Comportamento

Ciberbullying: o que você precisa saber para lidar com o desafio nas aulas on-line

Nem tudo é ciberbullying, mas precisamos falar sobre a convivência ética no ambiente on-line

Ilustração abstrata em que o rosto de uma aluna se transforma em dados de computador.
Ilustração: Rafaela Pascotto/NOVA ESCOLA

Exposição de imagens, perseguição, mensagens no grupo de WhatsApp: há muitas formas de praticar o ciberbullying no contexto escolar, um problema sério que pode trazer consequências devastadoras na vida da criança e do jovem. A pandemia de covid-19 reorganizou a vida da escola a partir dos recursos on-line, porém, juntamente com a sala de aula foram para o digital também as ofensas e o desrespeito entre os alunos.

Para enfrentar o desafio de frente como educadores, é preciso estudo, preparo e muita reflexão sobre a prática e a convivência entre os pares na escola e na sociedade. Mas o que caracteriza o ciberbullying?

Ciberbullying é uma das várias formas de agressão encontradas na internet. São situações em que crianças e adolescentes utilizam os meios digitais para ofender, humilhar, excluir ou desrespeitar outro aluno. Trata-se de uma prática violenta que vai acontecer entre pares, entre sujeitos que possuem simetria de poder, como, por exemplo, entre alunos de uma mesma escola. 

A postagem em rede social de um aluno ofendendo um professor, por exemplo, não é ciberbullying. “Existe uma agressão ali, que a gente vai chamar de ciberassédio, mas é outra coisa”, explica Thaís Bozza, doutora em Educação pela Unicammp e gestora de Projetos da Convivere Mais.

De forma geral, a agressão é cometida por uma pessoa conhecida do alvo, o que a torna ainda mais grave, pois fere a relação desse jovem em um grupo que ele pertence ou já pertenceu. Essa agressão é feita de forma deliberada e intencional.

Diferentemente do bullying, essa agressão não precisa, necessariamente, ser praticada várias vezes, em repetição, para ser entendida como ciberbullying. Na internet, sabemos, basta um único post, que depois de publicado perde completamente o lastro, para causar danos graves. Como essa publicação pode nunca ser apagada, o alvo costuma sofrer a agressão muitas vezes, ainda que ela tenha sido feita uma única vez pelo autor. 

Essa única postagem, além de causar enorme estrago na vida social do círculo mais estreito de convivência desse jovem, ela ainda impacta na imagem dele diante de centenas de pessoas que ele nem sequer conhece. Se o bullying, de modo geral, fica restrito à sala de aula, o ciberbullying corre internet afora, indo muito mais longe do que os muros da escola. 

Segundo o psicólogo e diretor da SaferNet Rodrigo Njem, em 2020 o ciberbullying chegou a ser o primeiro tópico de pedidos de ajuda no canal (perdendo, posteriormente, apenas para pedidos classificados no tema mais amplo da saúde mental). Os números são expressivos. Segundo a Pesquisa TIC Kids Online 2020

43% das crianças e adolescentes presenciaram discriminação na internet

7% dizem que já foram diretamente discriminados 

20% declararam que foram ofendidas

Como os crimes de ódio estão cada vez mais presentes no meio digital, educar para a convivência é um bom caminho para lidar com o desafio. “Apostamos muito na relação entre pares: os próprios jovens acolhem os seus colegas, explicando, na linguagem deles, o que é certo ou errado. Há também a autoproteção”, elenca o psicólogo.

“Antes de os casos chegarem à diretora da escola, muita coisa pode ser feita. Isso não exclui, é claro, todas as ações pedagógicas que precisam ser planejadas e realizadas. Mas é preciso acabar com essa ideia de que o espectador (de uma situação de ciberbullying) não tem a ver com isso”, reflete Rodrigo.

Outro ponto de reflexão para o professor que deseja enfrentar com mais preparo o ciberbullying é desconstruir o estereótipo de que o aluno hoje é um nativo digital, isto é, de que ele já nasceu usando a internet e, por causa disso, está naturalmente preparado para lidar com todas as situações e manter boas práticas e atitudes na rede. “Os jovens vivem intensamente o on-line, mas não significa que têm as habilidades, o discernimento ou a maturidade para ter um comportamento ético. Isso depende de como a gente educa para a cidadania no meio digital.”

Discurso de ódio: o que o ciberbullying tem a ver com isso? 

Quando falamos das relações no meio digital – visíveis nas timelines das redes sociais ou no grupo de mensagens, por exemplo –, é importante lembrar o discurso de ódio, cada vez mais intenso nas redes. 

Definido como manifestação que ataca e incita o ódio contra determinado grupo social (baseadas em raça, etnia, gênero, sexualidade, religião ou origem nacional), o discurso de ódio não funciona na mesma chave que o ciberbullying, direcionado contra uma pessoa específica, mas diz muito sobre as formas de agressão no meio digital. Um aluno pode, por exemplo, fazer uma montagem a partir de um print da aula ridicularizando o fato do colega ser negro, gordo ou gay. 

Há situações em que a ofensa, o racismo, é explícito, mas ele aparece também de forma velada, em memes, vídeos animados, gifs ou figurinhas de WhatsApp.

Segundo os especialistas ouvidos por NOVA ESCOLA, é comum casos de ciberbullying envolvendo discurso de ódio, e a lógica de agredir o outro de forma velada tem se tornado uma linguagem particular das relações on-line. Nesse caso, todos concordam que é preciso educar os alunos para identificar os muitos discursos por trás de uma imagem, além de cultivar o pensamento crítico para que eles saibam nomear o que é o quê. 

Como atuar diante do ciberbullying?

Para problemas complexos, soluções complexas. Uma conversa pontual com os envolvidos, acredite, não vai resolver. Ao contrário, pode agravar o problema se o encaminhamento não for cuidadoso. Situações de ciberbullying vão envolver tanto ações de intervenção quanto de prevenção.

“Vai exigir um planejamento com a sistematização de como agir. O mais indicado é o Método de Preocupação Compartilhada. Essa é uma prática que vai atuar com o autor, com o alvo e com os espectadores, que muitas vezes são deixados de fora. As ações devem ser individuais com cada grupo, e deve ser frequente, semanalmente. Nesses espaços é importante abrir espaço para a reflexão desses comportamentos, e incluir a reparação por parte do autor”, indica Thaís. 

Para o trabalho de prevenção, a especialista propõe a discussão coletiva e reflexiva sobre convivência, seja ela online ou presencial. “Não é sobre falar do caso do João ou da Maria, mas sobre os comportamentos nocivos, como o discurso de ódio, o sexting ou a publicação de imagens íntimas. A ideia é começar falando sobre um caso hipotético e ouvir os alunos e eles se ouvirem, depois trazer as explicações de especialistas, de pesquisas sobre o tema. Eles precisam entrar em contato com conhecimento especializado sobre o tema e ampliar o conhecimento deles.”

Depois, o educador pode dar um exercício prático para os alunos. Há exercícios de dramatização, onde o aluno deve, olhando nos olhos do colega, reproduzir frases de ciberbullying ou discurso de ódio para o outro. E, por fim, fechar a atividade articulando um compromisso do grupo em agir com boas práticas em relação a situações de ciberbullying. 

O professor Márcio Gonçalves, facilitador do programa Educamídia e coordenador de projetos Foreducation EdTech, conta que certa vez a mãe de uma aluna do 5º ano o procurou, angustiada, porque a filha tinha sido excluída do grupo de alunos no WhatsApp. 

“Após uma discussão no grupo, um dos administradores decidiu excluir a menina. Isso aconteceu num domingo, e o menino que fez isso nem pensou que no dia seguinte ele iria encontrá-la na sala de aula”, lembra Márcio. “Com os alunos menores, precisamos orientar sobre como ter uma convivência no meio digital. Como eles têm de se comportar ali e falar sobre civilidade”, aconselha o professor. 

Foi o que Márcio fez. Deu uma aula para a turma sobre como ser gentil no meio digital, “sempre com muita calma e cuidado, explicando o que é cada coisa, dando exemplos, mostrando os conceitos, pois eles ainda não sabem lidar com essas situações”, conta. 

Este é um trabalho que envolve essencialmente as habilidades socioemocionais da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e, também, valores sócio morais importantes para a convivência virtual, como empatia, auto regulação – para não ter, por exemplo, o impulso de mandar uma mensagem – e senso crítico para identificar o que é verdade e o que não é. Outro habilidade importante é a assertividade que os espectadores precisam ter para identificar a situação e não serem omissos e tolerantes.

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