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Como falar com os alunos sobre monumentos que homenageiam escravocratas

Esses marcos de memória estão cada vez mais em xeque e podem ser trabalhados com os estudantes da etapa. Veja formas de abordar

Ilustração de alunas e professora visitando um prédio histórico.
Ilustração: Ana Carolina Oda/NOVA ESCOLA

No fim de 2020, a estátua em homenagem ao bandeirante Borba Gato, na zona sul da cidade de São Paulo, foi cercada por grades e passou a ser constantemente vigiada pela Guarda Civil. Isso porque o monumento ao bandeirante que fez fortuna na segunda metade do século 18 escravizando indígenas é constantemente alvo de grupos, organizações e ativistas que contestam a homenagem. A cultura de exaltar escravocratas a partir de monumentos e estátuas está, cada vez mais, em xeque. O movimento negro tem levantado essa bandeira, e a discussão está nas redes, nas ruas e até nas tintas vermelhas sobre as estátuas. 

As crianças, embora não tenham ainda elaborado completamente o que foi a escravidão, começam a ser apresentadas a esses marcos, seja passando por eles nas cidades, seja pelas imagens dos livros didáticos. E como falar com elas sobre esse assunto? 

Jair Ferreira, professor de História do Time de Autores de NOVA ESCOLA, explica que, no Fundamental 1, os alunos ainda têm uma forma de pensamento muito concreta, ou seja, vão querer saber se aquela imagem é boa ou má. Por isso, o importante é estimular, inicialmente, o questionamento a partir do que está ou não está aí. 

“Por exemplo: indígenas e bandeirantes foram contemporâneos, viveram na mesma época. Por que há estátuas de bandeirantes e quase não há estátuas de indígenas? O que cada um fez? O bandeirante paulista Domingos Jorge Velho massacrou o Quilombo dos Palmares, local de resistência da vida e da cultura dos africanos, e, mesmo assim, há inúmeras ruas que levam seu nome. Por quê?”, sugere o professor.

Como compreender a escravidão a partir dos marcos de memória

A partir dessa reflexão inicial, outra abordagem possível, segundo Jair, é comparar as datas 13 de maio, Dia da Abolição, com o 20 de novembro, Dia da Consciência Negra. 

Para ele, faz mais sentido abordar os marcos de memória depois de já ter abordado o período da escravidão a partir de fontes primárias, como recortes de jornais, fotos, relatos, que costumam interessar mais os pequenos. “É preciso que a gente construa, antes, uma ideia sobre a escravidão para depois abordar os monumentos e o que eles representam”, completa Jair. 

Mas essa construção também pode ser feita, como indica Ednan Santos, professor de História e doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal do ABC, a partir dos próprios marcos. “As crianças são muito ligadas nas imagens, vale perguntar o que elas estão vendo, contar as histórias por trás daquela imagem, contar o contexto em que elas foram feitas, questionar por que outras histórias não são contadas, mas sempre partindo das imagens”, afirma. 

É preciso considerar, ainda, que muitas vezes, os alunos já estão inseridos num contexto de resistência, mas nem sempre a escola está preparada para isso. Por isso, pondera Ednan, é importante não subestimar a capacidade deles de compreender esses processos. “O professor tem liberdade. Nesses assuntos mais sensíveis e em outros também ele não deve ser um reprodutor do material didático, mas um mediador crítico. Transpor a linguagem para a ideia dos alunos e atravessar com eles as reflexões.”

Além das imagens, aproveitar músicas que falem do período e dessas figuras, mais comuns no samba e rap, assim como os aspectos culturais, são uma boa forma de tornar o conteúdo leve, e ao mesmo tempo aproveitar um saber que nem sempre está contemplado no material didático. 

PONTO DE ATENÇÃO: Para todas as séries, os professores chamam atenção sobre a importância de trabalhar o tema ao longo de todo o ano. É comum que a Abolição, relembrada em 13 de maio, seja compreendida como um evento único, ocorrido naquele dia graças à princesa Isabel e a sanção da Lei Áurea. A abolição foi um processo, fruto de muita luta e resistência dos povos afro-brasileiros, e envolvendo setores diversos da sociedade da época, e que não previu a distribuição de terras para os negros alforriados. Também por isso, ela reverbera até os dias de hoje, na extrema desigualdade social e econômica entre brancos e negros.

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