a alfabetização, links e material lúdico complementar regularmente. “Elas fizeram uma maleta viajante remota, com textos e livros e depois organizaram rodas de conversa com participação das famílias”, lembra ela, que considera o 1º ano um dos mais difíceis, pois é uma etapa em que faz muita falta o contato presencial.
Envolver a família nas atividades e na brincadeira dá bons resultados, mas nem sempre há pessoas com disponibilidade ou vontade de brincar ou jogar em casa. “Me surpreendi quando propus que fossem para a cozinha experimentar misturas e observar os estados físicos da água. Juntamente com as mães eles fizeram geladinho, gelatina, fervuras..., relembra a professora Ana Cristina. Foi uma forma lúdica de trabalhar as transformações reversíveis e irreversíveis. A verificação do aprendizado, nesse cotidiano todo diferente que estamos vivendo, nem sempre chega logo após a atividade. “Outro dia um aluno chegou animado a um dos encontros: ‘Professora, minha mãe hoje fez um purê de batatas, é uma transformação irreversível!’, comenta a educadora, que recebeu a prova espontânea de que essa receita pedagógica vale a pena repetir.
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