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Gustavo Estanislau: “Precisamos de um adulto que assuma o papel de líder afetivo”

Referência em saúde mental no contexto escolar, psiquiatra fala sobre os impactos da pandemia nos jovens

Cuidado com a qualidade das informações ao falar com jovens sobre a crise é essencial, diz Estanislau. Ilustração: Nathalia Takeyama / Nova Escola 

É possível conversar em família sobre os efeitos da pandemia da covid-19 em nossas vidas, mas isso precisa ser feito com cuidado para não sobrecarregar ainda mais as crianças e os adolescentes da faixa etária do Ensino Fundamental 2. É o que aconselha o coordenador do Cuca Legal, projeto ligado ao departamento de Psiquiatria da Unifesp que visa à promoção da saúde mental no ambiente escolar, o psiquiatra Gustavo Estanislau. Na entrevista a seguir, o especialista em psiquiatria da infância e da adolescência fala sobre os desafios enfrentados pelas famílias e como atuar para proteger a saúde mental dos jovens no contexto atual. 

Nova Escola: Como podemos conversar com os alunos sobre a pandemia?
Gustavo Estanislau: Quando conversamos com a criança, com o adolescente, mais importante do que o conteúdo é o sentimento que trazemos. Para começar, o adulto deve se informar e se tranquilizar internamente a respeito das coisas. Outra coisa é tomar cuidado com a quantidade de detalhes e a qualidade da informação que embasa nossa conversa. Tomar cuidado para adequar a conversa aos alunos. Muitas vezes, parece que os estudantes do Fundamental 2 têm mais condição de lidar com as coisas do que de fato têm. Além disso, responder às perguntas se você tiver informações a respeito do assunto e não inventar coisas que possam se mostrar falsas. 

Quando você fala sobre o nível de detalhe, o que devemos evitar?
Estou falando de excesso de informação, no sentido de sobrecarregar a criança. Mas, também, coisas do ponto de vista qualitativo, como, por exemplo, falar sobre a morte com muitos detalhes ou entrar muito a fundo na questão política pode deixar a criança sobrecarregada. Situações mais dramáticas podem ser excessivas para a idade. 

Que desafios as famílias enfrentam neste momento de confinamento?
Há a questão da rotina dentro de casa, que é bem complicada, principalmente quando falamos do pessoal do 8º ou 9º ano, que começa a fazer aquela virada de dormir de dia e ficar acordado à noite. Para a família, é uma questão bem difícil. Já havia uma questão antes da quarentena, que é a atração pelos eletrônicos. Agora, os pais estão flexibilizando pela questão de as crianças não poderem sair de casa. Isso não vale para todo mundo, mas está acontecendo com bastante frequência. Também tem a questão de os pais estarem sobrecarregados em casa, mas também tenho visto famílias tirando proveito deste confinamento. Vi muitas lavando louça juntas, dividindo as tarefas da casa, jogando. 

E que papel as questões escolares têm neste momento?
São muito importantes. Algumas crianças estão lidando muito bem com as aulas on-line, mas vejo outras com muita dificuldade de lidar e prestar atenção em uma tela por muito tempo. Estas crianças estão ficando sobrecarregadas e os pais têm cobrado mais, por estarem dentro de casa. Também há o outro cenário, o das crianças que não estão tendo aulas on-line; é muito mais difícil para os pais lidarem com a rotina. 

Que estratégias os pais podem usar para lidar com tantas responsabilidades ao mesmo tempo: trabalhar, cuidar da casa, ajudar os filhos com tarefas escolares?
Do jeito que estávamos vivendo, com tudo tão corrido, não tínhamos a oportunidade que temos agora, que é sentar todo mundo, dividir tarefas, informar como as coisas estão indo. Agora, a gente pode desenvolver esse tipo de conduta estratégica dentro de casa. Teríamos de tomar algumas precauções: uma delas é o cuidado para passar as informações de uma forma segura e atraente para que as crianças se envolvam com as tarefas de casa. Alivia saber que todo mundo está contribuindo de alguma forma, mas, quando vamos delegar tarefas para o pessoal dessa idade, temos que ter cuidado com a nossa expectativa. Uma criança do Fundamental 2 talvez não consiga cozinhar, mas consegue arrumar a cama todos os dias e tirar o lixo, por exemplo. Precisamos de tranquilidade e de um adulto que assuma o papel de líder afetivo. 

Que outras maneiras existem de proteger a saúde mental das crianças e jovens?
Outra questão importante é o exercício físico. As crianças precisam de, pelo menos, uma hora de movimento no dia. Tenho visto pais usando jogos de dança no videogame. Precisamos ser muito criativos para colocá-los em movimento, porque me preocupa bastante a alimentação. Tenho visto bastante gente ganhando peso e não fazendo exercícios. 

Quais são as principais questões de saúde mental que podem surgir neste período de isolamento?
A grande questão é o estresse. Ele é desencadeador de várias coisas. Para quem já tem transtornos preexistentes, este período de muitas mudanças pode levar a um agravamento do quadro. O estresse pode surgir por não poder sair de casa, pelas questões financeiras que vêm surgindo e a proximidade entre as pessoas dentro de casa. A tendência é desenvolver algum tipo de estresse em algum momento. O estresse predispõe as pessoas para quadros de ansiedade mais agudos, quadros de pânico, sintomas depressivos, automutilação. Outra coisa preocupante é o distanciamento dessas pessoas das equipes de avaliação e tratamento. A gente vem fazendo atendimentos on-line, mas nem todos os profissionais, e algumas pessoas não têm mantido seus atendimentos. Crianças que têm um alto nível de energia tendem a ficar com uma postura mais energética e desafiadora, que pode gerar mais desgaste no ambiente.

E o que se pode fazer para prevenir o estresse?
Ter uma rotina, tomar cuidado com o barulho dentro de casa, que tende a contaminar as pessoas com um nível de energia desnecessário; manter o horário das refeições e de dormir mais organizados. Não só deixar a rotina quadrada, mas ter atividades como assistir a um filme toda sexta à noite, todo domingo jogar um jogo. A rotina também tem de servir para antever coisas gostosas. Os pais precisam perceber que as crianças vão demandar  mais e que é necessário tomar cuidado para que as relações tenham um nível de qualidade razoável. Além disso, a manutenção do exercício físico, não deixar informação acessível demais e controlar a qualidade desta. Quem está passando por tratamento deve, claro, mantê-lo. Manter contato com o psicólogo, nem que seja mais espaçado. Também tentar participar mais da vida da criança:cozinhar e ler histórias são fatores protetores da saúde mental. 



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