Como essa educadora enfrentou a indisciplina e a violência
Com foco e trabalho em equipe, Juliana Rohsner ressignificou o espaço escolar na EEEFM Jones José do Nascimento, em Serra (ES)
O número impressiona: 16 ocorrências policiais por semana dentro da escola EEEFM Jones José do Nascimento, localizada no bairro Central Carapina, em Serra, no Espírito Santo. Esta era a média de ações contabilizadas pela Patrulha Escolar (programa da Polícia Militar nas escolas estaduais), quando Juliana Rohsner assumiu a direção em abril de 2016.
A entrada dela aconteceu em um momento especialmente turbulento: o diretor à época recebeu ameaças e a escola foi alvo de invasões. O Ministério Público Estadual pediu o fechamento imediato do prédio e, diante do impasse de não ter para onde transferir os cerca de 800 estudantes matriculados, iniciou um período de intervenção.
Reconhecida pelo trabalho na direção de outra escola na mesma cidade, Juliana foi convidada para assumir o desafio de restabelecer o ambiente escolar em um espaço que há muito havia deixado de ser um lugar de aprendizagem. Localizada em região com alto índice de vulnerabilidade social, a escola, além dos problemas com a violência (agressões, tiroteios, venda de drogas), também acumulava complicações estruturais, como falta de abastecimento de água e depredações. “Tudo isso gerava um estresse generalizado e a escola tinha se tornado um espaço muito vandalizado”, conta Juliana.
Um novo Jones
Nesse cenário tenso, a diretora atuou em várias frentes. Em primeiro lugar, reuniu todos os professores para, juntos, listarem os problemas e classificá-los em três categorias.
Depois foi a vez de atuar juntamente com a comunidade escolar. De um lado, sentiu a ausência dos pais na rotina da escola: na primeira reunião em que convocou todos os familiares, apenas 12 compareceram. Já com os alunos, os casos de indisciplina e agressões eram os mais graves. “A violência era tanta, que nem mesmo eles achavam que os empurrões e tapas eram atos violentos. Achavam que era normal se relacionar assim”, conta. Para entender essa desconexão com a escola e o ambiente de agressões do bairro, Juliana passou a conviver nos espaços que os pais e os alunos iam: passou a frequentar padarias, açougues, mecânica, armazém de materiais de construção.
Também fez muitas reuniões dentro do Projeto Legal, da Rede de Atendimento Integrado à Criança e ao Adolescente (Aica), que fica em prédio vizinho ao da escola. Ali, convivendo com as famílias que já frequentavam o espaço, passou a ganhar confiança da comunidade. “Hoje sou reconhecida no bairro e minha voz é ouvida. Fui ganhando respeito”, conta. “A comunicação por lá sempre foi muito violenta, na base do grito e da ameaça. Hoje, esse tipo de enfrentamento diminuiu muito.”
Com os alunos, o trabalho focou muito em ouvi-los. Primeiro, construíram, juntos, um regimento novo para a escola, o que colaborou diretamente para estabelecer um ambiente com mais disciplina. Por exemplo, partiu deles a iniciativa de sugerir que o portão seja fechado exatamente na hora do começo das aulas. Quem chega atrasado só poderá entrar na segunda aula. Também foram realizadas diversas atividades culturais, como idas ao cinema, ao shopping, ao teatro e outros passeios pela cidade. “Apesar de morarem a 20 minutos da capital, Vitória, muitos nunca tinham tido essas experiências. Não se sentiam incluídos nesses espaços”, explica Juliana.
Neste novo capítulo na história da escola, ela passou a ser chamada de “Novo Jones”, tanto nas conversas quanto nas cartinhas para os pais e nas mensagens dos murais. Em três anos de atuação, o reconhecimento veio em forma de premiações: entre as cinco estaduais e duas federais, ela foi também contemplada no Prêmio Educador Nota 10 de 2019.
De lá para cá, a escola também acumula resultados positivos no rendimento escolar medido por meio de avaliações externas – em 2016, 67,7% dos alunos registraram resultados abaixo do básico no Programa de Avaliação da Educação Básica do Espírito Santo (Paebes); em 2018, esse número caiu para 13,8%.
Apesar de terem diminuído sensivelmente, os problemas com indisciplina e violência aparecem ora ou outra e exigem manutenção frequente, conta Juliana: “Criamos um oásis, um espaço em que pais e alunos reconhecem seus direitos. Mas as ações precisam ser constantes porque o entorno abala muito o ambiente escolar”, explica. Confira, abaixo, uma videorreportagem sobre o trabalho de Juliana na escola:
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