Estímulo ao desenho e muitas referências: como trabalhar Arte nos Anos Iniciais no retorno
No retorno, a interação com colegas e professores pode ajudar os alunos a superarem inseguranças em relação às suas produções artísticas. Confira pontos importantes para planejar suas aulas e uma sugestão de atividade
A volta, ainda que parcial, das atividades presenciais traz uma vantagem muito importante para as aulas de Arte: a participação ativa de outras pessoas no momento em que a criança está elaborando um desenho ou outro tipo de produção. Isso ocorre tanto na interação entre os colegas quanto por meio da intervenção feita pelo professor para estimular a criança no desenvolvimento de habilidades do componente curricular.
Marisa Szpigel, professora de Arte na Escola da Vila, em São Paulo, e integrante do Coletivo Oquecabeaqui?, conta que se preocupou bastante em fazer propostas que envolvem o acolhimento das crianças. “Procuro ter um olhar muito cuidadoso sobre como elas estão e o que precisam”, conta ela, que é especialista em desenho.
“O ensino remoto planifica as relações e as intervenções, não conseguimos fazer mediações muito específicas quando não estamos no contexto presencial. Por exemplo: quando a criança desenha, não conseguimos ver o processo dela desenhando... ela apenas mostra o resultado final. Agora, de volta ao presencial, ouvi muitas crianças dizendo que não sabiam desenhar ou que desenhavam mal. A confiança na própria produção está mais frágil”, observa.
Diante da experiência de Marisa com o retorno do ensino presencial, pedimos que ela indicasse alguns pontos que o professor de Arte deve priorizar na hora de planejar as atividades do segundo semestre.
Amplie as referências dos alunos
“Por mais que se façam propostas de desenhos durante o ensino remoto, esse processo de desenhar é muito diferente em casa e na escola. Na escola, a gente alimenta o desenho da criança com muitas referências e ele precisa desse repertório”, defende Marisa. “Precisamos cultivar não só o hábito de desenhar, mas também, trazer referências de desenhos diversos, como HQs, mangás, além de obras de Leonardo da Vinci e de outros artistas que trabalham com o desenho.”
Intervenções para superar a insegurança
Quando a criança se mostra insegura ante as propostas sugeridas em sala de aula, é importante que o professor auxilie, explica Marisa. “Uma intervenção possível diante dessa dificuldade é dizer para as crianças que desenhar é também se deparar com dificuldades. Isso não pode ser um motivo para não desenharmos. Pelo contrário. É um motivo para vermos o que pode melhorar e continuar desenhando para aperfeiçoar nossas produções. E estamos aqui para isso.”
Desenhar precisa ser algo prazeroso para os alunos, defende a professora. “É preciso entender que o desenho sempre vai se transformar e o nosso jeito de desenhar pode se transformar, trazendo um reforço positivo, um estímulo para que a criança continue a desenvolver essa habilidade”
Mostre exemplos de transformações artísticas
As crianças de Anos Iniciais normalmente sofrem pressão externa, se exigem muito em relação ao desenho, mais especificamente a partir do 2º ano. Marisa considera que não existe um jeito certo de desenhar. Para auxiliar na mudança dessa perspectiva é preciso muita conversa para resgatar na criança o prazer de colocar essa técnica em prática.
A professora de Arte explica que, quando isso ocorre, costuma mostrar o percurso feito por artistas como Pablo Picasso e Alfredo Volpi, que passaram muitos anos se dedicando a desenhos e pinturas mais realistas. “O Picasso fazia isso, ele dizia: 'Demorei 8 anos da minha vida para desenhar com os grandes mestres e a vida inteira para desenhar como as crianças'”.
Ela explica aos alunos e mostra através das imagens dos desenhos de Picasso que muitas das suas obras iniciais eram mais realistas e, com o passar do tempo, ele foi simplificando o desenho, ficando mais expressivo e menos realista.
Aproveite os espaços ao ar livre
Fazer muitas propostas ao ar livre e desenhar os elementos da natureza é uma boa opção para as aulas presenciais, sugere Marisa. “Assim como o desenho se transforma, as plantas se transformam.” Isso abre oportunidade para fazer reflexões sobre a passagem do tempo, as transformações em nós mesmos e na natureza.
Pensando nas primeiras semanas de adaptação e realizando uma observação mais cuidadosa sobre a produção artística da criança, Marisa conta que fez a mesma atividade para as turmas dos três primeiros anos do Ensino Fundamental. “A proposta era a mesma para todo mundo, a diferença estava nas minhas intervenções e no modo como as crianças faziam o desenho”, conta.
Veja abaixo a proposta que Marisa desenvolveu com seus alunos no retorno.
ATIVIDADE PARA 1º AO 3º ANO: DESENHANDO ABACATES
Confira uma proposta para estimular os alunos a observarem e registrarem em desenhos a passagem do tempo na natureza
Habilidades da BNCC:
EF15AR01 - Identificar e apreciar formas distintas das artes visuais tradicionais e contemporâneas, cultivando a percepção, o imaginário, a capacidade de simbolizar e o repertório imagético.
EF15AR04 - Experimentar diferentes formas de expressão artística (desenho, pintura, colagem, quadrinhos, dobradura, escultura, modelagem, instalação, vídeo, fotografia etc.), fazendo uso sustentável de materiais, instrumentos, recursos e técnicas convencionais e não convencionais.
Por que essas habilidades são importantes?
São importantes para que as crianças conheçam as potencialidades de cada um dos materiais e das linguagens artísticas de modo que elas façam escolhas mais intencionais, ter respeito pela diversidade e cumprir o percurso criador com suas particularidades garantidas. Também auxilia que a criança se mantenha vinculada aos trabalhos artísticos e às possibilidades expressivas de cada uma de linguagens.
O que se espera dos alunos com essas habilidades?
Realizar desenhos, pinturas, colagens, gravuras, fotografias com certa regularidade e ter contato com diversas referências do campo das artes visuais, por meio da apreciação de imagens de épocas e estilos variados, para valorizar e reconhecer possibilidades de expressão e representação. Experimentar materiais que propiciem investigações nas diferentes modalidades artísticas, para progressivamente adquirir familiaridade acerca das potencialidades de cada um, para fazer escolhas cada vez mais intencionais e de acordo com o que deseja produzir e as necessidades de seu processo criador.
Como trabalhar com os alunos em sala:
1. Preparação. Antes dessa aula, é preciso preparar o material que será utilizado: coloque caroços de abacates em vasos com água e deixe que eles comecem a brotar. Procure fazer isso em dois ou três intervalos de tempo para que, quando chegar a hora de fazer a atividade com as crianças, você tenha abacates em diferentes fases de desenvolvimento (da raiz, caules e folhas), evidenciando a passagem do tempo. Caso deseje, você pode fazer isso com outro fruto ou leguminosas, como o feijão.
2. Observando os detalhes do crescimento da planta. Leve os caroços de abacates em potes transparentes para escola de modo que os alunos possam observar todos os detalhes do crescimento dessa nova planta. Peça que eles observassem a diferença entre eles (no caso, Marisa levou um mais jovem, outro mais adulto e um já com um período de crescimento mais avançado). Você, professor, pode referenciar cada abacate como preferir: neném, jovem adulto e meia idade, por exemplo. Peça que eles contem o que veem de diferente entre os abacates.
3. Transformações da natureza e de nós mesmos. Aproveite esse momento para fazer uma reflexão sobre a passagem do tempo com elas e as mudanças que elas promovem na natureza e mesmo nos nossos corpos. Você ainda pode fazer um paralelo sobre as transformações dos desenhos das próprias crianças, pedindo que eles se recordem como eram seus desenhos quando eram menores e explicando como o processo de criação também sofre transformações com o passar do tempo.
4. Desenhando um dos abacates. Em seguida, coloque um abacate em cada canto da sala e convide os alunos a fazerem um desenho inspirado no que eles estão vendo. Para evitar aglomeração, coloque um número máximo de cinco alunos diante de cada abacate, respeitando o distanciamento necessário.
5. Desenhando outro abacate. Em seguida, peça para que cada grupo vá para outro canto da sala de aula para observar e desenhar o outro abacate. Você, professor, pode fazer uma rotação com todos os abacates e crianças se desejar. O importante é que eles possam observar ao menos dois de modo a compreender as diferenças entre um e outro.
6. Intervenha de forma sutil. Durante a produção artística das crianças, observe elas e percebam como elas vão fazendo seus desenhos. As intervenções devem ser sutis e estimular o prazer de desenhar. Algumas crianças elaborarão referências para identificar o abacate mais jovem do mais velho, outras pintarão de cores distintas da realidade. Deixe elas à vontade.
7. Compartilhando as produções. Ao final, peça que as crianças mostrem aos colegas seus desenhos e contem o que acharam da experiência. Proponha a eles que plantem alguma semente nas suas casas, como um feijão no algodão molhado. Peça que, de tempos em tempos, eles desenhem o broto, percebendo o desenvolvimento do feijão que eles plantaram.
Como trabalhar com os alunos em casa:
Em casa, os abacates podem ser mostrados a partir de fotografias dos frutos, de todos os ângulos, ou vídeos, caso as atividades sejam feitas a partir de aplicativos de mensagem do celular. A professora pode fazer uma gravação explicando a atividade bem como mostrando os abacates e a passagem do tempo evidenciada entre a diferença de cada fruto.
Nos casos de aulas síncronas, o educador pode posicionar a câmera de seu computador em frente aos abacates enquanto faz a explicação da atividade e do conteúdo.
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