Afeganistão e Talibã: pontos focais para acompanhar o que está acontecendo
O que é essencial saber sobre o território (e seu povo) antes de levar o assunto para as aulas de História e Geografia do Ensino Fundamental
Foi tudo bem rápido: a volta de Talibãs armados no Afeganistão, a retirada das tropas dos Estados Unidos após duas décadas de guerra e a crise generalizada recolocaram o país no centro do noticiário a poucos dias da marca de 20 anos dos atentados terroristas de 11 de setembro.
O que é essencial saber antes de começar a planejar atividades, preparar as aulas ou tirar dúvidas dos alunos sobre o Afeganistão e o Talibã?
Elencamos quatro pontos fundamentais para acompanhar o que está acontecendo em 2021 e entender mais sobre o conflito, a crise e a história do país com a ajuda do jornalista e professor de Relações Internacionais José Antônio Lima, doutorando na área na Universidade de São Paulo (USP).
RAIO X - AFEGANISTÃO
Características: País montanhoso e sem acesso ao mar, situado na parte sul do centro da Ásia. Faz fronteira com o Irã (oeste), ao sul e ao leste com o Paquistão, ao leste pela China e com três ex-repúblicas soviéticas (Turcomenistão, Uzbequistão e Tadjiquistão) ao norte. A maior parte do país fica em um alto planalto e a vasta cadeia de montanhas Hindu Kush domina a região oriental. Tem baixos índices de desenvolvimento e grande parte da população vive na pobreza e em vulnerabilidade social. O cultivo de papoulas (planta de onde o ópio é extraído) é a principal fonte econômica.
População: 37,5 milhões de habitantes* de diferentes grupos étnicos. Metade (52%) identifica-se como pathan, ou pashtun, e outros 20% são tadjiques. Uzbeques (8%), hazaras (8%), animais (3%), turcomenos (2%) e baluques (1%) compõem o resto da população. As duas línguas oficiais são dari (persa) e pachto.
*2,6 milhões de refugiados vivem em outros países.
Fontes: Dicionário da História do Mundo, de Edmund Wright e Jonathan Law (Editora Autêntica, 2020); CIA Factbook.
Retirada dos EUA após 20 anos de guerra contra o Talibã
Em 31 de agosto de 2021, o último soldado americano deixou o território afegão em um avião militar após 20 anos de guerra. A desmobilização americana envolveu a retirada do efetivo militar, dos diplomatas e funcionários do governo e um atentado no aeroporto da capital Cabul que matou 13 soldados. Estima-se que 500 mil afegãos também saíram do país após a retomada de grande parte do território montanhoso, complexo e diverso pelo grupo extremista Talibã.
As cenas marcam o fim oficial da turbulenta presença militar americana no país asiático, após décadas de conflito e poucas semanas antes dos atentados terroristas de 11/09, uma das motivações para a entrada dos EUA no território em 2001, completarem 20 anos.
O papel da Guerra Fria e do imperialismo no Afeganistão de hoje
Para entender o que está acontecendo agora, é preciso voltar ao tempo da Guerra Fria (1947-1991), momento histórico marcado pela disputa militar, ideológica e econômica entre Estados Unidos e União Soviética (URSS) no mundo. Tanto um quanto o outro buscavam conter todos os avanços territoriais do polo oposto.
“Durante a Guerra Fria, vigorava a ideia do efeito dominó, de que um país comunista poderia acarretar, vamos dizer, na ‘comunistização’ da região inteira”, contextualiza o jornalista e professor José Antônio Lima, especialista em Oriente Médio.
Faz parte da equação também o imperialismo soviético e, posteriormente, americano na região. Em 1979, a potência soviética invadiu e tentou controlar o território afegão, de maioria muçulmana, ao longo de 10 anos.
Na polarização da época, os EUA passaram a intervir fortemente no local ao lado da Arábia Saudita, fornecendo armas, equipamentos e apoio para grupos de afegãos participarem do combate contra os soviéticos. Entre eles, árabes-afegãos, como Osama bin Laden (1957-2011), que nasceu na Arábia Saudita. Durante o conflito, 6 milhões de refugiados fugiram para o Paquistão e o Irã. Em 1989, o governo pró-soviético foi substituído por um Estado islâmico.
Talibã, Al-Qaeda e guerra civil em um país complexo
A saída da União Soviética da região e a crise generalizada criou terreno fértil nos anos 90 para o surgimento de grupos extremistas, adeptos do terrorismo, armados e com uma visão restrita da religião islâmica, como a Al-Qaeda.
A organização nasce justamente nesse contexto e é formada por homens de diferentes nacionalidades dispostos a impor uma visão beligerante e fundamentalista da religião muçulmana.
Esses grupos ganharam relevância política ao lutar contra militares soviéticos e após a saída da potência do território afegão, em 1989.
Osama Bin Laden fez parte desse grupo, mas outra figura-chave no nascimento da Al Qaeda é seu mentor, o palestino Abdullah Azzam. Ele desenvolveu, aplicou e internacionalizou o movimento jihadista ao defender que métodos violentos devem ser empregados não só quando o território em que se vive é invadido por uma força estrangeira, mas também diante do que via como intervenções externas em países e locais sagrados para os muçulmanos pelos Estados Unidos.
“O movimento jihadista internacional liderado pela Al-Qaeda foi uma resposta ao imperialismo soviético no período em que a URSS ocupava o território afegão. Após a Guerra Fria, o novo alvo passou a ser o imperialismo norte-americano”, explica José Antônio, da USP.
Em 1996, um desses grupos, o Talibã, chega ao poder e passa a impor um governo fundamentalista religioso marcado pela violência e supressão dos direitos das mulheres, inclusive o acesso à Educação, ainda hoje um dos mais baixos do mundo, no território afegão. Nesse contexto, Bin Laden usa o Afeganistão como base para atrair, treinar e executar ataques terroristas coordenados contra alvos americanos, cujo ápice se deu no ataque contra as torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York, em 11 de Setembro de 2001.
Terrorismo, 11/9, invasão americana e islamofobia
A declaração de guerra da Al-Qaeda, liderada por Bin Laden, e a lealdade dele ao Talibã culminou no sequestro de três aviões comerciais nos Estados Unidos, dois deles sequestrados por 19 terroristas da organização e lançados contra o World Trade Center, conhecido como as Torres Gêmeas, em Nova York, matando ao menos 3 mil (além da colisão de uma terceira aeronave no Pentágono, em Washington), chocando o mundo e alterando a geopolítica do início do século 21.
“A invasão dos EUA no Afeganistão em 2001 se dá porque o Talibã não quis entregar Osama bin Laden ao governo norte-americano. Se o Talibã tivesse entregado, a invasão simplesmente não teria acontecido”, explica José Antonio. “Além de pegarem Bin Laden, os EUA queriam que o território afegão não fosse mais utilizado para atacar o Ocidente, principalmente os EUA.”
Embora não culpasse diretamente as pessoas de fé islâmica, a movimentação exacerbou a islamofobia e a associação entre muçulmanos e terroristas, com sérios reflexos até hoje.
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Retirada das tropas dos EUA após 20 anos de guerra
A invasão pelos Estados Unidos durou 20 anos. Osama bin Laden foi morto no Paquistão por tropas americanas dez anos depois do início do conflito, já no governo de Barack Obama (2008-2016).
Ao longo da década 2010, os EUA foram desmobilizando as forças militares na região e, mais recentemente, em acordo feito por Donald Trump com o Talibã, em fevereiro de 2020, determinou-se a saída das tropas norte-americanas do território afegão em até 14 meses.
Em troca, o Talibã prometeu que não permitiria que seus membros ou outros indivíduos e grupos, incluindo a Al-Qaeda, usassem o território afegão para ameaçar a segurança dos EUA e de seus aliados.
A saída, porém, acabou sendo adiada e consolidou-se no dia 30 de agosto de 2021, já com o Talibã ocupando o poder em Cabul e na maior parte do espaço afegão, logo após a fuga do presidente Ashraf Ghani do país.
Refugiados, direitos da mulher e crise humanitária: o que vai acontecer a seguir?
Não há muita nitidez dos próximos capítulos para aquele que continua sendo um dos países mais pobres do mundo.
Na análise do especialista em Relações Internacionais José Antônio Lima, não se sabe exatamente qual política externa o Talibã vai adotar nem como vão lidar com fronteiras, inimigos e aliados.
Mas há alguns países que estão alertas para o que está por vir: EUA, Rússia e China estão entre eles. Outros, como os vizinhos Paquistão, Índia e Irã, amém da Arábia Saudita, também estão atentos.
Há preocupação internacional com os 37,5 milhões de habitantes e os 2,6 milhões de refugiados afegãos. A ONU estima que até o fim do ano outro meio milhão possam deixar o país e pediu cooperação internacional para acolher os refugiados, entre eles, mulheres e crianças.
Os afegãos já convivem com a fome, a violência, a pobreza e os índices de expectativas de vida mais baixos e de mortalidade infantil mais altos do mundo. Há também preocupação com os direitos humanos: da última vez que o Talibã governou o país, impôs sérias restrições às mulheres, inclusive excluindo-as das atividades escolares.
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