Para replanejar

Como replanejar o ano de 2020 em Matemática

Confira alguns caminhos para iniciar o trabalho de reorganização do ano letivo no componente curricular nos anos finais do Fundamental

A BNCC é uma grande aliada para orientar o replanejamento e a volta às aulas. Ilustração: Nathalia Takeyama/Nova Escola

A pandemia de covid-19 está causando um grande impacto em todo o mundo. Para as escolas, a situação é especialmente complexa e exige o uso de ferramentas e estratégias com as quais nem todos estão acostumados. Será impossível seguir com o que já havia sido planejado para 2020, mas é preciso continuar. Além disso, este ano já seria desafiador por ser o  primeiro da implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Nesse novo contexto, como os professores de Matemático que atuam em turmas do 6º ao 9º ano podem reorganizar o planejamento? 

“É muito bom que neste momento tenhamos um documento como a BNCC, que orienta a todos sobre as habilidades que os alunos precisam desenvolver a cada ano. Com todos os desafios que já estávamos vivendo na implantação do documento, é com ele que vamos contar para orientar  todo o planejamento, tanto ao longo da pandemia quanto na volta às aulas, seja ela como for”, analisa a formadora de professores em Educação Matemática Luciana Tenuta.

Para ajudar você a superar esse desafio junto com seus colegas, ouvimos especialistas para responder às dúvidas básicas que costumam surgir nesse momento. Todos os conteúdos desta caixa, incluindo esta reportagem, foram produzidos com a consultoria de Luciana, que é mestre em Ensino de Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de Minas (PUC Minas), bacharel e licenciada em Matemática pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e especialista do Time de Autores NOVA ESCOLA. 

Por onde começar o replanejamento de 2020?

De acordo com Katia Smole, diretora do Mathema e ex-Secretária de Educação Básica do MEC, o replanejamento de 2020 "precisa começar pelo currículo, seja ele o referencial do estado ou o da escola". Ela alerta, no entanto, que essa decisão não deve ser apenas de responsabilidade do professor, mas compartilhada com a gestão e a comunidade escolar. 

É essencial tomar como referência a Base Nacional Curricular Comum (BNCC), diz a professora Pricilla Cerqueira, mestre e especialista em Educação Matemática e responsável pela área de Geometria nos Planos de Aula de NOVA ESCOLA. Os docentes devem avaliar, segundo ela, quais conteúdos são "inegociáveis" e ter em mente "quais são as habilidades que vão impactar na continuidade, que podem ser retomadas no ano seguinte ou que não impedem o avanço da aprendizagem do ano vigente". 

Para começar a montar a lista de prioridades do replanejamento, a professora Sandra Amorim, mestre em Ensino de Matemática pela PUC-SP e especialista responsável pela área de Álgebra nos Planos de Aula de NOVA ESCOLA, aconselha que se utilize o diagnóstico de aprendizado feito antes do começo da pandemia. "A partir dele", aconselha, é possível "observar o currículo e tentar, na própria habilidade, escolher o que é essencial, o que não se pode deixar de trabalhar com os alunos". 

Como avaliar a aprendizagem dos alunos remotamente? 

Determinado o curso de ação a ser seguido, é preciso também pensar em maneiras de continuamente avaliar o desempenho dos estudantes sem depender apenas de ferramentas tradicionais, como provas. Uma possibilidade interessante é estimular as crianças e os jovens a irem além do uso de símbolos matemáticos e usarem desenhos ou a escrita para representar as estratégias de resolução de problemas. Com isso, é possível analisar também esses registros para avaliar a aprendizagem. 

Em um momento em que os métodos tradicionais estão tendo que ficar de lado, Katia vê uma oportunidade de repensar os modelos de aprendizagem. "Vamos supor que a gente tenha acesso a um ambiente virtual de aprendizagem", diz. "Dá para pensar em ações que os alunos possam fazer em dupla, em pequenos grupos, ter uma pergunta mais aberta. É possível pedir aos alunos que mandem um exemplo de uma coisa que aprenderam na aula, que mandem uma dúvida."

Especialista responsável pela área de Grandezas e Medidas nos Planos de Aula de NOVA ESCOLA, Fernando Barnabé também enxerga uma oportunidade. "Uma das coisas que fizemos foi trazer a discussão para a casa do aluno", explica. "Por exemplo, em uma aula sobre planta baixa, o aluno pode fazer a planta baixa da sala, do quarto. Com isso, ele começa a se ver no trabalho e aquilo ganha sentido."

"Muito se fala de avaliação contínua, mas pouco se faz", avalia Pricilla. É necessário que os professores expandam a ideia do que é uma avaliação e considerem outras possibilidades. "Por que eu não posso avaliar um aluno dentro de uma roda de conversa?", questiona. "Ou fazer uma prova tradicional com consulta, dando aos alunos a possibilidade de discutir o conteúdo da prova?" O mais importante, segundo ela é estruturar a avaliação "para verificar as habilidades e competências desenvolvidas durante este período". "Existem outras formas de avaliar: texto escrito, sala invertida, outros objetos de avaliação, até a própria fala, mas temos sempre a preocupação de mensurar por nota."

Como manter o contato com os alunos e os outros educadores no trabalho remoto? 

Para conseguir estabelecer uma rotina minimamente estruturada, os professores terão de dispor de ferramentas de comunicação com os estudantes e com seus pares. É claro que há uma grande disparidade de acesso a tecnologias e recursos no Brasil, e isso precisa ser levado em conta pela comunidade escolar para que os docentes não sejam sobrecarregados. 

Fernando Barnabé lembra que o "processo de comunicação acontece muito de acordo com o que a Secretaria ou a escola determina". Mas, de qualquer maneira, existe a "possibilidade de usar as redes sociais, mas é preciso ter cautela". "É possível criar um grupo de discussão no Facebook, por exemplo. Também é possível usar o WhatsApp e criar um grupo onde só você posta. Sabendo usar as redes sociais com propriedade, são ferramentas que fazem a comunicação fluir bem."

As ferramentas de comunicação possibilitam não apenas trocar mensagens, mas criar, por exemplo, "um painel de resolução de exercícios; os estudantes tiram foto da maneira que resolveram e o professor compila e coloca num único slide e compartilha com a sala", explica Pricilla. 

Mas é preciso tomar cuidado, alerta Katia. A ferramenta escolhida "precisa ser [um recurso] claro, focado, porque não terei a presença [em sala de aula], e existem alguns limites nessa comunicação". "No presencial, o professor bate o olho e já sabe quem não entendeu", observa. Importante lembrar também que "a comunicação precisa ser acolhedora". "Estamos muito preocupados com a aprendizagem, mas existem muitas coisas acontecendo na vida das pessoas."

Como planejar a volta às aulas? 

Eventualmente, as aulas retornarão a algum tipo de normal. Os professores devem começar a se preparar para este momento desde já. Será necessário saber como evoluiu o aprendizado, e para isso, sugere Sandra Amorim, o diagnóstico feito no início do ano letivo pode ajudar. 

Para Katia, é preciso ter consciência de que a volta à escola não será como a das férias. "Quando vier o diagnóstico, alguns alunos não vão conseguir fazer tudo o que o professor propôs, isso é natural. De posse disso, é possível pensar em fazer trabalhos diferenciados de acordo com o nível de aprendizagem de cada um", aconselha. Durante todo o processo, a equidade é um assunto essencial. Para que isso seja garantido, diz Katia, a comunidade escolar precisa saber onde quer chegar.  A situação deve ser analisada "de um jeito sistêmico". Tudo começa com a  priorização e até que ponto se pretende chegar no final do ano. 

“É preciso entender que os alunos serão diferentes daqueles que deixamos antes de nos recolhermos na quarentena. É imprescindível pensarmos em formas de avaliar as aprendizagens desses alunos na volta e, a partir daí, tomar decisões em relação ao que vai ser feito em seguida visando a equidade”, afirma Luciana Tenuta. 

"Por muito tempo, a escola não pensou nas prioridades", explica Barnabé. "Boa parte das críticas feitas à BNCC dizia que ela pedia muito menos do que estávamos acostumados a fazer em sala de aula", avalia. Mas, num momento como o que vivemos, ela fornece justamente uma base de onde se pode partir para priorizar os conteúdos, acredita.

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