Ciência da Natureza

Cop26 e IPCC: como ler as informações científicas sobre o clima com seus alunos

Prepare-se para contextualizar as discussões sobre a emergência climática global e combater as fake news com as turmas do 6º ao 9º ano

Ilustração abstrata de aluno revelando uma cena de matas verdes abaixo de uma cena de queimadas.
Ilustração: Rafaela Pascotto/NOVA ESCOLA

Estudar as mudanças climáticas é um prato cheio para desenvolver uma série de competências e habilidades - além de fundamental para a preservação do planeta. 

Mas para os alunos dos anos finais do Ensino Fundamental pode ser desafiador acessar as informações, sobretudo porque os principais documentos e relatórios acerca do tema costumam ser extensos e produzidos em linguagem científica. 


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Com o apoio dos professores, em especial os da área de Ciências da Natureza, algumas adaptações e muita contextualização, esse desafio pode ficar mais fácil. 

Confira, abaixo, um resumo do último relatório do IPCC (Mudança Climática 2021: a Base das Ciências Físicas) e dicas de como levar informações sobre mudanças climáticas para as turmas, além de um guia de referências com vídeos, livros e outros materiais de apoio.

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1. Raio X - Relatório Mudança Climática 2021

Entenda o novo relatório do IPCC e as previsões científicas para o clima 


Vídeo produzido pela ONU resume as descobertas do relatório do IPCC, publicado em agosto de 2021

O que é o relatório Mudança Climática 2021?

O relatório Mudança Climática 2021: a Base das Ciências Físicas, do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), principal referência no assunto, foi divulgado em agosto, em meio a picos de calor recordes na América do Norte, às enchentes pela Europa e Ásia e logo após nevar no Sul do Brasil, eventos extremos que, como o documento indica, já afetam o mundo inteiro e devem se tornar cada vez mais frequentes e intensos, fruto do aquecimento global. 

Qual o papel da ação humana na crise climática

Ao longo das últimas décadas, os cientistas vêm alertando para uma intensificação do efeito estufa, causado pelo aumento nas concentrações dos gases que o formam, com consequente elevação da temperatura média da atmosfera e dos oceanos e diminuição das quantidades de neve e gelo. 

A comunidade científica buscava entender se esse seria um processo natural da Terra, como já aconteceu em outros períodos da história, ou se seria fruto de ações humanas. Agora, batem o martelo: "É inequívoco que a influência humana aqueceu a atmosfera, o oceano e a terra", diz o IPCC.

Quais as principais previsões da comunidade científica sobre a elevação da temperatura no planeta

A previsão dos cientistas é de que a média da temperatura global aumente em 1,5 grau Celsius, antes de 2050, podendo chegar a 2 graus até o final do século se não houver significativas reduções nas emissões de gases formadores do efeito estufa (GEEs) nas próximas décadas. A crise, contudo, é tão drástica e urgente que, mesmo controlando as emissões e mantendo o aumento em torno de 1,5 grau até 2100, certas alterações são incontornáveis: “Algumas das mudanças - como o aumento contínuo do nível do mar - são irreversíveis ao longo de centenas até milhares de anos", aponta o relatório.

O que se sabe sobre as consequências das mudanças climáticas para o meio ambiente e as populações

As previsões das consequências desse aumento de temperatura variam de acordo com a elevação na temperatura global que podemos alcançar e a trajetória de emissões e remoções de GEEs. No cenário de aumento em 1,5 grau, haverá mais eventos extremos, sobretudo ondas de calor. Para o aumento em 2 graus, o calor atingirá mais frequentemente o nível crítico de tolerância para áreas, como agricultura e saúde, com mudanças em padrões de umidade e aridez. 

Há dados que apontam que os oceanos podem subir até dois metros até o fim deste século e até cinco metros até 2150, causando enchentes e erosão em ilhas e cidades costeiras e afetando ecossistemas dos mares e pessoas que dependem deles. Também preveem mais tempestades e inundações, secas mais intensas em várias regiões e o aumento da precipitação em zonas altas, diminuindo em grande parte nas regiões subtropicais. Deve haver, ainda, degelo do solo permanentemente gelado, perda da cobertura de neve sazonal, derretimento de geleiras e glaciares, além da perda de gelo do Oceano Ártico durante o verão.

O que se sabe sobre os impactos na América do Sul e no Brasil

O relatório do IPCC também traz estudos sobre como as mudanças climáticas devem impactar a América do Sul. Em suma, as temperaturas médias e o nível do mar já aumentaram e devem continuar nessa tendência a taxas maiores do que a média global. Há previsões de ondas de calor, aumento de seca e aridez, tempestades e inundações extremas, atrasos nas monções sul-americanas e, na Amazônia, o número de dias por ano com temperaturas máximas superiores a 35 graus centígrados deve aumentar.

Fontes: Relatório Mudança Climática 2021 (em inglês) e informações o mesmo documento sobre a América do Sul, Norte e Central

2. Orientações para explorar os documentos do IPCC e outras informações científicas sobre as mudanças climáticas globais 

Pergunte o que os alunos já sabem sobre o tema

Mapear os conhecimentos prévios dos estudantes ajuda a entender o nível da turma e delinear o planejamento das aulas. “Estimule que discutam, estejam abertos à pluralidade de ideias, que possam aprender a discordar e argumentar, e que busquem soluções individuais e coletivas”, aconselha Cíntia Diógenes, bióloga e especialista em Ciências do Time de Autores de NOVA ESCOLA. 

Apresente o IPCC

O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas é um órgão das Nações Unidas composto por representantes de 195 países. O IPCC não produz pesquisa, mas reúne as principais pesquisas científicas produzidas ao redor do mundo sobre o tema e faz uma avaliação e interpretação das informações. Pode-se interpretar o resultado como um resumo ou consenso da comunidade científica mundial a respeito da crise climática. É nesse sentido que seus relatórios são a principal referência.

Explique o que são os Relatórios de Avaliação

O painel já divulgou cinco relatórios completos e, neste ano, iniciou a publicação do sexto, que será feito em três partes correspondentes a cada grupo de trabalho: Ciência da Mudança Climática; Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade; e Mitigação da Mudança Climática. A primeira parte, Mudança Climática 2021: a Base das Ciências Físicas, foi divulgada em agosto e traz a compreensão física mais atualizada do sistema climático e das mudanças climáticas, reunindo os últimos avanços na ciência do clima e combinando várias linhas de evidências, como o paleoclima.

Naveguem pelas informações

O último documento divulgado tem perto de 1,8 mil páginas. Por sorte, o IPCC também produz um resumo com as principais informações e, no início de cada capítulo do relatório, também há uma síntese. Mas, para começar, o professor pode buscar reportagens de sites confiáveis que traduzam os principais achados e compartilhar com a turma. “Nessas buscas, vale atenção à data de publicação, porque esse é um assunto que se alterou ao longo dos anos, então precisa ser atualizado. Depois, o docente pode se voltar para o relatório e se aprofundar na área que deseja”, orienta o professor de Geografia Leandro Fabrício Campelo, do Time de Autores de NOVA ESCOLA. 

Analisem gráficos e mapas

Os relatórios do IPCC são repletos de recursos visuais que ajudam a interpretar as informações, localizá-las geograficamente e podem render outros estudos. “O principal gráfico é o que mostra o aumento da temperatura do planeta de 1840 até 2020”, destaca Leandro.

Como lidar com discursos negacionistas, fake news e desinformação sobre o clima

Os especialistas explicam que uma parte minoritária de cientistas defende que o aquecimento da terra é resultado de fatores naturais e não de ações humanas, mas usam argumentos científicos para advogar a favor dessa visão. 

Já parte da sociedade se apropria dessa divergência para espalhar negacionismos e desinformações, sobretudo setores que não se beneficiariam com as restrições às emissões de gases de efeito estufa, e esses discursos podem reverberar em sala de aula. 

Para lidar com isso, vale mostrar a evolução do pensamento científico em torno das mudanças climáticas: os primeiros relatórios do IPCC usavam termos como “sugere”, “é atribuível”, para relacionar as atividades humanas ao aumento das concentrações de gases de efeito estufa. O último diz que é “inequívoca” essa relação, o que equivale em termos científicos de 90% a 100% de certeza. 

“É importante pesquisar e investigar com a turma sobre como esses dados são obtidos, por exemplo em relação ao aumento do nível do mar e de poluição, o que torna o processo mais claro para eles”, explica a professora Cíntia Diógenes. “Também é papel da escola trabalhar a questão das fake news e ensinar os estudantes a checarem fontes e analisarem informações”, complementa Leandro.

O que é a COP26 e para que servem os relatórios sobre o clima

O novo documento do IPCC foi lançado poucos meses antes da COP26 (Conferência do Clima), que será realizada em novembro em Glasgow, na Escócia, indicando que ele provavelmente será a base das negociações entre os países. 

Nesse ponto, o IPCC tem histórico: o relatório anterior firmou o alicerce para o acordo climático de Paris. Assim, vale a pena conversar com a turma sobre o papel dos governantes na emergência climática, os históricos dessas reuniões sobre clima e estender as discussões até o resultado da COP26. 

Também pode ser interessante apresentar as diferentes propostas que cientistas apresentam como soluções para o problema, a exemplo das tecnologias de captura de carbono, uso de "hidrogênio verde" e eliminação de uso de carros movidos a combustíveis fósseis, ação já prevista em países como Alemanha e Inglaterra.

Outro assunto importante é a possibilidade de se criar um Fundo Verde para países desenvolvidos auxiliarem países em desenvolvimento a reduzir emissões de gases de efeito estufa.

Como engajar os estudantes

O ideal é enlaçar a apresentação dessas informações e estudos a uma metodologia ativa, como a aprendizagem baseada em projetos, para que os estudantes fiquem curiosos para saber mais e saiam em busca de informações, com apoio do professor, a fim de refletir e mobilizá-los em uma produção ou projeto. “Pode ser interessante convidar os estudantes a pensarem quais ações podem tomar para pressionar o poder público ou criarem um projeto de como tornar o bairro e a escola mais sustentáveis. Como é algo mais próximo, é mais fácil de se engajarem e poderem tomar decisões e construir saberes”, sugere o professor Leandro. 

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