Para repensar a prática

A hora e a vez das ferramentas digitais no trabalho com leitura literária

A internet é uma boa ferramenta para fazer dos alunos leitores cheios de apetite e produtores de resenhas que podem até bombar nas redes sociais!

Ilustração de aluno com livros e leitores digitais em mãos.
Ilustração: Yara Santos/NOVA ESCOLA

Para além do estudo dos gêneros literários, o cultivo do hábito da leitura para o desenvolvimento da linguagem da escrita, a BNCC contempla um conjunto importante de habilidades que demandam que o estudante também desenvolva aptidões relacionadas com os gêneros que circulam nos ambientes digitais e com o próprio uso da tecnologia. 

Por que não unir essas duas frentes na intenção de promover uma aprendizagem integral e integrada aos interesses dos próprios alunos? 

“Os jovens frequentam as redes sociais e todos usamos a internet para absolutamente tudo, atualmente. Se queremos formar leitores engajados, não podemos ignorar a forma como a leitura circula atualmente”, afirma Luiza Moraes, professora e formadora de Língua Portuguesa e Literatura de Fundamental 2 da Escola da Vila, na capital paulista. Confira o depoimento de uma professora que se valeu da conexão dos alunos com a internet aqui.

Para o universo do ensino e da aprendizagem, a internet oferece ferramentas potentes para ler junto, compartilhar, comentar o que lemos – e todas essas são práticas essenciais para a formação de leitores. “A ideia arraigada de que a leitura é um ato solitário não é verdadeira. E as redes permitem interação, troca, compartilhamento. Tudo isso é muito valioso para estimular a leitura”, explica Luiza. 

Vejamos, então, como usar a favor do planejamento a presença dos alunos nas redes sociais e a desenvoltura de muitos com a tecnologia. Lembre-se de que cabe à escola orientá-los sobre como usar os recursos digitais de forma responsável e proveitosa e, é claro, incorporá-los às práticas pedagógicas. 

Para Mazé Nóbrega, consultora em Língua Portuguesa de NOVA ESCOLA e professora da pós-graduação de formação de escritores do Instituto Superior de Educação Vera Cruz, em São Paulo, é muito importante não perder de vista que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) se organiza em campos de atuação tão estruturantes quanto as práticas de linguagem. 

Uma das primeiras coisas que o professor precisa ficar atento quando pensa em usar a tecnologia é o campo de atuação em que se insere o gênero priorizado – neste caso, o artístico-literário. Outro cuidado elencado por Mazé é prestar atenção nos usos que se faz das mídias sociais para não criar uma cisão entre o que se propõe como atividades e o que acontece nas práticas sociais, no mundo fora da escola. 

De acordo com ela, olhar como as práticas sociais funcionam é essencial para desenvolver um trabalho afinado com as práticas sociais dentro da sala de aula. Mazé reforça que as redes sociais estão presentes na vida dos estudantes em outro campo discursivo, o da esfera cotidiana e das trocas interpessoais, mas a escola deve ampliar esses usos. Uma coisa é a conversa que se estabelece entre amigos, entre iguais. Outra coisa, bem diferente, é se dispor a entrar em um campo específico, que é o artístico-literário, e postar comentários e observações sobre a leitura. Isso tem outro nível de formalidade. “Não é porque os alunos são familiarizados com as redes sociais que eles têm essas competências. É necessário aprender outras habilidades para dar conta desse desafio”, afirma Mazé. 

Ao tratar de gêneros próprios do ambiente digital, a BNCC faz referência a vlogs, booktubes e podcasts por exemplo. Há também espaço para textos mais tradicionais, como notícias ou resenhas (leia sobre uma proposta de atividade aqui).

A BNCC sugere, ainda, que os estudantes sejam tanto consumidores quanto produtores, já que a Web 2.0 permite a fusão desses papéis. “Lemos um livro, produzimos um booktube; assistimos a um booktube e escrevemos comentários depois de ler outros livros dos mesmos autores”, exemplifica Luiza. Além disso, o documento propõe que a leitura nas redes sociais, jornais e outros meios proporcione engajamento na vida pública, interesse e responsabilidade pelo mundo em que circulam e que constroem. Em todos os campos de atuação, lembra Luiza, a BNCC trabalha com gêneros mais antigos e estáticos, mas também, com os novos gêneros textuais, que surgiram com as redes e com a web. 

A Base trata também das ferramentas e das redes sociais como possibilidade de troca, socialização, fruição de diferentes tipos de texto, expressas em distintas formas, que circulam socialmente. Neste sentido, destaque especial para as habilidades EF69LP06 e EF69LP46, que falam da relação do texto com o contexto de produção e experimentação de papéis sociais e reconstrução das condições de produção, circulação e recepção, apreciação e réplica.

O espaço dos influenciadores na escola

A partir do momento em que a escola precisou migrar para o computador por causa da pandemia do novo coronavírus, ficou ainda mais evidente o quanto é necessário um intercâmbio real entre a aprendizagem formal e o que acontece nas redes. 

Diversas ferramentas digitais estão sendo essenciais para a aprendizagem neste momento de distanciamento físico. Como explica Luiza, com ferramentas simples de áudio, os alunos podem gravar opiniões e críticas literárias a respeito de uma obra e compartilhá-las com os colegas. Um canal de podcast pode ajudar a apresentar um livro ou uma questão polêmica. E o público pode ser ampliado: alunos de um lugar podem ver booktubes de alunos de outro. “Fazer-se ouvir e ouvir os outros é essencial para aprender a ler e para se tornar leitor. A distância, as ferramentas tecnológicas são importantes para essas trocas”, explica Luiza. 

São inúmeros os canais no YouTube, os perfis de Instagram e os podcasts que falam sobre leitura literária e sobre literatura em geral (conheça alguns perfis aqui). Alguns são feitos por leitores apaixonados, outros são produzidos por profissionais e críticos da área. Apresentar esses materiais aos alunos e estimulá-los a produzirem conteúdo com base nas leituras feitas é uma forma poderosa de integrar a aprendizagem formal ao universo digital. 

Além disso, Mazé sugere convidar os influenciadores que estão na internet para conversar com os alunos – algo fácil justamente porque todos podem se encontrar virtualmente. Proporcionar encontros como esses dá frescor ao trabalho: os experts da internet são profissionais que não atuam necessariamente na educação, mas que fazem a prática e, portanto, podem contar como ela funciona (confira 11 dicas dadas por influenciadores aqui). “É uma forma de abrir a escola para a comunidade e permitir que os estudantes tenham uma experiência direta com pessoas que fazem no dia a dia o que eles estão aprendendo”, reflete Mazé.

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