Escola Waldorf Rural Turmalina aposta na casa como ambiente pedagógico
A instituição, que fica em Paudalho, lutou para transpor os princípios da pedagogia criada por Rudolf Steiner para o ensino remoto
Até o início de 2020, a rotina da Escola Waldorf Rural Turmalina envolvia atividades ao ar livre, muita arte, música e uma intensa conexão com a terra, expressa no brincar, no plantar e no colher nos espaços da fazenda em Paudalho (PE), onde fica a instituição. É possível sentir um pouco desse clima vendo os vídeos disponíveis no canal da escola no YouTube.
A escola é fruto da iniciativa de uma associação sem fins lucrativos criada em 2016, quando um grupo de famílias decidiu comprar uma fazenda para criar uma comunidade de trabalho, moradia e estudo, chamada de Vilaverde Turmalina. Atualmente, são 170 crianças e adolescentes (da Educação Infantil ao Ensino Médio), 32 professores e mais de 100 famílias envolvidas. Não há diretor nem coordenador: pais e professores tomam todas as decisões coletivamente.
A proposta da escola assenta-se sobre as ideias do educador austríaco Rudolf Steiner (1861-1925), criador da pedagogia Waldorf. Na Turmalina, como nas demais escolas inspiradas na obra de Steiner, as relações entre as pessoas e com o espaço estão no centro das atenções. Tanto que, lá na escola, um professor é responsável por acompanhar as turmas em todas as disciplinas, e há pouca ênfase em provas.
Relações pessoais, atividades coletivas, espaços compartilhados... Tudo o que a pandemia do novo coronavírus nos tirou. Como, então, fazer valer um projeto pedagógico cujas premissas parecem ter se tornado impraticáveis?
Ponto a ponto: Raio x da Escola Waldorf Rural Turmalina
- Localizada em uma fazenda de Paudalho (PE), a 37 quilômetros do Recife, a escola reúne 170 alunos, 32 professores e cerca de 100 famílias. Autogerida por familiares e professores, é norteada pela pedagogia Waldorf.
- No ensino emergencial e no isolamento, reflexões sobre como proporcionar as vivências da escola em casa e como aproveitar o ambiente doméstico foram norteadoras para as atividades desenvolvidas pelos professores.
- Entrevistar familiares para investigar a história de um objeto doméstico em Língua Portuguesa, catalogar os animais como projeto individual e aulas de Física com experimentos na cozinha fizeram parte do cardápio de atividades realizadas em 2020.
- Para driblar a saudade, os professores também telefonam para os alunos semanalmente e fazem visitas para entregar e recolher atividades. É possível, ainda, ir voluntariamente até a escola para cuidar dos espaços, plantações e animais.
Redescobrindo a casa
Logo no começo do isolamento social, a escola definiu que não teria aulas on-line para, principalmente, conscientizar as famílias sobre o excesso de uso de aparelhos eletrônicos. A opção foi enviar atividades e manter contato por WhatsApp, e-mail e Google Classroom. Cada professor teve autonomia para fazer escolher a plataforma que melhor atende às necessidades das turmas.
A grande sacada da equipe docente foi olhar para o lar dos estudantes como um ambiente pedagógico. “Cada casa tem uma série de sementes de atividades”, explica o professor de classe do 6º ano, Magno Barbosa Lima.
Um bom exemplo foi a atividade de Geografia proposta pelo docente. Ele sugeriu que cada aluno observasse a própria casa como se fosse um continente, de modo que cada parte pudesse ser um país. “O propósito era trazer uma consciência maior do ambiente em que as crianças estão, considerando a diferença entre as que vivem em apartamento e as da zona rural, tentando criar esse paralelo com a paisagem, com o clima, com a observação do céu”, explica.
Em Língua Portuguesa, Magno propôs que as crianças descobrissem e escrevessem a história de um item familiar com base em entrevistas. “Algumas tiveram de ligar para parentes que estavam longe para ter mais informações e, com isso, criou-se uma nova ligação com aquele objeto da casa”, conta.
Até a cozinha está servindo como laboratório para experimentos de Física. Segundo Magno, isso permitiu aos alunos irem além do cálculo no papel e observar fenômenos de forma objetiva para ampliar a noção de causa e efeito.
Já o professor Márcio Aragão Boás, do 7º ano, sugeriu que cada aluno criasse um projeto individual durante a pandemia. “Teve quem escolheu fazer um catálogo das plantas do sítio onde mora, outro fez um livro de receitas porque estava passando muito tempo na cozinha, outro fez artesanatos com jornal. Várias ideias foram surgindo a partir do que eles tinham disponível no entorno”, conta o docente.
Ligações de afeto
Mas todas essas ideias resolviam apenas em parte os problemas da escola. Havia outra dificuldade, ainda mais desafiadora: a falta do convívio entre alunos, colegas e professores. “Tem sido terrível para mim, como professor, não ter como, numa aula de Matemática, tirar uma dúvida”, lamenta Márcio.
Rosanna Frigolé Ventura tem sentido o peso do isolamento como mãe e colaboradora da escola. Ela tem dois filhos que estudam na Turmalina e é voluntária na instituição. “Crianças precisam muito de crianças, e a saudade da escola e dos professores é muito grande. Os amigos, o grupo, é muito forte, e chega um momento que elas não querem mais ter aula em casa, mas voltar para a escola”, relata.
Para tentar contornar a saudade, depois de alguns meses de quarentena, os professores passaram a ligar para os alunos uma vez por semana para conversar. Isso serviu não apenas para estreitar os laços, mas também, para “nutrir” os professores. “O aluno é fonte da criatividade que tanto prezamos. A partir do retorno de cada um vem a inspiração para pensar em novas atividades”, reflete Magno.
Há pouco mais de dois meses, a escola deu um passo a mais: os professores passaram a visitar as casas dos alunos para entregar novos conteúdos e recolher atividades já feitas - seguindo, é claro, uma série de protocolos sanitários.
Outra decisão tomada pela comunidade escolar foi realizar ações presenciais pontuais na escola. O professor Márcio explica que as atividades têm sido feitas com famílias que se sentem à vontade para ir, voluntariamente, cuidar da manutenção do espaço e dos animais que vivem na fazenda. “Estamos chamando isso de ‘fase zero’, em que temos ido à escola receber as famílias. Isso tem sido muito bom para as crianças começarem a se movimentar”, explica. São as primeiras tentativas de retomar, aos poucos, a vida da Turmalina.
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