Adaptar clássicos para o público infantil ou não adaptar? Eis a questão
O editor Marcelo Del’Anhol conversa sobre os limites das adaptações literárias infantojuvenis
Em 2017, a edições Olho de Vidro, especializada em literatura infantojuvenil, lançou o conto Se os Tubarões Fossem Homens, do dramaturgo Bertolt Brecht. Quem esperava uma adaptação literária, contudo, enganou-se. O livro trabalha com o texto original, traduzido do alemão por Christine Röhrig, e acompanhado de ilustrações de caráter mais infantil do artista Nelson Cruz. A opção foi consciente. Afinal, “por que mudar o texto se a criança é capaz de lê-lo?”, indaga Marcelo Del’Anhol, editor da Olho de Vidro, que, na entrevista abaixo, fala sobre os limites das adaptações literárias.
Nova Escola Box: O que você entende por adaptação para literatura infantil?
Marcelo Del’Anhol: Adaptação é pegar um texto original, que pode ser adulto ou não, e alterar para o público infantil. Normalmente, reduz-se muito o tamanho do texto, muda-se o vocabulário. Só que literatura é mais do que o enredo, então acaba sempre sendo uma redução do original. Não vejo com bons olhos esse caminho. A literatura infantil já é riquíssima. Não é preciso simplificar outras obras, mesmo porque há livros clássicos em que o enredo não é a parte principal. Acho que cada coisa deve vir em seu tempo.
Nova Escola Box: Em Se os Tubarões Fossem Homens, editado pela Olho de Vidro, fez-se a opção por manter o texto original de Brecht, sem adaptações, mas com ilustrações de caráter mais infantil. Por quê?
MDA: Se a criança pode ler o texto original, acho que ele tem de ser mantido. A nossa opção foi esta: em tradução a mais fiel possível, transformar o conto num livro ilustrado que possa ser lido por todos os públicos. A ideia é bagunçar um pouco os rótulos do que deve ser lido por quem. Não é porque essa história está numa coletânea de livros adultos é que ela não possa ser lida por crianças.
Nova Escola Box: Existe texto proibido para criança?
MDA: Acho que não. Tem textos que, por conta da vivência, do desenvolvimento cognitivo, a criança acaba não tendo capacidade de fazer uma leitura eficiente. Mas acredito que todos os temas podem ser tratados com a criança: morte, sexualidade, separação, tristeza. Normalmente, ouve-se falar de educação “para a vida”, mas normalmente esses temas mais complicados ficam de fora, como se não fizessem parte da vida.
Nova Escola Box: E no caso de se escolher um livro adaptado, como escolher uma boa adaptação?
MDA: O ideal seria se o professor ou o pai tivessem acesso ao texto original para saber se realmente existe um respeito pelo enredo original. Se a adaptação respeita minimamente o estilo do autor ou se está vendendo gato por lebre, oferecendo para a criança só uma parte do livro. Assim, seria possível avaliar se é válido oferecer aquela obra adaptada para uma criança ou se seria melhor deixar a leitura para outro momento futuro.
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