Para planejar o retorno

1º e 2º ano: 5 pontos para superar a defasagem e planejar as aulas de Língua Portuguesa na volta às escolas

Mapear o que foi trabalhado e o que falta trabalhar, avaliar o aprendizado dos alunos e valorizar atividades em que eles se sintam competentes são estratégias importantes no retorno

Ilustração de professora segurando duas plaquinhas com a palavra Caju separada silabicamente para uma aluno que está a frente.
Ilustração: Juliana da Costa/NOVA ESCOLA

Os dois primeiros anos do Ensino Fundamental 1 são fundamentais para a alfabetização das crianças. Para planejar o próximo semestre, é preciso ter muito claro o que os estudantes conseguiram absorver dos meses de ensino remoto antes de fazer o planejamento para o segundo semestre, que promete ser de início das aulas presenciais, ainda que de forma parcial, em grande parte das redes de ensino do país.

Não há dúvidas de que as limitações impostas pelo ensino remoto dos últimos meses exigiram dos professores a priorização de conteúdos e de estratégias para lidar com as diferenças de acesso às aulas remotas e de condições de estudo. Por tudo isso, é preciso que o professor tenha claro que encontrará muitas diferenças de desenvolvimento entre os alunos no segundo semestre e precisará pensar estrategicamente em como lidar com isso em sala de aula.

Para apontar caminhos possíveis, NOVA ESCOLA convidou três educadores de Língua Portuguesa do Time de Autores para apresentar questões essenciais que o professor precisa considerar na hora de elaborar o planejamento das aulas de 1º e 2º ano, sem deixar ninguém para trás. São elas: Kátia Chiaradia, formadora de professores e desenvolvedora de materiais escolares de literatura; Mazé Nóbrega, professora de pós-graduação do Instituto Vera Cruz, na capital paulista; e a formadora de professores Renata Capovilla.

Mapear o que foi trabalhado e o que falta

Para ter elementos suficientes para um bom planejamento, o professor precisa entender o que o estudante conseguiu aprender e desenvolver ao longo do ensino remoto ou misto no semestre passado. Com base nisso ele poderá tomar decisões mais acertadas sobre o que trabalhar com as crianças a partir de agora.

“A meta dos professores é manter o aluno na escola. Uma coisa importante para garantir que ele continue seus estudos é fazer com que não se sinta despreparado e que possa ir para o próximo ano de forma adequada. Então, precisamos garantir o prioritário entre todos os direitos essenciais que ele possui e que eventualmente não teve assegurados por causa da pandemia. É preciso focar nas aprendizagens que o estudante vai precisar para seguir para o próximo ano”, explica Kátia.

Para auxiliar o professor nessa tarefa, Katia produziu um conjunto de planilhas que pode ser usado na hora de realizar esse mapeamento das habilidades desenvolvidas. No vídeo abaixo, Renata orienta como esse material pode ser usado na disciplina de Língua Portuguesa, tanto para analisar o semestre passado quanto para começar a planejar o próximo.

Avaliar o aprendizado dos alunos

Qualquer novo passo na Educação precisa de uma avaliação diagnóstica, ou seja, um levantamento ou mapeamento de saberes das crianças, explica Kátia. Segundo ela, é fundamental que o professor reserve uma semana (ou até duas, se achar necessário) para promover vivências e experiências em que as crianças possam mostrar o que sabem e o que também não sabem dentro das quatro práticas de linguagem. Após o mapeamento do que falta, o professor poderá pensar nas atividades que possam comprovar o desempenho da criança nas habilidades consideradas prioritárias.

Mazé ressalta que, passado o período de acolhimento, o professor precisa preparar atividades em que ele possa fazer uma sondagem de caráter diagnóstico do sistema de escrita alfabética das crianças de modo a ajustar o planejamento de acordo com as necessidades dos alunos.

Outro ponto importante, segundo Mazé, é identificar quais crianças tiveram mais condições de acesso às tecnologias necessárias para acompanhar o ensino remoto e quais não tiveram. Nas escolas que manterão parte das aulas no contexto remoto, deve-se adaptar as atividades às condições dessas crianças que não possuem  tantos recursos.

“O professor precisa ficar atento não apenas à ideia de rodízio do modelo misto, mas refletir como distribuir a tarefa remota de uma forma adequada, antecipando uma versão impressa para quem não tem acesso à tecnologia. Esse ponto é onde ele precisa dedicar maior atenção porque é preciso cuidar muito das crianças que ficaram todo esse tempo fora da escola”, explica. 

Um ensina o outro

Com o mapeamento e a avaliação, o próximo passo é colocar em prática o que foi planejado. Um bom método para o professor neste momento é colocar as crianças para se auxiliarem. Mazé lembra que a troca e a aprendizagem entre os pares foram muito prejudicadas pelo contexto de ensino remoto e precisam ser recuperadas.

Kátia corrobora. “Em turma de alfabetização, colocar uma criança que está com hipótese silábica com uma criança que está com uma hipótese pré-silábica para trabalharem juntas é muito funcional. A criança da hipótese silábica vai ensinar a criança com a hipótese pré-silábica, e por sua vez, a criança que sabe menos vai criar condições para que a outra solidifique o aprendizado.”

“Ao ajudar os colegas, a criança que está mais avançada também se sente desafiada, porque ensinar é algo que se aprende também”, complementa Mazé. Outro benefício dessa prática é o desenvolvimento de um sentimento de solidariedade e cooperação entre os estudantes, acrescenta Mazé.

Atividades em que as crianças se sintam competentes

Mazé lembra que as crianças estão, em geral, com muita vontade de voltar à escola, não tanto pelas aulas, mas pela interação, as brincadeiras no corredor e pátio e a troca entre as crianças. Apesar disso, o tempo do ensino remoto pode ter feito parte das crianças se sentirem inseguras sobre o que aprenderam ou não. Por isso, ela sugere que o professor convide os alunos a fazerem tarefas em que elas se sintam competentes.

Um exemplo que pode ser aplicado nos primeiros anos do Ensino Fundamental: 

Pegue uma pequena estrofe para a criança fazer uma espécie de paródia. Por exemplo: “Se eu fosse um peixinho e soubesse nadar, eu tirava fulano do fundo do mar...”

Se a criança faz algo do tipo: “Se eu fosse um cachorrinho e soubesse latir, eu...”, a possibilidade de ela se sair bem é alta porque ela está criando um texto a partir de uma estrutura já existente. 

“Pensar em atividades em que eles se saiam bem é uma forma do professor de dar maior confiança para eles irem encarando desafios de maior complexidade”, explica. “Com essa atividade, criam-se pequenas situações que apagam a possibilidade de comparabilidade e faz com que a criança se sinta capaz de verdade, porque ela conseguiu fazer outro poema parecido com aquela brincadeira popular.”

Comunicação com a família

A rotina de todo mundo muda com o retorno das aulas presenciais, seja pai, professor e familiares. Por isso, diz Mazé, a comunicação do professor com os pais precisa ser clara para que possa auxiliá-los a entenderem as alterações, já que haverá dias em que as aulas serão na escola e outros nos quais as atividades deverão ser feitas em casa. “O que o professor pode fazer é ajudar as famílias a terem clareza quando é o dia de a criança ir para a escola, como vai ser organizado. A criança não têm autonomia para fazer isso e o professor pode pedir o apoio da família.”

Ainda dentro da comunicação com os pais, cabe ao professor combater a ideia de irreversibilidade do desenvolvimento e aprendizagem da criança por terem passado quase um ano e meio fora na escola. “A aprendizagem não é linear. Se fosse, as pessoas não poderiam aprender coisas durante toda a vida”, ressalta Mazé.

Kátia lembra que há professores que podem ter esse mesmo pensamento. Para ela, uma afirmação desse tipo, feita na presença dos alunos, pode desestimular as crianças. “Eu acho um crime quando a gente diz para uma criança que ela perdeu um ano e meio. Para uma criança de 6 ou 7 anos, um ano, dois anos é uma quantidade grande de tempo e nós, adultos, não temos como mensurar o impacto disso na automotivação e mesmo na aprendizagem da criança.”

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