Ciência ressignificada

Um novo olhar para experimentos clássicos

Consagrados pela prática escolar ou pelo fato histórico, alguns deles podem ganhar mais intencionalidade e riqueza se forem repensados no planejamento pedagógico

Animação de experimentos científicos que podem ser feitos em casa, são eles: germinação de feijões, herbário e comparação da densidade da água.
Ilustração: Rodrigo Damati/NOVA ESCOLA

Atire a primeira semente o professor de Ciências que nunca propôs o experimento de estimular a germinação de feijões no algodão! É uma experiência clássica entre as práticas científicas presente nos currículos já dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Além dela, outras tantas apoiam a aprendizagem de teorias científicas ao longo da escolaridade, sejam pela consagração na história da humanidade, sejam pela consagração da prática escolar. 

Mas, assim como outras atividades replicadas com frequência, vale refletir: o que elas podem oferecer a mais para estudantes, além da execução em si? 

Se ciência é sinônimo de inquietação, algumas dessas experiências, por já serem muito conhecidas ou realmente óbvias, podem deixar os estudantes numa posição muito passiva. “Tem o fazer com as mãos, mas não tem o fazer com a mente”, diz Luciana Hubner, formadora de professores de coordenadora pedagógica do Prêmio Educador Nota 10. 

O que acontece na prática é que, muitas vezes, o professor convida o aluno apenas para executar, não para investigar o objeto do experimento. “Fazer uma experiência sabendo o resultado final não tem graça”, diz Cristian Annunciato, professor de Física da Escola Lourenço Castanho, em São Paulo. Ele lembra o quão importante é lançar mão do método científico para estimular as explicações para os resultados obtidos: entender o que foi feito (método), o que foi observado (coleta de dados), como analisa resultados (discussão) e como os justifica (conceito). 

Os alunos não duvidam que a semente vira uma planta. Cabe ao professor, então, segundo explica Luciana, refletir sobre quais conhecimentos a turma já possui e podem apoiar a geração de novas compreensões e ampliar o conhecimento.”

Para ela, a escola precisa repensar a visão quase mecanizada de alguns experimentos e criar situações-problema interessantes e estimular os questionamentos. “Curiosidade é a mola propulsora da ciência. A partir do momento em que as crianças vão crescendo, o espaço para a curiosidade vai diminuindo”, explica. Fazer perguntas, inclusive, passa a ser algo que pode não ser bem-vindo. E o que se quer com experimentos é justamente aguçar o desejo de investigar e aprender. “Não apenas recomendar fazer, mas estimular que eles se questionem ao longo de todo o processo”, diz Luciana. O mesmo vale para os professores: a avaliação também precisa estar à altura. Não valem devolutivas como “está bem-feito”. É preciso elaborar retornos que instiguem e encaminhem a turma para outros conteúdos.

Espaço para os clássicos

Apesar das etapas conhecidas ou resultados sabidos, experimentos clássicos têm importância, inclusive histórica, em muitos casos. O experimento realizado, em 1668, pelo biólogo italiano Francesco Redi (1626-1697), um dos primeiros a questionar a teoria da geração espontânea, ainda hoje é replicado em aulas de Biologia, com as etapas de colocar pedaços de carne crua em potes abertos e fechados, e que atestam, como conclusão, que a vida só surge a partir de outro ser. 

“Não são experimentos consagrados à toa”, avalia Gabriel de Moura Silva, biólogo e professor da Escola de Aplicação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Para ele, experimentações clássicas podem ser ponto de partida para o professor complexificar os conteúdos, variando de acordo com os objetivos traçados pelo docente. “Com o tempo, é possível ir ampliando o tema levantado pelo experimento, relacioná-lo a outros conhecimentos e também à realidade do aluno”, explica o docente. A experiência da germinação do feijão, por exemplo, pode avançar para conteúdos sobre polinização cruzada e até sobre a estrutura da agricultura familiar, de acordo com ele.  

Para discutir mais sobre as práticas envolvendo os experimentos clássicos, Luciana, Cristian e Gabriel sugerem outras abordagens possíveis para três deles:

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1. Germinação do feijão

Foco: 8º e 9º anos

Habilidade da BNCC: EF08CI07, EF09CI09 e EF09CI11

Como a experiência é feita tradicionalmente: Num potinho, coloca-se um chumaço de algodão umedecido com água e alguns grãos de feijão. Depois de um tempo e com regas de tempos em tempos, observa-se o pé de feijão nascer.

Como turbinar a experiência: Após a germinação das sementes, desafie a turma a:

- Questionar apenas o uso de sementes de feijão e não de outras plantas nesse tipo de experimento;

- Isolar variáveis para avaliar os impactos no tempo de desenvolvimento da planta e acompanhar duas germinações que estiveram em ambientes com temperaturas diferentes. Quantidades diversas de água, tipos diferentes de substrato e intensidade de luz são outras variáveis que podem ser colocadas em jogo.


2. Produção de herbário

Foco: 7º ano

Habilidade da BNCC: EF07CI07

Como a experiência é feita tradicionalmente: Os alunos recolhem folhas variadas em jardins, ruas e outros espaços, montam uma coleção em um caderno, identificando-as.

Como turbinar a experiência: Depois da coleta de folhas de plantas variadas, os alunos podem ser instigados a:

- Observar diferenças e similaridades para criar critérios próprios para classificação das folhas recolhidas;

- Buscar identificar as plantas e relacioná-las aos biomas específicos da região da coleta;

- Estimular a busca de informações que justifiquem a necessidade da desidratação parcial das folhas com uso de jornal.


3. Comparação das densidades da água fria e da água quente

Foco: 8º ano

Habilidade da BNCC: EF08CI14

Como a experiência é feita tradicionalmente: A turma separa um copo com água quente, cheio até a borda, e outro com água fria, igualmente cheios. Depois, usa corantes diferentes para tingir a água de cada recipiente. Em seguida, coloca sobre o copo com água quente um pedaço de acetato e, com cuidado, vira esse copo sobre o que contém água fria. O acetato é retirado com delicadeza e, então, é possível ver que as águas não se misturam. Na segunda parte do experimento, é hora de inverter os copos: o de água fria vai por cima. Nesse caso, ocorre a mistura.

Como turbinar a experiência: Depois de virar o corpo, os alunos podem ser convidados a:

- Investigar o papel da densidade da água na circulação oceânica e na circulação atmosférica;

- Refletir sobre a relação entre a densidade das águas dos oceanos e a incidência de furacões;

- Refletir sobre impacto do aquecimento global no aumento da temperatura das águas oceânicas.

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