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11 livros de escritores negros para conhecer, ler e compartilhar

Das crônicas do clássico Machado de Assis à ficção científica de Octavia Butler, conheça uma seleção para ler o ano todo

Lista com 11 livros escritos por homens e mulheres negras. Ilustração: Yara Santos/NOVA ESCOLA

Ao chegarem ao Ensino Fundamental 2, os alunos entram em contato com um contexto escolar totalmente distinto do primeiro ciclo, mas repleto de possibilidades para aprender novas coisas.

“A literatura negra contribui para a construção da identidade. Para os alunos negros, trabalhar com essas obras ajuda também no fortalecimento da autoestima estética e intelectual, algo profundamente importante nesta fase da vida. Um aluno seguro e que se sente menos vulnerável no campo das representações aprende mais”, analisa Vagner Amaro, editor,  escritor e fundador da Editora Malê, voltada para a valorização da autoria negra.

Porém, quais livros escolher? 

Vagner Amaro e Damaris Silva, Mestre em Letras com ênfase na área de Literaturas Africanas em Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP), recomendam 11 leituras como ponto de partida. Você confere a lista a seguir. 


1. Poemas da Recordação e Outros Movimentos
Conceição Evaristo, Malê, 122 págs., R$ 38

Quem é a autora: A escritora mineira Conceição Evaristo é doutora em literatura comparada pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e vencedora do Prêmio Jabuti de 2015 com Olhos D'Água (Pallas, 2014). 

Gênero: Poesia 

Temas abordados: Questões raciais 

Por que ler: Com grande variedade temática, Conceição Evaristo apresenta no livro Poemas da Recordação e Outros Movimentos uma coletânea de poemas, com as subjetividades de mulheres e homens negros no Brasil. Fazendo uso de variados recursos literários, a autora retrata a pobreza, a fome, a dor e a  “enganosa esperança de laçar o tempo”, mas há espaço também para a paixão e o amor. Ao levar a leitura para a aula, o professor apresenta aos alunos a realidade do Brasil em forma de poemas, fazendo com que estes comecem a pensar nas questões sociais e raciais que permeiam o nosso país. 


2. Leite do Peito
Geni Guimarães, Editora Mazza, 76 págs., RS 30

Gênero literário: Conto 

Quem é a autora: Professora e poeta, Geni Guimarães nasceu em São Manoel (SP) em 1947

Temas abordados: Racismo na infância e no contexto escolar 

Por que ler: Imersa em experiências autobiográficas, Geni Guimarães narra com grande sensibilidade experiências infantis e escolares que descortinam o racismo brutal experimentado por crianças e jovens negros na escola. Propor a leitura de Leite de Peito pode mostrar ao aluno que passa por preconceito que existem formas de vencê-lo, ao mesmo tempo que sensibiliza a turma a não discriminar. 

Trecho do livro: 
– Hoje, comemoramos a libertação dos escravos. Escravos eram negros que vinham da África. Aqui eram forçados a trabalhar e, pelos serviços prestados, nada recebiam. Eram amarrados nos troncos e espancados, às vezes até a morte. Quando...

E foi ela discursando, por uns 15 minutos.

Vi que a narrativa da professora, não batia com a que nos fizera a Vó Rosária. Aqueles escravos da Vó Rosária eram bons, simples, humanos, religiosos.

Esses apresentados então eram bobos, covardes, imbecis. Não reagiam aos castigos, não se defendiam, ao menos.

Quando dei por mim, a classe inteira me olhava com pena ou sarcasmo. Eu era a única pessoa dali representando uma raça digna de compaixão, desprezo.

Quis sumir, evaporar, não pude.


3. O Homem Azul do Deserto
Cidinha da Silva, Malê, 144 págs., R$ 29,90

Gênero: Crônica, Conto   

Quem é a autora: Natural de Belo Horizonte, nasceu em 1967. É escritora e editora na Kuanza Produções. Publicou 17 livros, entre crônica, conto, ensaio, dramaturgia e infantil/juvenil. Um Exu em Nova York recebeu o Prêmio da Biblioteca Nacional (contos, 2019) e Explosão Feminista (ensaio), do qual é coautora, foi finalista do Jabuti (2019) e recebeu o Prêmio Rio Literatura 4ª edição (2019). Tem publicações em alemão, catalão, espanhol, francês, inglês e italiano. Seus livros estão disponíveis no site da Kuanza Produções.

Temas abordados: Atualidades, racismo estrutural  

Por que ler: Ao longo dos 52 crônicas-contos, Cidinha da Silva nos leva a olhar pelo ponto de vista de diferentes personagens a influência da diáspora, e do belo e do absurdo vivido pela população negra no Brasil. As crônicas são muito eficazes nesta fase do ensino, para despertar o gosto pela leitura, a prosa de Cidinha da Silva é agradável e faz pensar sobre uma diversidade enorme de temas da cultura brasileira.

Trecho do livro: 
Bodô, meu irmão, descobri sua origem. Você é tuareg! Tuareg do Vale do Jequitinhonha.

Como descobri? Por acaso estelar. Pera que te conto. Escrevi o livro do Manu, um menino que pescava estrelas no céu do Mali, de Burkina Faso, do Níger, de algum lugar por ali. Coisa que para nós, de Minas, gente que não tinha mar antes da lama em Mariana, era a invenção mais natural do mundo.

Pois bem, o desejo de Manu pescar estrelas foi inspirado por lenda do povo tuareg, que diz que os Homens Azuis do Deserto, como são conhecidos, quando se perdem nas areias profundas do Norte da África, espetam uma estrela com a lança e ela os guia no caminho de volta.

Tá! Você não entendeu ainda por que você é um tuareg e ainda menos por que eles são azuis. Calma, moço! Pescaria exige paciência. Já explico. É o seguinte, os tuareg são um povo nômade que vive na região onde se passa a história do Manu. Eles usam aquela túnica comprida de mil e uma utilidades que protege do calor escaldante do dia e do frio cortante das madrugadas no deserto. A túnica é azul e quando o usuário transpira, umedece a tinta, uma espécie de anil. A cor impregna a pele, deixando-a com tom azulado. Por isso, há séculos, eles são conhecidos como os Homens Azuis do Deserto.

Agora, você é um tuareg porque encontrei outro tuareg que é idêntico a você. A mesma pele acobreada, os mesmos lábios de café, os cílios grandes e espessos que dão um charme especialíssimo ao olhar. Sério, mano! Vocês parecem gêmeos.

Quer saber como conheci um tuareg se nunca estive pelo Norte da África, não é? Foi numa das Áfricas brasileiras. Viajávamos de Salvador para a Boa Morte, em Cachoeira, e nos cruzamos na rodoviária. Do deserto para o Paraguaçu, brinquei.

4. Contos e Crônicas
Machado de Assis, Malê, 232 págs., R$ 32

Gênero literário: Conto e crônica 

Quem é o autor: Considerado por muitos como o maior escritor brasileiro, Machado de Assis (1839-1908) é um clássico das leituras escolares. Mais recentemente, o autor passou a ser visibilizado e lido como negro em campanhas como a Machado de Assis Real, o que trouxe a oportunidade de revisitar sua obra e desdobrar novas leituras em sala de aula. 

Temas abordados: Questão racial, Brasil do século 19

Por que ler: O livro, cuja capa traz um retrato em cores de Machado de Assis, reúne alguns dos contos mais populares e também textos em que o autor aborda a questão racial. Entre eles, há textos como Virginius, Mariana, A Mulher Pálida, O Espelho: Esboço de uma nota teoria da alma humana, O Caso da Vara e Pai Contra Mãe.


5. O Caçador Cibernético da Rua Treze
Fábio Kabral,  Malê, 208 págs., R$ 45

Gênero: Ficção científica

Quem é o autor: Carioca, Fabio Kabral estudou Letras na UFRJ e na USP. É leitor voraz de gibis e cofundador do site O Lado Negro da Força. 

Temas abordados: Afrofuturismo 

Por que ler: Repleta de afruturismo - vertente da ficção científica produzida por autores negros que se propõem a trabalhar mitos e projetar futuros fantásticos para homens e mulheres negros -, a leitura da aventura de João Arolê nos leva a transitar pela tecnológica e mítica cidade de Ketu 3. A obra é interessante para adolescentes por se aproximar também do universo nerd e da estética de super-heróis, mas agora dotados de rostos africanos. 

Trecho do livro:
A Rua Treze era a maior e mais movimentada avenida de Ketu Três; uma linha reta que atravessava todos os 13 círculos concêntricos da metrópole - os 13 Setores - e cortava um sem-número de avenidas e ruas ao longo de seu percurso. Árvores e plantas de vários tipos ornavam as calçadas do início ao fim. Arolê havia saído no Setor 9 da Treze, cheia do de prédios espelhados e em cujo chão de pedra deslizavam carros losangulares que flutuavam a milímetros do chão. O sol brilhava forte; ouviam-se blues espiritual e jazz ancestral, poetisas de soul cantando novos hits nos telões holográficos; circulavam pelas calçadas mulheres e homens - e gêneros indefinidos - com ternos coloridos, tranças e black powers, conversavam, jogavam e trabalhavam em seus dispositivos enquanto andavam - ou voavam; jovens com escarificações, pinturas corporais, saias multifacetadas, tranças enraizadas, dreads curtos e topetes crespos, cabelos pintados de roxo, rosa, azul, verde amarelo e vermelho, togas psicodélicas, calças geométricas; senhores e senhoras grisalhas, repletos de colares de ouro, pedras e ossos, flutuavam com aparelhos antigravitacionais e levavam suas serpentes, lagartos, aranhas e outros animaizinhos para passear. 


6. Lima Barreto: Crônica, conto, romance -  Série na Sala de Aula
Douglas Tufano (org.), Moderna, 112 págs., R$ 42

Gênero: Conto, crônica e romance 

Quem é o autor: Nascido em 13 de maio de 1881, sete anos após a Lei Áurea, Lima Barreto era neto de escravizados e filho de um tipógrafo com uma professora. A questão racial, em sua obra, é contada também com base em sua experiência e, neste sentido, é bastante autobiográfica. Teve uma vida difícil, marcada pelo alcoolismo e outros problemas de saúde mental, foi visionário por abordar o racismo já no início do século XX. 

Temas abordados: Racismo, vida no Brasil no início do século 20 

Por que ler: A coleção traz trechos de O Triste Fim de Policarpo Quaresma, considerado um dos principais romances do autor, com notas e comentários críticos feitos pelo professor Douglas Tufano. Há também dados sobre a biografia do autor e sobre as transformações políticas e sociais do Rio de Janeiro e do Brasil.


7. Crônicas para se Ler na Escola
Joel Rufino dos Santos, Objetiva, 176 págs., R$ 39,90

Gênero: Crônica 

Quem é o autor: Historiador, romancista e ativista antirracista, Joel Rufino dos Santos nasceu em 1941 e morreu em 2015. Sua obra de ficção recebeu os prêmios Jabuti e Hans Christian Andersen – o maior na categoria infantojuvenil. 

Temas abordados: Cotidiano, questões raciais 

Por que ler: A seleção, feita pela especialista Marisa Lajolo, pode ser uma introdução à vasta obra de Rufino dos Santos, que também produziu uma biografia de Zumbi dos Palmares, por exemplo, dirigida para jovens leitores. 


8. A Mulher Sobressalente
Dany Wambire, Malê, 94 págs., R$ 35

Gênero: Contos

Quem é o autor: Expoente de uma nova geração de escritores contemporâneos em Moçambique, Dany Wambire é também jornalista, mestre em Comunicação e licenciado em Ensino de História. Publicou dezenas de textos em Moçambique, Brasil e Portugal.

Temas abordados: Atualidades, vida em Moçambique, país africano de Língua Portuguesa

Por que ler: A leitura permite a aproximação com uma nova geração de autores africanos, cuja experiência é distinta da vivência dos descendentes de africanos da diáspora, mas que também permite aproximações com o Brasil.


9. Cartas para a Minha Mãe
Teresa Cárdenas, Editora Pallas, 112 págs., esgotado 

Gênero: Cartas

Quem é a autora: Nascida em 1970, Teresa é expoente da literatura cubana contemporânea e conta que começou a escrever por não ver outras meninas negras nos livros. Em suas obras, dialoga também com o passado de escravidão africana na Ilha.

Temas abordados: Vida em Cuba, racismo  

Por que ler: No formato de cartas que mais parecem um diário, Cartas para a Minha Mãe conta a história de uma menina de 12 anos que escreve para a mãe morta sobre os desafios do dia a dia familiar, do racismo e também sobre as amizades, identidade e autorrespeito. Em 2015, em entrevista à EBC, a autora afirmou: “Um dos meus objetivos é que as meninas e jovens negras se sintam acompanhadas com os livros”.


10. Quarto de Despejo - Diário de uma favelada
Carolina Maria de Jesus, Ática, 200 págs., R$ 39,90

Gênero: Romance, diário

Quem é a autora: A biografia e a obra da escritora Carolina de Jesus costumam se misturar: foi na vivência às margens, na favela do Canindé, em São Paulo, que encontrou o jornalista Audálio Dantas, responsável por organizar a primeira publicação do diário em que contava sobre a vida da família, mergulhada na pobreza extrema. “Escrevo a miséria e a vida infausta dos favelados. Eu era revoltada, não acreditava em ninguém. Odiava os políticos e os patrões, porque o meu sonho era escrever e o pobre não pode ter ideal nobre. Eu sabia que ia angariar inimigos, porque ninguém está habituado a esse tipo de literatura. Seja o que Deus quiser. Eu escrevi a realidade”, refletiu Carolina. 

Por que ler: Escrito em forma de diário, o livro narra de maneira direta a pobreza - e também a alegria, o cotidiano e as vivências - experimentada por muitos brasileiros na década de 1960. Quarto de Despejo foi um best seller na época, traduzido para 14 línguas. Infelizmente, segue atual.  


11. Kindred - Laços de sangue
Octavia E. Butler, Morro Branco, 432 págs., R$ 43,90

Gênero: Ficção científica 

Quem é a autora: Madrinha do afrofuturismo, a americana Octavia E. Butler atuou em um gênero muito marcado por uma visão única masculina, branca e ocidental. Ao longo de sua carreira, priorizou heroínas negras em situações distópicas, escreveu sobre poder e opressão e subverteu padrões imaginados para os livros de sci-fi. Em vida, recebeu os mais importantes prêmios da área (Nebula e Hugo Awards), mas foi apenas após sua morte, em 2006, que sua obra passou a alcançar um público maior. No Brasil, levou quase 40 anos para os livros de Octavia Butler serem traduzidos, mas hoje é possível ler parte de sua obra em português.

Temas abordados: Escravidão nos EUA, poder e opressão, feminismo

Por que ler: Publicado pela primeira vez em 1979, é talvez o livro mais conhecido de Octavia (está incluído no Programa Nacional do Livro Didático - PNLD) e pode servir como porta de entrada para a obra dela com os alunos adolescentes. O livro subverte um tema comum no universo sci-fi, a viagem no tempo, ao trocar a raça e o gênero do protagonista.

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