Para repensar a prática

Do domínio do fogo ao cubo mágico: como trabalhar as invenções e a inventividade com os alunos

Desbravar relevantes criações humanas, das mais simples às sofisticadas, permite ao estudante da etapa compreender os passos do método científico e pôr a mão na massa

Ilustração de invenções (cubo mágico, caneta esferográfica, urinol, etc) dispostas sobre mesa em museu.
Ilustração: Tayna Marques/NOVA ESCOLA

Da roda ao zíper, do domínio do fogo ao vaso sanitário moderno, da agricultura à caneta esferográfica. A humanidade é movida pela inventividade, que gerou produtos, objetos e serviços fundamentais para garantir desde a saúde e o bem-estar de todos à resolução de problemas pontuais do cotidiano. 

As criações citadas no início deste texto se unem por um ponto: certamente foram geradas a partir da necessidade de se resolver algum problema do dia a dia. Essa é uma das potências de se trabalhar o tema com as turmas de Anos Iniciais: “As invenções ajudam as crianças a visualizarem a importância do trabalho da ciência, pelo viés da curiosidade”, avalia Luciana Hubner, formadora de professores e coordenadora do Prêmio Educador Nota 10.

Para a educadora, as invenções mostram que a ciência se faz com pesquisa e a partir de uma pergunta a ser respondida – o que nesta etapa de ensino é uma característica comportamental importante entre os estudantes: perguntar. “As crianças questionam o mundo por natureza. Elas têm e fazem grandes perguntas, mas os adultos têm dificuldade para essa escuta”, afirma. “Muitas escolas não valorizam a pergunta, apenas a resposta.”   

Outro ponto importante ao abordar o tema das invenções é deixar de lado alguns tratamentos cristalizados sobre o trabalho científico, que é a base de toda grande criação. 

Alguns deles: olhar para o inventor como um personagem ‘maluco’, excêntrico, com ênfase numa visão mais lúdica do que informativa sobre os métodos aplicados pelos criadores; tratar as invenções sempre como descobertas ao acaso, sem destacar que, mesmo quando elas surgem de forma inesperada, os resultados obtidos ainda são alvo de muitas pesquisas; reforçar que invenções são criadas apenas nos laboratórios, ou que são criadas por uma única pessoa no processo. Mesmo grandes inventores, como Leonardo da Vinci e Santos-Dumont, contaram certamente com o apoio de outros profissionais, da concepção até a materialização dos experimentos idealizados.

Das grandes invenções à mão na massa

Compreender o método científico é base importante para entender o processo por trás das invenções. A professora Ana Paula Soares de Farias leciona o componente curricular “Maker: Inovação e Criatividade” com as turmas de Anos Iniciais da Escola Lourenço Castanho, em São Paulo (SP). As invenções são exploradas desde o início da etapa, já com os estudantes do 1º ano. 

Além de apresentar as histórias das grandes criações, a docente estimula a inventividade com exercícios mão na massa, como o desenvolvimento de um mesmo objeto com formas diferentes. Por exemplo: a construção de uma casa com papelão, plástico ou outro material. “Eles começam a entender o que é ser um criador a partir dos exercícios de ideação, com etapas de pesquisa, de coleta de dados, depois com os protótipos, e também nas etapas de refação de experimentos – o que garante uma flexibilidade mental”, explica. 

Já no 5º ano, os projetos são estruturados para ampliar a visão dos estudantes para a criação de objetos que podem dar respostas a algum problema ou questão identificados no bairro em que vivem, para mostrar que criações podem gerar resultados para a vida real.

Para Débora Garofalo, professora e coordenadora do Centro de Inovação da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, as metodologias maker e STEAM – Science, Technology, Engineering, Art, and Mathematics (para saber mais, veja este box sobre o tema) são aliadas nas abordagens possíveis para o tema das invenções por aguçarem e instigarem os estudantes pela prática. “Trabalhar essas habilidades já nos Anos Iniciais são importantes para estimular a autonomia das crianças”, analisa. Débora é reconhecida pela autoria do projeto Robótica com Sucata, desenvolvido com estudantes da rede pública de ensino de São Paulo, e que estimula a experimentação de ideias e exploração de pesquisas, especialmente com materiais recicláveis para propor soluções locais à comunidade. “São atividades que ajudam os estudantes a se entenderem como fazedores, criadores também”, conta.

Raimundo Brito: “Pardal” desde criança

Raimundo Valdetário Brito se percebeu como criador de coisas desde muito cedo. A curiosidade e as ideias inusitadas renderam-lhe, na infância, o apelido de Pardal, em alusão ao famoso personagem de Walt Disney conhecido pelas invenções malucas. Nos anos 1970, aos 12 anos, o cearense nascido na cidade de Crato, criou uma de suas primeiras invenções: uma radiola, tipo de vitrola acionada manualmente. 

Já adulto, enquanto cursava a faculdade de Medicina, conheceu o cubo mágico, que o inspirou a criar uma evolução do brinquedo, patenteado por ele em 2007: o cubo art, brinquedo com estrutura articulada por molas e peças de acrílico, que exige até mais atenção para a montagem das faces com cores correspondentes. Aqui é possível ver como o cubo de Raimundo é montado. Apesar de ainda não ter conseguido comercializar a invenção, ele não parou de recriá-la, somando mais de 60 variações. “A invenção é a soma de oportunidade, percepção e sorte. Olhar ao redor é sempre importante para estimular novas ideias”, reflete o inventor, que também atua como cirurgião geral.

Variações do cubo art criadas por Raimundo Brito.
Variações do cubo art criadas por Raimundo Brito. Foto: Acervo Pessoal

A Inventolândia

O cubo articulado de Raimundo é um dos 300 objetos expostos na Inventolândia, primeiro museu de invenções da América Latina, localizado na capital paulista. Ali, pode-se conhecer produtos prototipados, patenteados ou em processo de registro e até já comercializados, do Brasil e do mundo. Um espaço que mostra que invenções são criadas a todo instante.

“Sempre estamos incluindo novas invenções no museu”, conta Daniela Mazzei, diretora da Inventolândia. O acervo amplo do espaço é, em parte, resultado da atuação da Associação Nacional de Inventores (ANI), entidade que assessora criadores brasileiros, do registro à comercialização de objetos – e que é mantenedora do museu. “Mais de 35 mil invenções patenteadas já passaram pela associação, e cerca de 40% delas viraram produtos para comercialização”, conta. 

Algumas das invenções expostas, com histórias contadas no site da ANI (acesse aqui), inspiram estudantes que visitam o espaço e conhecem desde o espaguete de piscina até os óculos para ajudar a se maquiar. Após meses fechado por causa da pandemia de covid-19, o museu reabriu as portas e prepara uma programação especial para a semana do dia 4 de novembro, data em que se comemora o Dia do Inventor. A entrada será gratuita neste período. 

Confira algumas das invenções expostas no museu no Instagram da Inventolândia.

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