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PDF: 5 quilombos remanescentes no Brasil

Entenda a formação dessas comunidades, a origem do termo e dicas de como trabalhar o tema com os alunos de Fundamental 1

Ilustração de aluna mostrando uma fotografia em frente ao celular que a está gravando.
Ilustração: Ana Carolina Oda/NOVA ESCOLA

Resistência é uma palavra bastante usada atualmente. É sobre como nem sempre é fácil manter os laços afetivos, culturais, a luta por uma casa, por alimentação adequada, por poder ser quem cada um é em determinado espaço. E às vezes essa palavra tão usada parece distante dos alunos, como uma abstração. Contar a história dos quilombos é, essencialmente, contar histórias de resistências, trazendo-as para perto dos estudantes. 

E por onde começar? Primeira coisa é ter em mente que os quilombos são a memória viva do processo de escravização. “As comunidades quilombolas começaram a se formar a partir do primeiro negro que desembarcou da África no Brasil. Eles pisaram aqui e já começaram a fugir e a formar quilombos”, explica Solange Barbosa, historiadora, coordenadora do Centro Cultural Zumbi dos Palmares e criadora da Rota da Liberdade, trabalho que percorre comunidades negras tradicionais. 

A origem do termo Quilombo

Quilombo é uma palavra bantu, um dos idiomas dos povos do Congo, e significa o acampamento onde os jovens faziam o rito de passagem. Ali aprendiam artes marciais e outros saberes. Portanto, a palavra é anterior à própria escravidão. “No Brasil o negro foge da escravidão e forma os quilombos, que os europeus atacam e degradam, chamando-os de caverna de bandidos”, explica Solange. 

Esses espaços no período da escravidão são de resistência ao trabalho forçado e à violência. Em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, a Constituição Cidadã, eles são reconhecidos como comunidades negras tradicionais, e voltam a incorporar o mesmo papel dos quilombos africanos. 

Nesses locais, além dos exércitos que se formavam para resistir aos europeus, eram solidificadas uma cultura própria, como a cerâmica e a produção de farinha. 

Hoje, um dos principais conflitos é a posse da terra dos quilombos. Como os negros na escravidão eram analfabetos, nunca houve um reconhecimento formal das terras que pertencem às famílias dos que foram esravizados. A regularização da titulação da terra está prevista na Constituição de 1988, mas começou a ser liberada em maioria só nos anos 2000 e caminha a passos lentos.   

Hoje o movimento negro, principalmente o urbano, aborda a ideia de quilombo de diversas formas. Uma delas é a de que “todos somos um quilombo”. “A mensagem é de que nós nos juntamos e buscamos justiça e reconhecimento, e que isso é uma forma aquilombamento. São as estratégias de resistência independente do território”, afirma a historiadora. 

Como falar com os alunos sobre os quilombos? 

A primeira dica que Solange dá é falar exatamente como a Constituição de 1988 classificou: são comunidades negras tradicionais, ou seja, um local de saberes e fazeres, com agricultores e pescadores e que possuem o seu modo de vida próprio. 

A cultura e a arte seguem sendo uma das principais conexões das crianças para compreensão do mundo. Neste caso, os jogos, como a capoeira e o jongo, assim como a ciranda e os cantos, comidas típicas, a cerâmica, são boas formas de apresentar esses saberes e fazeres. Outra boa dica é mostrar como é feita a produção da farinha a partir dos engenhos, uma das principais tecnologias usadas por essas comunidades. 

Também é legal trabalhar com materiais que abordem a perspectiva e a voz da própria criança quilombola, gerando identificação entre os alunos. Jair Ferreira, professor de História do Time de Autores de NOVA ESCOLA, dá a dica do documentário Disque Quilombola (confira abaixo).

No filme, crianças do estado do Espírito Santo conversam de um jeito divertido sobre como é a vida em uma comunidade quilombola e em um morro na cidade de Vitória. Por meio de uma genuína brincadeira infantil, os dois grupos falam de suas raízes e revelam o quanto a infância tem mais semelhanças do que diferenças. 

Os quilombolas estão aí, na agricultura, nas escolas, trabalhando no turismo e até elegendo prefeitos. É importante que as crianças compreendam que a história da escravidão está viva, e lutando por reconhecimento. Preparamos um material que lista cinco quilombos remanescentes espalhados pelo Brasil, contamos sua história e mostramos como é sua realidade atual. Confira:

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Quilombo do Ambrósio - Ibiá (MG) 

Fundado no século 19, o Quilombo do Ambrósio foi o maior quilombo brasileiro. Compreendia desde a região centro-oeste de Minas, na divisa com o estado de Goiás, passando pelo sul de Minas Gerais e chegava até uma parte do estado de São Paulo. A área do quilombo hoje restrita ao município de Ibiá foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1993. 

Nessa imensa área havia vários núcleos quilombolas, todos comandados pelo líder quilombola Rei Ambrósio. Ambrósio foi traficado do Congo e vendido juntamente com sua esposa Cândida no Mercado do Valongo, no Rio de Janeiro, para missionários jesuítas, que concederam sua alforria. Foi para área do atual quilombo intencionalmente, por saber que no local havia uma boa quantidade de negros escravizados fugidos da fazenda, a fim de formar um grupo de resistência à escravidão. 

Embora as comunidades locais preservem a cultura do quilombo através das festas, cirandas, cantos e histórias, há pouca documentação sobre esse quilombo. Também por isso nenhuma das terras está titulada em nome da população remanescente. 

Os municípios dentro da área do Quilombo estão entre os menores Índices de Desenvolvimento Humano de Minas Gerais, e sofrem com a falta de equipamentos públicos, como escolas, unidades de saúde e transporte, entre outros. 


Quilombo Kalunga - Cavalcanti (GO) 

A tese mais difundida é a de que os kalungas sejam descendentes de escravizados fugidos e libertos que trabalhavam nas minas de ouro de Goiás, e que se refugiaram no Vão das Almas, em meio a serras de difícil acesso no nordeste goiano, região do cerrado brasileiro. A comunidade foi reconhecida em 2009 pela Fundação Palmares e recebeu a posse da terra em 2010. 

Vivem no local cerca de 600 famílias divididas em cinco lugarejos (ou “municípios” como são chamados pelos kalunga): Vão de Moleque, Ribeirão dos Bois, Vão das Almas, Contenda e Kalunga. Essas localidades abrangem um total de 202 mil hectares localizados em cinco municípios no extremo norte do estado de Goiás. Eles estão no local há pelo menos 300 anos, e são a maior comunidade remanescente de quilombos do país. 

Durante a romaria-festa, que reúne todos da comunidade, são vivenciados e transmitidos saberes, tradições, conhecimentos e referências norteadores do cotidiano do grupo. É um momento de devoção à santa católica e de folia, uma celebração típica do catolicismo popular brasileiro fundida com a celebração dos ancestrais Kalunga. Ela marca a comemoração do dom da vida propiciado pela terra de onde tiram seu sustento. 

O potencial turístico da Chapada dos Veadeiros, vizinha à comunidade, é uma das principais fontes de renda. O artesanato e a tecelagem também são fontes de renda, mas não dão conta de toda a comunidade; muitas famílias estão em situação de pobreza e extrema pobreza. O excedente da produção agrícola é vendido para as prefeituras e vai para a merenda escolar. 

Em 2020, os kalungas elegeram o primeiro prefeito quilombola do Brasil, no município de Cavalcanti. Uma das principais demandas é a construção de escolas para todos os ciclos nas comunidades e também unidades de saúde.  


Quilombo da Caçandoca - Ubatuba (SP) 

Localizado em Ubatuba, litoral norte paulista, o Quilombo da Caçandoca faz parte das sociedades que se desenvolveram à beira da Estrada Real. Ocupa 890 hectares de Mata Atlântica nativa. Criado no século 19 na área ocupada por cafeicultores escravistas, foi o primeiro a ser reconhecido dentro de uma área da Marinha. Após a Abolição, parte da população africana tomou posse do local, onde cultivavam principalmente banana e mandioca. Na década de 1970 a Fundação Palmares estimava que havia na comunidade 70 famílias, e em torno de 800 pessoas. 

A partir de meados da década de 1990, essas famílias passam a enfrentar conflitos com a posse da terra, a partir da disputa com uma empreiteira, interessada em construir casas de veraneio no local. Famílias foram expulsas e parte da área desmatada para a construção civil. Nesse período a população tradicional organizou-se, criou uma associação e passou a requerer a titulação da terra. Esse reconhecimento veio em 2006. 

Hoje a comunidade é mestiça, e as famílias vivem em casas de pau a pique. Por estar dentro de uma reserva ambiental, as famílias são impedidas de construir no local. O sustento dessas famílias vêm das atividades caiçaras da pesca e coleta de mariscos e do plantio de banana. Algumas mulheres trabalham nos serviços domésticos das casas e condomínios de luxo do entorno. E na alta temporada complementam a renda com artesanatos. 


Quilombo Ivaporunduva - Vale do Ribeira (SP) 

O Quilombo do Ivaporunduva é onde está a comunidade tradicional mais antiga do Vale do Ribeira – região que compreende o sul do estado de São Paulo e o leste do estado do Paraná – e também do Brasil. Foi formado ainda no século 16 e se tornou uma comunidade conhecida no século 17. São mais de 3 mil hectares de terra cobertos por Mata Atlântica. Até 2011, cerca de 400 pessoas viviam no local, sendo ao menos 80 crianças. A sobrevivência vem do cultivo da roça: milho, arroz, mandioca, feijão e verduras, e as principais fontes de renda são a venda de banana orgânica, o artesanato e o turismo. 

Há poucas casas tradicionais de pau a pique. A população vive, então, em casas de alvenaria comum e cultivam a terra em seu próprio terreno. O rio Ribeira do Iguape banha as margens da comunidade, que mantém ali também as tradições ribeirinhas, como a pesca. Na década de 1990 eles se organizaram politicamente e formaram uma associação. 

A comunidade organiza-se a partir de mutirões para construir casas, plantar e colher, cuidar das crianças e idosos, organizar a economia, em especial o turismo. Os saberes africanos são preservados a partir desses mutirões, da manipulação do barro – no pau a pique e também na cerâmica, na produção da farinha e cantos, entre outros. Como ocorre na maioria dos quilombos, ali preservam-se cultos e ritos de religiões diversas. O principal monumento do quilombo é a capela católica de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, construída no século 16 e tombada pelo patrimônio histórico.

Só há escolas dentro da comunidade para o Ensino Fundamental 1. Para o Fundamental 2 é preciso percorrer 6 quilômetros, e para o Ensino Médio é preciso ir até a cidade de Eldorado, situada a 25 quilômetros. Muitas desistem de terminar os estudos. A titulação da terra veio em 2008, após longo processo de luta e resistência dos moradores. 


Quilombo dos Palmares - Serra da Barriga (PE)

Palmares era o refúgio dos escravizados fugidos de engenhos das capitanias de Pernambuco e da Bahia, e depois, de lugares diversos. Embora tenha surgido no fim do século 16, o apogeu do Quilombo dos Palmares foi na segunda metade do século 17. O lugar abrigava aproximadamente 20 mil quilombolas. Eles viviam da caça, pesca e coleta de frutas e da agricultura. 

Eles produziam também artesanatos (cestas, tecidos, cerâmica, metalurgia) e os excedentes eram comercializados com as populações vizinhas. Isso gerava uma economia razoavelmente intensa na região do quilombo. 

O primeiro rei de Palmares foi Ganga Zumba, filho de uma princesa do Congo. Sua liderança foi fundamental para organizar e resistir aos ataques externos. Posteriormente, seria substituído por Zumbi.

Estava localizado na Serra da Barriga, no estado de Alagoas, região coberta de palmeiras (daí seu nome). A prosperidade de Palmares chamou atenção dos colonizadores. Com a expulsão dos holandeses do Nordeste do Brasil no século 17 os senhores de engenho buscaram um número crescente de escravizados para retomar a produção açucareira a partir do trabalho forçado. 

Foram necessárias, entretanto, dezoito campanhas para destruir o Quilombo dos Palmares. Após múltiplas ofensivas sangrentas, a Corte portuguesa contratou o bandeirante Domingos Jorge Velho, experiente na guerra de extermínio contra os indígenas.

Mesmo assim, as tropas tiveram grandes dificuldades em vencer as táticas de guerrilha dos quilombolas. O quilombo só teria seu fim após a morte de seu líder mais conhecido, Zumbi.

Nascido em Palmares em 1655, Zumbi dos Palmares foi o chefe guerreiro de maior destaque na história do quilombo. Resistiu bravamente aos ataques e organizou um exército com mais de 800 homens, ao lado de sua esposa, Dandara, que liderou o exército de mulheres da comunidade. O Dia da Consciência Negra é comemorado em 20 de novembro em homenagem a Zumbi dos Palmares e a todos os negros que combateram na escravidão.

A região do Quilombo dos Palmares cresceu após a derrota dos negros. Com o passar do tempo, transformou-se na Vila Nova Imperatriz, elevada à categoria de cidade em 20 de agosto de 1889. Em 1944 é denominada União dos Palmares em homenagem ao quilombo.


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