Como apoiar os alunos nos anos de transição do Ensino Fundamental
As turmas do 6º e do 9º ano enfrentam desafios específicos da faixa etária e da mudança de etapa de escolaridade. Saiba mais
A entrada nos anos finais do Ensino Fundamental e, depois, a chegada ao Ensino Médio marcam mais do que a mudança da etapa escolar. No primeiro, há o fim da infância e a entrada da pré-adolescência. No segundo, o auge da adolescência e o início dos pensamentos e planos para a vida adulta.
Momentos já carregados de ansiedade e turbulência ganharam novas tintas após um ano e meio de pandemia e ensino remoto, o que privou crianças e adolescentes de algo fundamental, em especial em fases de transição: a socialização com seus pares. Especificamente no caso do componente curricular Língua Portuguesa, Kátia Chiaradia, consultora pedagógica para os conteúdos desta edição, lembra que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) orienta uma maior participação dos estudantes no campo da vida pública, atitude que demanda responsabilidade e maturidade.
“Penso que a maturidade é algo que acontece principalmente no convívio com o diferente. Com o distanciamento social, a gente tira das crianças a oportunidade de convivência com boa parte do diferente”, lamenta Kátia, que identifica a pouca maturidade emocional como mais um desafio decorrente do período da pandemia. “Claro que em outros aspectos houve amadurecimento, mas o convívio, a falta de vínculos, criou esta lacuna”, destaca a especialista.
A mudança de rotina no 6º ano
No 6º ano a mudança que mais assusta as crianças é a rotina com vários professores diferentes. Nos Anos Iniciais do Fundamental, o aluno lida com apenas um professor, polivalente. Quando chega o 6º ano, porém, os professores, em regra, são especialistas em seus componentes curriculares e trazem diferentes maneiras de ensinar e avaliar os estudantes.
O segundo desafio é a questão da falta de autonomia, pois os alunos ainda dependem muito da figura da professora, seja para saber a hora de abrir o caderno, seja de anotar uma explicação que está sendo feita oralmente, o que se agrava sem a presença física dos professores - situação praticamente inevitável nos últimos meses, marcados pelo isolamento social e pela suspensão das aulas presenciais na escola.
O terceiro ponto de atenção é o da idade em si: os alunos estão entrando na adolescência ao mesmo tempo que mudam sua rotina escolar, então é de praxe que o aluno de 11 ou 12 anos teste os limites da escola no que se refere à disciplina.
Uma medida para amenizar a transição é a escola ter uma coordenação única entre as séries de transição e os professores realizarem planejamentos anuais em parceria com os professores da série seguinte e/ou anterior, pensando sempre no que é pré-requisito para que o aluno possa cursar a nova série.
Essas mesmas medidas surtem efeito no contexto remoto, na opinião da professora Lorena Cardoso dos Santos, que dá aulas de Língua Portuguesa nos Anos Finais do Fundamental na EM Professora Nilcelina dos Santos Ferreira, em Duque de Caxias (RJ). Utilizar recursos tecnológicos como o Google Classroom é uma ferramenta poderosa para sanar alguns dos efeitos da transição de segmentos, uma vez que possibilitam a disponibilização de materiais complementares e abrem um canal de comunicação seguro com o docente fora do horário de aulas, além de possibilitar a revisão de atividades. “Manter a utilização dessas ferramentas, mesmo com o retorno das atividades presenciais, é uma decisão importante”, ressalta Lorena.
Com a volta do ensino presencial, a transição dos Anos Iniciais do Fundamental para o 6º ano pode ser mais suave com uma boa dose de afetividade e aproximação por parte dos professores. “Se os professores puderem escrever bilhetinhos se apresentando, ou aparecerem numa aula remota, no caso das escolas que tiverem mais acesso à internet, ajudam as crianças a criarem expectativas daquilo que elas vão viver, para que não seja uma total surpresa”, sugere Kátia.
Os desafios do 9º ano
No último ano antes do início do Ensino Médio, os alunos aproximam-se do começo da vida adulta, passam a estudar assuntos mais complexos e vivem um maior distanciamento da família da rotina escolar. A pandemia, o isolamento social e a suspensão das aulas presenciais também trouxe impactos para esses estudantes, em especial, no convívio com os pares.
Professora de Língua Portuguesa para turmas do 8º e do 9º ano, Vanessa Bolina observa os efeitos do distanciamento nos adolescentes. “O distanciamento físico trouxe mais insegurança. Nessa fase, a identidade de grupo é muito forte e a escola é o espaço para o convívio. Além disso, o 9º ano tem uma simbologia de término do ciclo muito forte, que pode ter sido prejudicada, infelizmente”, ressalta a professora.
Por outro lado, o ensino remoto pode ter acelerado o desenvolvimento da autonomia, já que os alunos precisaram se organizar para estudar individualmente e a realizar pesquisas e trabalhos de maneira mais independente.
A evasão escolar na transição do Ensino Fundamental para o Médio também precisa ser um ponto de atenção para os professores e para as escolas em 2021. A crise econômica, a pandemia e a dificuldade para acompanhar as aulas de maneira remota contribuíram para o agravamento do quadro.
“Vemos isso claramente quando há a distribuição de cestas básicas para as famílias dos alunos: muitos familiares de alunos evadidos apareceram na escola para receber seu kit alimentar. A escola, então, aproveita essa presença para tentar retomar o vínculo com o estudante”, conta Lorena.
Segundo a professora, combater a evasão escolar passa por medidas como oferecer um Ensino Médio atrativo, com horários flexíveis para aqueles alunos que realmente precisam trabalhar. Além disso, é preciso reforçar para os alunos de 9º ano a importância de se concluir o Ensino Médio para a sua formação como cidadão e futuro profissional.
Para Kátia Chiaradia, o ideal é que haja mais programas de apoio para que os alunos possam permanecer na escola. No entanto, tal ação não depende da vontade individual dos educadores, mas, sim, de uma teia de políticas públicas direcionadas para evitar que o aluno saia da escola. “Os estudantes abandonam porque precisam”, reforça Kátia.
Trazer as famílias para perto da escola também pode ser uma forma de elevar o engajamento, o que tem efeitos tanto para uma transição mais tranquila para o Ensino Médio quanto no combate ao abandono dos estudos.
“As famílias precisam ser parceiras da escola e compreender que um filho no Ensino Médio não significa um autônomo”, destaca Lorena. A professora sugere a criação de conselhos escolares, reuniões de pais regulares e, por conta do momento, a utilização de grupos de mensagem nas redes sociais, em especial no WhatsApp. “São maneiras de manter os responsáveis mais próximos da escola”, afirma.
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