Como abordar as mudanças climáticas em sala de aula?
Saiba mais sobre o tema e baixe um pôster ilustrado com as principais transformações em curso
No dia a dia, alguns graus Celsius a mais ou a menos passam despercebidos. Mas basta o aumento de meio grau Celsius na temperatura média global para que todos os seres vivos (bem como as próximas gerações) enfrentem consequências desastrosas. E não falta muito para que isso aconteça. É o que prevê o relatório sobre aquecimento global, publicado em outubro de 2018 pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), órgão criado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (ONU) em 1988. A estimativa é de que em 2040 a temperatura média da atmosfera e da água da superfície do mar chegue a 1,5°C acima dos níveis de antes de 1900 – meio grau a mais do que o aferido em 2017.
Assim, os efeitos do aquecimento global já se fazem presentes. Pior: se nada ou pouco for feito, é possível que a média da temperatura global chegue a 2°C poucos anos depois de 2040, situação em que todas as formas de vida estariam comprometidas, e cujos os danos seriam virtualmente irreversíveis. “Não dá para os estudantes se desenvolverem no planeta de hoje sem discutir essa questão. A escola precisa dialogar com a realidade”, diz o professor de Biologia Rodrigo Mendes, do time de autores de NOVA ESCOLA. E a realidade que se apresenta, segundo o IPCC, requer atenção. Para ajudar os seus alunos a visualizar o que pode acontecer, preparamos um pôster apresentando os principais cenários de aumento de temperatura global, de acordo com o relatório científico.
O Brasil, por exemplo, deve ser especialmente afetado no rendimento das plantações, o que deve impactar a agricultura, setor que representa cerca de 5,5% do PIB. “Aqui deve ocorrer a diminuição da disponibilidade de água doce, aumento de ocorrência de eventos climáticos extremos e perda de biodiversidade. Há também potencial aumento de casos de dengue e outras doenças transmitidas por mosquitos, que se proliferam mais no calor”, elenca Luciana Rizzo, do Laboratório de Clima e Poluição do Ar da Unifesp.
Como abordar as mudanças climáticas em sala de aula
O futuro diante das mudanças climáticas é uma preocupação para os alunos da EE Dr. Leôncio Gomes de Araújo, em São Lourenço da Mata, região metropolitana de Recife. Após assistir a uma reportagem em que o cientista Stephen Hawking (1942-2018) afirmava que em mil anos a Terra se tornará inóspita devido à degradação ambiental – e que os seres humanos terão de migrar para outro planeta –, os estudantes levaram o dilema para a sala de aula.
A professora Vanessa Delfino, de Matemática e Física, viu ali uma oportunidade de discutir a questão ambiental com o Ensino Fundamental 2, e criou um projeto para conscientização sobre os problemas ambientais causados por seres humanos, seus impactos e as atitudes que podem mudar essa realidade. Com base em pesquisas, debates e até uma visita ao planetário, os alunos buscaram entender o que torna um planeta habitável ou não. Depois, foram ao entorno da escola para descobrir o que os moradores entendiam sobre o tema. O resultado, elaborado em gráficos, foi apresentado à comunidade escolar.
A professora conta que eles começaram a entender como os problemas ambientais estão interligados e assumiram a posição de se responsabilizar. “Eles queriam saber o que podemos fazer para consertar nosso planeta, porque para eles não é certo abandonar a Terra. Eles querem poder continuar morando aqui”, diz.
A exemplo do projeto da professora Vanessa, é possível trabalhar o aquecimento global de forma interdisciplinar e com várias abordagens possíveis. Um ponto fundamental, segundo Mendes, é que os alunos compreendam como os dados que embasam os estudos sobre o tema são gerados e também testem métodos científicos para obter essas informações, para compreender que conhecimento é construído, não é achado. Mas é preciso ir além.
“O problema é achar que aquecimento global é só conteúdo de Ciências, porque também tem rico material para trabalhar em outras disciplinas”, diz Mendes. “A Matemática tem muito a colaborar, por isso os professores de diferentes disciplinas precisam trabalhar juntos, sempre com base em dados e estudos confiáveis”, recomenda Saddo Ag Almouloud, coordenador do Programa de Educação Matemática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
No caso da Geografia, pode-se analisar tanto a identificação das medidas possíveis para conter o aquecimento global e o que é necessário para realizá-las, quanto compreender de quem é a responsabilidade: se é individual, coletiva, de empresas ou do Estado. “Depois, eles podem aplicar algumas dessas ações na escola e em casa”, diz Mendes. O professor recomenda, ainda, que os alunos aprendam a diferenciar quais impactos e desastres têm relação direta com aquecimento global e quais têm a ver com problemas na gestão local. “Não se pode culpar o aquecimento global pelas enchentes em São Paulo, por exemplo”, alerta.
Combater a elevação da temperatura e mitigar os efeitos das mudanças climáticas, conclui o IPCC, exigirá a mobilização simultânea de diversos setores – construções, indústria, transporte, energia, agricultura, etc – bem como uma profunda alteração em nossos hábitos e em como pensamos (e tratamos) o planeta Terra. Como avanços já em ação, o documento elaborado pelo IPCC traz o crescente uso de energia solar e eólica e de iluminação por LED. E, do ponto de vista da cooperação entre as nações, há o protocolo de Kyoto, de 1997, e o Acordo de Paris, de 2015. Com pequenas diferenças, ambos visam a redução da emissão de gases que intensificam o efeito estufa, equilibrando desenvolvimento econômico e sustentabilidade a longo prazo.
Dá para negar as mudanças climáticas?
Segundo Marcos Aurelio Vasconcelos de Freitas, representante do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), há hoje consenso na comunidade científica de que a elevação da temperatura e da concentração de gás carbônico na atmosfera é real. “Mas há dúvidas entre os pesquisadores sobre a relação entre as emissões antrópicas, isto é, dos seres humanos, e esses efeitos”, explica. A contestação ao aquecimento global, ressalta ele, surge também de uma disputa no setor de energia. Em especial, quando se enfatiza que o petróleo e o carvão são os principais produtores dos gases que agravam o efeito estufa. “Assim, inicia-se uma disputa geopolítica por países fortemente dependentes da venda de carvão, petróleo e seus derivados, e por aqueles que precisam de combustíveis fósseis nos seus setores de energia. Qualquer tentativa de reduzir o consumo dessas fontes de energia acabam sendo transformadas em críticas”, afirma o pesquisador.
* Reportagem: Ingrid Yurie
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