Para se inspirar

"Indisciplina é um problema, mas não um fato negativo"

Diretor recomenda investigar o que há por trás da indisciplina para minimizar atos de agressão ou violência

"Um ato violento pode ser a explosão de alguma situação pessoal do aluno, e a escola precisa estar atenta para acolher", afirma  Claudio Marques, da EMEF Infante Dom Henrique. Foto: Paula Calçade / Nova Escola

O diretor Cláudio Marques da Silva Neto analisa a indisciplina sob dois aspectos: cotidianamente em casos reais a que tem contato como diretor da EMEF Infante Dom Henrique, em São Paulo, e, também teoricamente, na academia, já que o tema foi objeto de mestrado e doutorado. Nesta conversa com NOVA ESCOLA, Cláudio alerta sobre como a formação docente não trabalha a relação professor-aluno e destaca a importância de ouvir os envolvidos na cena do ato violento para compreender as reais causas motivadoras da indisciplina. 

O que falta para a escola conseguir contornar a questão da indisciplina?
Em primeiro lugar, falta entender conceitualmente o que é disciplina. Na faculdade, o professor tem boa formação de conteúdo, muito focada no processo de aprendizagem. No entanto, não se trabalha a relação professor e aluno.  A formação é muito idealizada e, na escola, a realidade é muito diferente e complexa e os professores podem se sentir frustrados quando se deparam com atos e indisciplina. Por isso, tão importante quanto ensinar é se relacionar com o aluno. Várias pesquisas mostram que a indisciplina é o grande nó da educação brasileira e não recebe a devida atenção para entender de onde vem e por quais motivos foi motivada.

Encarar a indisciplina apenas como um problema é um erro?
A indisciplina é um fenômeno social e um ato importante na sociedade, na medida em que representa a transgressão, a oposição, e pode gerar debates importantes. Mas, na educação, ganha apenas uma visão negativa. A indisciplina não é causa, é consequência, é um sintoma de que algo não está bem. Boa parte do problema está na estrutura do ambiente escolar que não busca ouvir ou acolher o aluno transgressor para entender as reais causas de um ato de indisciplina. Ela exige observação. Como diretor, busco ouvir o aluno e o professor envolvidos em uma situação. A criação coletiva de um código de condutas para o ambiente escolar também é uma ação possível e importante para a comunidade. Em suma, a indisciplina deve ser entendida como um problema, mas não como um fato negativo.

Cogitar apenas a aplicação de punições severas mostra uma falha no plano da escola para conter a indisciplina?
Medidas de disciplinamento têm pouca efetividade porque, na maioria das vezes, a punição tem pouca conexão com a infração. Exemplo: criança sai no meio da aula e recebe suspensão de 1 dia da escola. O que essa medida tem a ver com o ato cometido? Não há comunicação entre eles. Quando o ideal seria perguntar: qual o fato aqui? Por que o aluno saiu da sala? Quando ocorrem atos de violência, as pessoas não querem saber de fato o que houve. Esse tipo de atitude que não busca ouvir o aluno pode amplificar, inclusive, a indisciplina. Em 2011, quando assumi a direção da escola, um aluno atirou uma carteira em direção a uma professora. Propus ouvir o aluno e investigar melhor o que aconteceu. Os professores ficaram incomodados com a minha atitude, afinal, “foi um ato de violência” o atirar a carteira. Ouvindo o aluno, descobri que, antes da agressão, a professora havia dito que o garoto “não ia ser nada na vida”. Quando aluno comete uma agressão, no lugar de dar bronca e aplicar punição, é fundamental buscar saber o que aconteceu. Um ato violento pode ser a explosão de alguma situação pessoal do aluno, e a escola precisa estar atenta para entender e acolher.

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