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Preconceito ou racismo é (ciber)bullying?

A resposta curta é não!, mas a escola ainda precisa refletir, prevenir e agir diante de conflitos e violência em sua comunidade. Entenda

Ilustração abstrata de fotografias de instagram com emojis que mostram desrespeito aos usuários.
Ilustração: Rafaela Pascotto/NOVA ESCOLA

Agressões, conflitos, preconceito, discurso de ódio: tudo o que acontece na sociedade existe também no ambiente escolar, seja ele físico, com aulas presenciais, seja ele virtual, nos encontros com as turmas mediados pelas telas do último ano. 

Para enfrentar de maneira intencional desafios tão grandes, é importante saber o que é cada coisa. Fica a pergunta: uma situação de racismo, disciminação de classe, homofobia e gordofobia, é (ciber)bullying? 

Não, não é. Um aluno negro pode ser vítima de racismo, mas isso não significa, automaticamente, que além do racismo ele está sendo alvo de bullying ou ciberbullying. Essa diferenciação, aponta Adriana Ramos, coordenadora da pós-graduação do Instituto Vera Cruz, gestora da Convivere Mais e pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem) da Unicamp, é o primeiro passo para atuar diante de casos assim. 

Mas como diferenciar uma coisa da outra? 

“No bullying há a intenção de ferir aquela pessoa específica: a Maria, o João ou o Pedro. Já uma atitude racista pode ser dirigida a qualquer pessoa que seja negra, e não especificamente a Maria, o João ou o Pedro”, explica a formadora. 

O que justifica chamar de bullying e ciberbullying é pensar em crianças e adolescentes de uma mesma faixa etária, numa fase de desenvolvimento, amadurecimento, e que são lineares do ponto de vista da convivência. Também pela repetição da ação e intenção deliberada de humilhar e ofender. 

“Dentro da psicologia moral é preciso antes entender a natureza do problema para depois pensar em como intervir, e esses dois temas sempre se misturam muito”, reforça Adriana. O tema é sensível, e, por falta de melhores e mais intensas formações, ainda gera muita confusão nas escolas. Também porque as duas coisas podem, sim, se misturar. Ou seja, um alvo de bullying pode também ser vítima de racismo dentro do mesmo caso. 

É importante, portanto, compreender o que caracteriza um e o que caracteriza o outro. Uma das características que deixam bastante evidente a diferença entre os casos é a frequência. O bullying é praticado sistematicamente ao longo do tempo, e no caso do ciberbullying ganha a repetição a partir do compartilhamento também ao longo do tempo. Nunca é algo pontual. 

Não é bullying, é preconceito, o que a escola deve fazer? 

A primeira atitude, indica Adriana, é demonstrar indignação, “de que aquilo não é permitido e não será aceito''. "A escola não pode flexibilizar em nenhum momento. Não pode ser nem conversa de corredor.”

Nesse sentido, é importante lembrar: em educação, não fazer nada é também uma forma de dizer que aquela situação está sendo tolerada. “Já ouvi de alunos que se ali, na escola, não sair sangue, não dá nada. Pode ofender, pode humilhar. Não fazer nada é uma mensagem implícita dos adultos que tudo pode”, ressalta a formadora. 

O trabalho, no entanto, sobre os valores éticos da escola deve ser feito com toda a comunidade: professores, funcionários da cozinha, secretários, profissionais da limpeza, pedagogos, pais, alunos, e por aí vai. Sabemos que os preconceitos são estruturantes da sociedade, enraizados; se professores não tiverem esses valores bem definidos, não poderão atuar pelo respeito ao outro. É preciso planejar a abordagem da temática com a complexidade que ela exige. 

“Ou seja, estudar com os professores como eles vão abordar os alunos de forma transversal. Precisa ter um programa, uma intencionalidade, um trabalho sistemático que deve ser feito com todos. Não tem fórmula mágica. O que não pode acontecer, de forma alguma, é que esses casos sejam sempre velados. Por trás desse comportamento omisso temos uma criança e um adolescente sofrendo.”

Discurso de ódio e habilidades socioemocionais 

No caso do preconceito expressado no meio digital, há ainda o fator que pode intensificar a agressão: o discurso de ódio. Segundo Rodrigo Nejm, psicólogo diretor de educação da SaferNet Brasil, o discurso de ódio, que tem se tornado uma linguagem quase própria do meio virtual, uma forma de se expressar, aumentou na pandemia e está sendo usado pelos adolescentes entre eles. 

“Toda essa discussão é sobre como estamos educando as novas gerações para lidarem com o plural, a respeitar as diferenças. E não só respeitar, mas valorizar as opiniões, a orientação sexual ou de gênero. Me parece que não estamos conseguindo trabalhar muito bem as habilidades socioemocionais do ponto de vista da empatia e da diversidade aplicada à cultura digital”, afirma Rodrigo. 

Por isso, como também pontuou Adriana, é importante não minimizar situações de discriminação. Um ataque racista é um ataque racista, que se praticado por um adolescente de 12 anos equivale a um ato infracional na Justiça. 

“Precisamos abrir mais espaços para falar de crime de ódio, para falar de intolerância, de discriminação, porque em algumas situações isso tem sido banalizado como uma brincadeira, quando a gente sabe que a sociedade está com problemas sérios de convivência pacífica com o diferente, com o plural”, conclui a especialista.

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