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Que saudade dos alunos: como as professoras têm recebido e dado afeto às crianças no presencial

Os abraços deram lugar a cumprimentos a distância e palavras de acolhimento, mas o carinho continua em dia. Saiba como educadoras de diferentes regiões do país têm reconstruído a relação com as turmas e garantido a volta do “barulho da escola”

Ilustração abstrata de crianças interagindo com a palavra saudade.
Ilustração: Thiago Lopes (Estúdio Kiwi)/NOVA ESCOLA

Assim que ouviu seu nome pelo alto-falante da escola, avisando que os pais já estavam na porta para buscá-la, Ana, de 6 anos, levantou-se da carteira e encaminhou-se para a porta da sala de aula. Mas, de súbito, voltou, correu em direção à professora Lane e a abraçou. A cena, comum em qualquer escola, especialmente nas turmas de Anos Iniciais do Ensino Fundamental antes da pandemia, causou alvoroço na sala: o restante da turma agitou-se e lembrou que “não podia abraçar!” Diante do constrangimento da menina, a professora a acolheu: “Fiquei sem ação num primeiro momento, mas expliquei a ela que era preciso ter cuidado para se proteger contra a covid-19”, rememora a docente.

A cena relatada por Lane Patrícia Almeida da Silva, professora do 1º ano da Escola Municipal Professor Guita, localizada em Macapá (AP), aconteceu em agosto, quando a escola retomou a programação de aulas presenciais em sistema de rodízio, com as turmas divididas em dois grupos para frequentar a escola em dias alternados. 

Desde o retorno da rotina presencial nas instituições de ensino, professores e alunos têm se esforçado juntos para se adaptar, de novo, à escola e para reconstruir a relação. Os desafios são grandes nos Anos Iniciais. O contato com os docentes é muito próximo e a percepção dos conceitos concretos é mais perceptível do que os abstratos, que ainda estão em formação no aprendizado dos estudantes de 6 a 10 anos. É o que pontua a professora Lane ao relembrar a atitude da aluna que a abraçou. 

“Precisamos ter um olhar responsável, sim, mas também um olhar humano. Entendi naquele caso que era essa a necessidade da criança no momento”, reflete. Lane conta sobre a emoção daqueles primeiros dias: “A gente sofreu com muitos contextos na pandemia, mas eu queria muito voltar a dar aulas na escola. Quando fui para a sala, veio essa carga emocional muito forte. Cheguei até a lagrimar”, conta.

Um novo jeito de se relacionar

Em todo o país, o acolhimento feito às turmas nesta retomada de aulas tem sido muito diferente quando comparado aos anos escolares anteriores, com as restrições de interações entre professores e estudantes, de circulação controlada pelos espaços comuns da escola, pela falta de compartilhamento de materiais escolares e uso de máscara e higienização constante das mãos.

“Às vezes é difícil dizer ‘não me abrace’ aos alunos. Mas, para garantir a segurança sanitária de todos, a gente precisa expressar a afetividade de outras formas: com o tom de voz, com mais atenção à fala das crianças. E assim a gente tenta contornar”, conta Laís Michelle de Souza Araújo Bandeira, professora de classe multisseriada (2º e 3º ano), da Escola Municipal Professora Maria Lúcia de Macedo Leite, da cidade de Nísia Floresta (RN). Lá, a retomada aconteceu em setembro, com turmas comparecendo presencialmente em dias alternados.

Mesmo quem já voltou há mais tempo ainda sente as diferenças no cotidiano em sala de aula: “Sinto que a gente está se reeducando para a rotina escolar”, conta a professora Marianna Lourenço, professora de Inglês da Escola Municipal João Daudt de Oliveira, no Rio de Janeiro (RJ), que tem realizado volta gradual ao presencial desde julho deste ano. “Os alunos entendem que precisamos manter a distância. Eles compreendem muito o momento”, conta.

Diante disso, ela e as turmas agora se cumprimentam com high five no ar (mas sem o toque das mãos), ou abraçando o próprio corpo, como se estivessem abraçando a professora. “A escola só faz sentido com todos os atores presentes. Era estranho chegar aqui antes e ver o prédio vazio. Na semana da volta, apesar dos poucos alunos presentes, foi muito especial.”

Alunos em adaptação

Do lado de lá da lousa, os estudantes de Anos Iniciais têm alternado emoções nas primeiras semanas de retorno. Numa ponta, há as turmas dos alunos de 6 anos que trazem a bagagem da Educação Infantil, concluída no meio da pandemia, e o primeiro contato com a nova etapa do ensino. Na outra ponta, alunos de 10 anos que fecham o ciclo e se preparam para os Anos Finais. 

Quando voltou a lecionar presencialmente em agosto, na UEB Professor Ronald da Silva Carvalho, localizada em São Luís (MA), a professora Célia Rodrigues dos Santos sentiu os alunos muito carentes. “Muitas crianças recebem abraços apenas dos professores.” Apesar do medo da volta – ela contraiu covid em 2020 , a professora ficou feliz com a retomada. Ganhou presentes e cartinhas de afeto da sua turma do 3º ano. “Me toca muito esse tipo de contato com eles ainda mais agora.” A gestora geral da escola da professora Célia, Elieth Mendes Araújo, teve percepção parecida: “Os alunos voltaram muito receosos, calados ou muito quietos no início. Agora já estão mais participativos e integrados”, conta.

“Eles não chegaram à vontade, mas estavam com muitas saudades da escola”, conta Claudia Ambrozio Vargas de Souza, coordenadora pedagógica da Escola Municipal Coryntho da Fonseca, na capital fluminense, que retomou atividades em abril. “Eles voltaram muito ‘machucados’ pela pandemia e o isolamento. A equipe foi muito cuidadosa em acolher, deixar que se expressassem. Hoje a rotina parece mais normal: a escola voltou a ter barulho de escola”, conta.

As aulas presenciais também têm sido um estímulo a mais para as crianças que estão em sistema de rodízio. “Sinto que o Mattheus está mais interessado nas aulas. Um dia antes das atividades presenciais, ele pede minha ajuda para saber qual material deve levar à escola, ou se tem de entregar alguma atividade”, conta Manoel Everdosa Martins, cujo filho é aluno da professora Lane, no 1º ano da Escola Municipal Professor Guita, localizada na capital do Amapá.

Luciane Amaral Monteiro, mãe da aluna Adriane Vitória, também aluna da professora Lane, lembra-se da ansiedade da filha para o retorno: “Me perguntava quase todo dia quando é que iria voltar para a escola, conhecer os colegas de sala”. Agora, com a retomada, a filha já mostra mais tranquilidade com a nova rotina.

“Os alunos estão muito ansiosos com a volta do restante da turma para as aulas presenciais na escola”, conta a professora Luana Soares Cardoso Virgínio, responsável pela turma do 3º Ano da UEF Cleomenes Falcão, localizada em Bacabal (MA), onde as aulas presenciais foram retomadas, em três dias na semana, apenas com os alunos que não têm condições de acessar o ensino remoto; a outra parte da turma ainda acompanha tudo de forma on-line.

Entre oscilações esperadas para este contexto tão adverso, professores e alunos vão construindo, aos poucos, um novo modo de interagir com a escola e sua comunidade, enquanto aguardam a chegada mais próxima de uma rotina escolar mais regular.


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