Para repensar a prática

Como professores do 3º ao 5º ano estão apoiando alunos com dificuldades de alfabetização

Educadores têm identificado crescimento significativo de estudantes com barreiras de compreensão leitora e de escrita na retomada de aulas presenciais. Saiba como docentes destes anos, que nem sempre são especializados em alfabetizar, estão lidando com o problema

Ilustração de aluno com dificuldades no processo de escrita e alfabetização. Ao lado, a professora auxilia no processo.
Ilustração: Juliana da Costa/NOVA ESCOLA

Uma sondagem realizada no primeiro semestre deste ano com alunos das turmas de 4º e 5º ano deixou professores e gestores da EE Solange Apparecida Landeiro Aguiar - Sul 2, localizada em São Paulo (SP), bastante preocupados. Do total de 250 estudantes matriculados, 36 eram não alfabéticos. 

“Eles não faziam reconhecimento do sistema de escrita, que é habilidade prevista para o 1º ano”, destaca a professora coordenadora Andréa Maia de Araújo. “Antes da pandemia, os alunos nessa condição eram, no máximo, 5.”  Com a retomada das aulas presenciais desde agosto o grupo já foi reduzido para 28 alunos, com trabalho intenso e aplicação de práticas alfabetizadoras resgatadas do 1º e do 2º ano. 

A situação ocorrida na escola paulista não é caso isolado. Outros profissionais ouvidos por NOVA ESCOLA também identificaram defasagens importantes na compreensão leitora e de escrita entre estudantes dos últimos anos do Ensino Fundamental 1, revelando para a classe educadora mais uma das drásticas consequências trazidas pelo fechamento das escolas a partir de março de 2020, desde o início da pandemia de covid-19.

A partir da retomada das aulas em agosto, a professora de 4º ano Mariana Celestina Felix Bezerra, da Escola Estadual Milton Azevedo, localizada em Aquidabã (SE), identificou 11 alunos que não dominavam escrita e leitura, de uma turma de 23 alunos. “Foi muito impactante ver um déficit tão grande entre os alunos, que estão com nível visto no 2º ano. Situação trágica”, avalia.

“Muitos alunos ficaram desassistidos na pandemia apesar da grande dedicação dos professores. Ou por não terem tido acesso à internet ou por não conseguirem acompanhar as atividades impressas, muitos ficaram à margem da escola e somente agora, a partir da retomada de aulas presenciais, estão conseguindo ter contato com os materiais e com os professores”, analisa a pedagoga Claudia Cavalcanti, formadora de professores, especialista em alfabetização e consultora deste Box. 

Formação alfabetizadora

Com o acesso comprometido aos estudos em 2020 e durante parte de 2021, os estudantes dos Anos Iniciais chegaram até aqui com severos problemas de leitura e escrita, impondo a necessidade de incluir a questão alfabetizadora nos currículos de 3º, 4º e 5º ano. A situação expõe outra questão, que, na avaliação de Claudia, já merecia discussão entre os educadores: a falta de formação alfabetizadora entre todos os professores da etapa. “Atualmente, essa especialização é exigida apenas dos docentes do 1º e do 2º ano. Então, professores de outros anos não são alfabetizadores”, explica. “O atual momento está expondo de forma aguda essa questão dos alunos com defasagens no final do Fundamental 1, mas esse problema já existia antes da pandemia também.”

“Em outros anos, a gente teria dez alunos não alfabéticos no mês de novembro, juntando essas turmas. Eram casos pontuais”, afirma a coordenadora pedagógica Cleide da Silva Sousa, da EE Professora Josefina Maria Barbosa, de São Paulo (SP). Na retomada, em agosto, a escola identificou 45 alunos não alfabéticos, dentre os 330 estudantes do 3º ao 5º ano. Para apoiar os docentes dessas turmas, Cleide voltou para a sala de aula e rememorou os tempos de alfabetizadora. Ela gravava as atividades que aplicava nas turmas e repassava às docentes daqueles anos – que não tinham formação alfabetizadora –, além de trabalhar em conjunto para adequação do material didático. “De fato, a falta de formação específica é um entrave”, conta. O trabalho teve efeito e, após novas sondagens, hoje são 29 alunos com questões ainda a serem sanadas até o fim deste ano letivo.

Para Priscila Cristina Demasi Esteca, professora especialista em alfabetização e que atualmente leciona na Escola Viva, na capital paulista, as formações desiguais entre docentes dos Anos Iniciais é responsável por algumas marcas percebidas entre os profissionais, e que podem acentuar dificuldades neste momento: “Por trabalharem com alfabetização, os professores do 1º e do 2º ano têm mais flexibilidade para acolher e trabalhar novos formatos de aprendizagem. Já os docentes do 4º e do 5º ano costumam ter mais apego a formatos mais convencionais de aulas e de atividades”, avalia, ao citar modelos e estratégias possíveis para serem aplicados neste contexto crítico. Confira nos links a seguir algumas estratégias indicadas pelos especialistas ouvidos neste especial para estimular a compreensão leitora e a escrita dos alunos do 3º ao 5º ano. 

Defasagem de alfabetização: o que fazer?

Na busca emergencial por saídas para apoiar os estudantes com quadro crítico de compreensão leitora e de capacidade de escrita, vale tudo: acionar colegas alfabetizadores, procurar materiais disponíveis e buscar apoio nas coordenações pedagógicas. Ainda assim, a pressão é bem grande.

“Ao mesmo tempo que precisamos cumprir com o currículo previsto, precisamos apoiar a alfabetização e também atender à cobrança de desempenho dos estudantes em exames como o Saeb”, preocupa-se Jackson Nunes da Silva, professor de uma turma de 5º ano na Escola Municipal Professora Guita, localizada em Macapá (AP). Da sua sala de 29 alunos, 4 apresentaram dificuldades sérias na escrita e leitura, ainda mais agravadas pelas faltas após a retomada das aulas, que ainda estão em sistema de rodízio: os estudantes comparecem à escola semana sim, semana não. “Muito complicado pensar em mandar esses alunos para o 6º ano, sem as habilidades e competências básicas”, reflete.

Para Célia Prudêncio de Oliveira, formadora de professores, na atual situação de emergência o educador precisa tentar de tudo para conter o problema. “O aluno que chega ao 6º ano sem estar alfabetizado será deixado de lado no processo e já vai acreditar que não sabe ler nem escrever. É preciso atuar para retirar esses estudantes da rota do fracasso.”

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