Para repensar a prática

Aulas que batem um bolão

A Olimpíada do Japão deve começar em breve. Aproveite o contexto rico em possibilidades para planejar propostas ancoradas nas competências gerais da BNCC

Ilustração abstrata de atletas olímpicos dos esportes boxe e ginástica olímpica, com as palavras determinação e coragem escritas ao fundo.
Ilustração: Paola (Papoulas Douradas)/NOVA ESCOLA

Depois de terem sido adiados por um ano por causa da pandemia de covid-19, finalmente os Jogos Olímpicos e os Jogos Paralímpicos de Verão do Japão devem ocorrer entre os dias 23 de julho e 8 de agosto. Muitos componentes do megaevento relacionam-se diretamente com as competências gerais da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), por isso usar a temática para trabalhá-las em aula, juntamente com as habilidades específicas dos componentes curriculares, é mais do que válido. “Ao observar as particularidades olímpicas, é possível compreender o desenvolvimento dos saberes como algo que não é isolado, mas que une as questões técnica e teórica com fatores como as emoções, o comportamento, a cultura e a relação com o outro”, afirma Maiara Ariana Silva Paula, mestre em Educação pela Universidad del Salvador, de Buenos Aires, a capital argentina, e formadora da Secretaria de Educação de Guarulhos (SP).

Apesar de imediatamente fazermos uma ligação entre o megaevento e a disputa por medalhas, não é apenas disso que ele é formado. Amizade, respeito e excelência são valores olímpicos, assim como igualdade, inspiração, determinação e coragem fazem parte dos valores paralímpicos. “A celebração das diferentes culturas, a tecnologia empregada, a ideia do espírito olímpico, com valores como respeito e igualdade, por exemplo, são elementos que fazem parte do desenvolvimento integral do sujeito e encontram um paralelo nas competências gerais”, diz Tereza Perez, diretora-presidente da Comunidade Educativa Cedac. Para exemplificar a importância dessa integralidade, Tereza cita o próprio contexto pandêmico. “Um atleta não faz nada sozinho. Ele precisa ter responsabilidade, trabalhar colaborativamente com os colegas de time e ser solidário. Da mesma forma, não adianta um país rico vacinar toda sua população e não colaborar com o resto do mundo. Assim a pandemia não acaba. O esporte traz isso”, completa a formadora.

O uso de efemérides, como a Olimpíada, é algo que faz parte do planejamento pedagógico, porém, é preciso fugir da superficialidade, havendo intencionalidade e conexão entre a data e as propostas curriculares. “O tema precisa fazer sentido e gerar aprendizagem significativa. Não adianta trabalhar elementos que os estudantes já conhecem ou cair no ensino desconectado do que é esperado que eles aprendam”, coloca Maiara. O papel do professor é auxiliar as crianças a ampliarem seus saberes. “No caso da Educação Física, há modalidades em que a garotada nunca teria acesso se não fosse pela escola ou pelas Olimpíadas. Porém, é preciso tomar cuidado para não restringir os aprendizados a esse universo, já que há variadas práticas corporais não olímpicas que podem e devem fazer parte do planejamento docente”, ressalta Marcos Mourão, professor do Espaço Ekoa e selecionador do Prêmio Educador Nota 10. 

Contextos olímpicos e competências gerais

As competências gerais da BNCC perpassam todas as áreas do conhecimento e são saberes em constante construção, por isso devem ser trabalhadas em conjunto com as aprendizagens curriculares específicas. “Elas são os grandes norteadores para a estruturação curricular e para a nossa atuação em vida. São formadas por inúmeras habilidades que se cruzam e que auxiliam no desenvolvimento de aspectos sociais, emocionais e cognitivos", completa Tereza Perez, do Cedac. A primeira delas, Conhecimento, por exemplo, tem um campo vasto de possibilidades no contexto olímpico e paralímpico, que inclui o conceito de excelência, além da tecnologia, da biologia e da ciência envolvidas nas atuações de alta performance. O valor da igualdade relaciona-se com a nona competência, Empatia e Colaboração, que também está conectada a aspectos como a prática do fairplay nesse tipo de campeonato (ou jogo limpo, em tradução livre do inglês), em que se espera dos atletas uma conduta de acordo com padrões éticos, sociais e morais. 

A terceira competência, Repertório Cultural, abrange valores como inspiração e respeito, e pode ser trabalhada pelo viés da diversidade cultural, notada, inclusive, nos uniformes de determinados grupos, como os das mulheres que professam o islamismo, que fazem uso de véu para cobrir o cabelo. Já a Responsabilidade e Cidadania, décima competência, é possível ser ancorada em valores como igualdade e respeito, além de encontrar contexto nos fatores políticos e coletivos que envolvem a realização de um evento como esse. Esses são apenas alguns exemplos de interseções possíveis, que podem e devem ser explorados conjuntamente com habilidades de cada componente curricular (conheça aqui possibilidades de trabalhar aspectos olímpicos e paralímpicos em diversas áreas do conhecimento).

Habilidades específicas bem ancoradas

Nos anos iniciais do Ensino Fundamental, o esporte, com suas diferentes categorias, é uma das unidades temáticas da Educação Física, que, por sua vez, está inserida na área de Linguagens, juntamente com Arte, Língua Portuguesa e Língua Inglesa. Com isso, consolida-se o trabalho para além dos aspectos físicos, incluindo o desenvolvimento de saberes socioculturais relacionados aos movimentos corporais. Esse pensamento está em linha com o que diz David Le Breton, sociólogo e antropólogo da Universidade de Estrasburgo, na França. O pesquisador, que é referência em estudos sobre o corpo, o considera como fenômeno social, cultural e biológico. Dessa maneira, não basta apenas olhar para questões técnicas ou motoras das modalidades olímpicas, mas incluir no planejamento a história por trás dessas atividades, os contextos em que são praticadas e a cultura em que estão inseridas. 

Breton afirma que o status do corpo evidencia a desigualdade social e de gênero. E foi exatamente essa discussão de gênero que o professor de Educação Física Hamilton Gonçalves Barbosa, da EM Deputado Jorge Ferraz, em Contagem (MG), propôs aos seus alunos ao introduzir a temática do futebol nas aulas do 4º ano. Os movimentos corporais típicos do futebol, suas regras e táticas de jogo foram trabalhados levando em conta a cultura local, por meio das variantes do esporte levantadas pelas crianças em entrevistas com familiares, como o timinho (ou pelada), tira-tira ou paulistinha (em que há um único goleiro) e o gol a gol (em que um goleiro deve tentar fazer gol no adversário). As discussões sobre as desigualdades envolvidas no futebol começaram com os estudantes ouvindo as mulheres da comunidade escolar sobre os preconceitos sofridos por elas e com o compartilhamento do discurso da jogadora Marta Vieira da Silva, da Seleção Brasileira Feminina, em que ela falou sobre a discrepância em valores investidos nos times masculinos e femininos. Os meninos tiveram de transformar frases machistas em sentenças positivas.

Assim como os Jogos Olímpicos e os Paralímpicos reúnem uma série de conhecimentos, tecnologias, comportamentos e valores para que possam ser viabilizados, favorecendo a melhor performance de cada atleta e o espetáculo mundial, o desenvolvimento do sujeito, em toda sua potencialidade, depende de todos esses elementos. Com planejamento e intencionalidade, é possível auxiliar os estudantes a também serem campeões de aprendizagem.

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