Para repensar a prática II

Fora ou dentro da sala, alunos com dificuldades de leitura e escrita precisam de apoio personalizado

Vale ou não tirar o aluno não alfabético da turma para apoiá-lo em seu desenvolvimento? Apesar de tema gerar opiniões variadas, formatos de atendimento ao estudante devem se ajustar às necessidades individuais identificadas pelos educadores

Animação de um grupo de alunos. No centro, um deles está com dúvidas e dificuldades no processo de alfabetização.
Ilustração: Juliana da Costa/NOVA ESCOLA

O tema sempre foi controverso na escola: retirar ou não da sala o aluno com defasagens de ensino para realizar atividades focadas? No atual contexto de emergência, com contingente expressivo de estudantes não alfabéticos nas turmas do 3º ao 5º ano identificado no retorno às aulas presenciais (clique aqui para ler reportagem com panorama), a discussão ganha novos contornos, mas ainda divide especialistas.

Para Priscila Cristina Demasi Esteca, professora alfabetizadora e que atualmente leciona na Escola Viva, em São Paulo (SP), o olhar individualizado para cada aluno é fundamental neste momento. Por isso, ela defende a aplicação de atividades pensadas para atender às necessidades pessoais, mas dentro do grupo – as chamadas atividades diversificadas. Por meio dessa estratégia, após sondagem que detecta variações de aprendizagem em cada aluno, as crianças são agrupadas e a elas são designados desafios para que cada conjunto avance em alguma barreira. A ideia é, em grupo, os alunos se ajudarem, o que, de quebra, estimula a autonomia. 

Apesar de defender a proposta que prevê a atuação conjunta em sala de aula, Priscila não descarta a necessidade de trabalho com alunos fora da sala de aula. “O professor precisa avaliar a situação. A escolha por atividades fora do grupo precisa ter critérios e sempre oferecer ganhos ao aluno”, analisa. “Só acho que não se pode tirar esse aluno toda hora de aula, senão qual o motivo de a criança estar na escola?”, questiona.

Para Maria da Paz Castro (Gunga), educadora alfabetizadora e formadora de professores na área de Educação Inclusiva, é preciso cuidado: “Não vejo problema de a criança ter momentos individualizados na escola. Mas outra coisa é tirá-la da sala como uma classificação que segrega alunos de acordo com suas defasagens”, alerta a profissional, que é parceira do Centro de Educação Terapêutica Lugar de Vida. “Quando está em sala, o aluno tem contato com a cultura coletiva da escrita e da leitura. Quando ele não está, perde esse contato. E, na escola, todos são aprendizes”, analisa.

Defensora dos agrupamentos produtivos como estratégia pedagógica permanente na escola, a pedagoga especialista em alfabetização Isis Nogueira classifica a retirada de alunos de sala como uma segregação. Para ela, o trabalho tem de ser o de agregar os estudantes ao conteúdo previsto para a turma, mas dentro das suas possibilidades. “As crianças são agrupadas em níveis próximos para que possam se ajudar em tarefas específicas. Em grupo, a criança ora ajuda, ora é ajudada”, avalia. Para ela, os trabalhos individuais que envolvam apenas aluno e professor geram poucos avanços se comparados aos trabalhos em grupo, onde os estudantes têm mais chance de performar melhor pela troca, analisa.

Alfabetização com acolhimento

Na retomada de aulas presenciais, a professora de 5º ano Valéria Batista dos Santos, da Escola Estadual Milton Azevedo, localizada em Aquidabã (SE), percebeu que alunos com dificuldades eram impactados negativamente em sala de aula pelos outros estudantes que já conseguiam fazer escrita e leitura mais autônomas. Por isso, além do trabalho em sala de aula, também tem se dedicado a atividades extras com os alunos não alfabéticos, junto ao professor de correção de fluxo da escola – função presente na rede estadual sergipana. “Aproveitamos as aulas de Educação Física para trabalhar com esses alunos, de forma bem lúdica, com jogos”, conta. “Acho importante ter esse momento. Eles se sentem mais à vontade para expor as dificuldades diante de um grupo que tem questões semelhantes”, avalia.

Na EE Solange Apparecida Landeiro Aguiar - Sul 2, localizada na capital paulista, uma professora específica de reforço para atividades de compreensão leitora e escrita atua em conjunto com o professor de cada turma do 1º ao 5º ano. Algumas turmas também foram reorganizadas para trabalhar análise e reflexão do sistema de escrita em dias específicos na semana. “Os alunos com defasagens sentem-se acolhidos. E, à medida que vão superando as deficiências, voltam para a sala de aula. Tudo isso no turno, porque fora dele dificilmente os pais poderiam trazê-los”, conta a professora coordenadora Andréa Maia de Araújo.  

Fora do turno

Há também as instituições que estão tentando sanar as defasagens de alfabetização em duas frentes: com atividades específicas pensadas para os alunos com dificuldades, mas dentro da aula com a turma toda; e também a possibilidade de trabalho personalizado fora do turno. Chamado de grupo de apoio, os reforços fora do horário das aulas têm dado suporte a estudantes dos Anos Iniciais da Escola da Vila, em São Paulo (SP), que se mostraram não alfabéticos, sem fôlego escritor. “Além de recuperar atividades realizadas no ensino remoto, também costumamos antecipar alguns pontos das aulas regulares previstas para garantir a participação do aluno quando está em grupo”, explica a coordenadora pedagógica Miruna Kayano Genoino.

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