Para replanejar

5 respostas para replanejar Língua Portuguesa em 2020

Especialistas mapeiam estratégias para redesenhar o ano letivo em meio à crise da covid-19

Simplificar e considerar a desigualdade de acesso na pandemia são pontos de partida para o replanejamento. Ilustração: Nathalia Takeyama/NOVA ESCOLA

Há mais de dois meses longe das salas de aulas, educadores brasileiros enfrentam momento de incertezas, rompem paradigmas e se reinventam para tentar compreender a Educação em tempos de covid-19. Em meio a tantas dúvidas, como replanejar 2020?

Sobre o assunto, Nova Escola ouviu quatro especialistas em Língua Portuguesa - Maria José Nóbrega, Heloísa Jordão, Silvia Albert e Isabel Fernandes - para sinalizar caminhos possíveis tanto no contexto de uma possível volta às aulas quanto no de dar continuidade ao ensino remoto. Confira algumas respostas:

Por onde começar o replanejamento do ano letivo?

1º Considere a desigualdade de acesso e os aprendizados digitais
Em primeiro lugar, o replanejamento precisa abordar a experiência dos alunos durante a quarentena e considerar as desigualdades de acesso à tecnologia e à Internet. Para Silvia Albert, doutora em Língua Portuguesa pela PUC-SP e especialista do Time de Autores NOVA ESCOLA, é preciso levar em consideração as dificuldades enfrentadas pelos estudantes e também os aprendizados conquistados por eles com relação à questão digital. Maria José Nóbrega, professora de pós-graduação no Instituto Vera Cruz e assessora pedagógica dos Planos de Aula NOVA ESCOLA, ressalta como a pandemia escancarou a desigualdade social no Brasil. “Temos uma distribuição de tecnologia muito desigual, de modo que nem todo aluno tem acesso a dispositivos móveis e, quando tem, muitas vezes usa de forma compartilhada com os pais e irmãos”, aponta. Por isso, para ela, na volta às aulas, antes de dar qualquer passo rumo ao futuro, será necessário identificar o que cada um conseguiu aprender nesse período. O replanejamento, portanto, precisará considerar quais ferramentas ou plataformas são mais acessíveis para aquele grupo de alunos.

2º Seja realista e simplifique
Além do desafio de levar ensino remoto aos estudantes, outra aflição dos professores tem sido dar conta do conteúdo. O conselho da especialista em Língua Portuguesa Heloísa Jordão, doutora em Educação pela USP, é lembrar que a própria Base Nacional Comum Curricular (BNCC) não tem foco conteudista e focar em práticas que proporcionem aos alunos experiências com a linguagem. “Ao pensar no replanejamento, é interessante não focar no que falta ser contemplado, mas sim em quais propostas vão dar espaço para o aluno desenvolver um rol de habilidades que serão fundamentais para que ele desenvolva aquelas competências, que é o que norteia a BNCC, e não os conteúdos apenas”, destaca. As especialistas defendem que é hora de simplificar os processos, uma vez que as redes não terão condições de dar conta do planejamento que tinham para 2020. Afinal, é uma missão quase impossível transformar quatro horas presenciais em quatro horas de aulas virtuais. Por isso, não adianta querer trabalhar conteúdos complexos. Silvia recomenda a abordagem cognitiva-afetiva para trabalhar com os estudantes as competências presentes na BNCC. “Mesmo que seja no contato virtual com os alunos é importante o professor perguntar para o aluno, no começo de cada aula, se ele está bem”.

3º Tenha calma e aproveite para repensar as práticas escolares tradicionais
Para as especialistas, é consenso que a Educação passa por uma quebra de paradigmas sem precedentes na história do Brasil. E, mesmo em meio a imprevisibilidade, os professores estão conseguindo avançar em seus próprios aprendizados. “A troca entre nós está acontecendo e está sendo muito rica. É saber que do outro lado da tela tem alguém com os mesmos sentimentos que eu e a gente tem se fortalecido juntos e também com os alunos. Está sendo um momento de superação”, conta a professora Isabel Fernandes, doutoranda no programa de Filologia e Língua Portuguesa da USP e especialista do Time de Autores NOVA ESCOLA.

No geral, a dica é ter calma. “O professor é o pivô dessa tranquilidade, ele deve lembrar que é um formador e deixar a base cognitiva-afetiva ser a grande diretriz de tudo que vai ser feito daqui para frente”, recomenda Silvia Abert. O momento é de escuta, solidariedade e colaboração para Heloísa Jordão. “Vamos deixar os alunos se expressarem ao invés de se estressarem com conteudismo puro, eles têm muito a dizer e nossa disciplina é rica para darmos esse espaço”, observa.

Devo considerar as famílias no replanejamento?
Em especial para o 6º e 7º ano, o apoio da família será fundamental, principalmente para orientá-los sobre o uso da internet. Já no 8º e 9º ano, a participação da família na organização da vida escolar é importante, mas são alunos maiores que têm que gerenciar tempo e atividades e a família só acompanha, uma vez que a ideia é que eles comecem a se organizar nesses anos finais do Fundamental 2.

Como trabalhar as habilidades socioemocionais?
É essencial exercitar a afetividade e dar ferramentas para que o aluno se expresse, de modo a descobrir o que cada um precisa. Isabel propõe que os alunos se vistam para as aulas virtuais com roupas que representem seu estado de espírito naquele dia. “Essa é uma estratégia de sensibilidade para identificar como cada um está, como reage à aula ou não reage”, reforça. Para a expressão, um caminho é criar estratégias para desenvolver habilidades, de modo que o aluno consiga abordar temas delicados por meio da escrita ou de vídeos, por exemplo. “As práticas de linguagem são um lugar de excelência para o aluno se colocar. Na hora de replanejar, dá para pensar em toda essa bagagem socioemocional e unir com as habilidades previstas para ano”, indica Heloísa.

Como avaliar os alunos de forma remota?
Em primeiro lugar, reflita que o diagnóstico dos alunos é mais urgente do que a avaliação por notas nesse momento de exceção. Há casos assim na experiência internacional: a Itália decidiu aprovar todos os alunos em 2020 e a Argentina suspendeu as avaliações por notas nos primeiros quatro meses deste ano letivo. No Brasil, em contrapartida, não há nenhuma conversa nesse sentido, o que aumenta a preocupação das especialistas consultadas.

Diante do risco de evasão, em especial para os mais velhos, Maria José Nóbrega defende que o país estabeleça parâmetros para fazer um diagnóstico preciso para saber quem conseguiu aprender o quê e para organizar o trabalho da escola. “Não é uma volta das férias. Esse replanejamento poderá impactar 2021, 2022 e sabe-se lá quanto tempo vamos precisar para arranjar isso”, avalia.

Uma boa sugestão para trabalhar com foco nas competências da BNCC, segundo Heloísa Jordão, é o acompanhamento do processo (avaliação formativa). Uma estratégia é o uso de portfólio, que possibilita ao aluno fazer um trabalho autoral, ainda que não haja a possibilidade do digital. Caderno de bordo também é uma ideia válida, já que o professor pode acessar o material ao longo do desenvolvido, de acordo com ela.

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