Como a História registra as mudanças climáticas?
Novas tecnologias e conhecimentos interdisciplinares estão ajudando os historiadores a entenderem melhor a relação entre o clima e as sociedades do passado. Saiba como incluir a discussão nas aulas de História
Dentre os vários mistérios da história antiga, um deles intriga os cientistas em particular: o que aconteceu no final da Era do Bronze para dizimar, praticamente de uma vez só, oito potentes civilizações que se estendiam da Grécia ao Egito e a Mesopotâmia? A princípio, os historiadores atribuíam a conflitos com povos bárbaros, vindos de além-mar, provavelmente em busca de melhores condições de vida.
Novas tecnologias e estudos da paleoclimatologia, que investiga as condições climáticas da Terra há muitos milhares de anos, trazem uma nova hipótese, indicando que estamos mais à mercê das forças da natureza do que gostaríamos de acreditar.
Para os estudantes, essa é uma oportunidade de conhecer mais sobre essas civilizações e os impactos que mudanças climáticas podem ter sobre a humanidade e, sobretudo, diferenciar causas naturais das ações humanas.
Como incluir as mudanças climáticas nas aulas de História?
Confira sugestões do especialista em História antiga, Guilherme Moerbeck, para conectar os temas nas aulas do 6º ao 9º ano
1. Aproveite a História antiga
Sobretudo no 6º ano do Ensino Fundamental, os estudantes exploram a História antiga. Conhecer esse período e relacioná-lo às mudanças climáticas daquela época e à atual pode ser um bom caminho para abordar o tema também nos anos seguintes e ampliar a compreensão que eles têm da relação entre a vida humana e a natureza.
“Eu costumo dizer que a História é muito mais uma ciência do presente, pois ela nos ajuda, a todo momento, a nos movimentarmos no mundo em que vivemos, a entendê-lo melhor. Especialmente na escola, essa é a função da História – preparar os alunos e alunas para a vida e para o exercício de uma cidadania crítica”, diz o professor Guilherme Moerbeck, do Departamento de História da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), coordenador do Didask?/Uerj e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre a Cidade Antiga (Labeca/MAE/USP).
2. Explore a noção de mudança na História
O especialista explica que há uma noção fundamental para os historiadores que conecta a crise climática ao componente curricular História: a mudança. Ela nos leva refletir sobre causa, consequências e quanto tempo demorou para mudar algo que, à primeira vista, parecia imutável para as sociedades e culturas.
“Essa compreensão pode auxiliar no desenvolvimento do pensamento histórico das crianças e adolescentes, uma forma de pensar crítica e, em particular, desconfiada das informações que circulam pelo mundo da informação, especialmente aquelas que vêm de lugares não confiáveis. Uma das habilidades mais importantes a serem ensinadas à geração Z é a de saber selecionar a informação que está disponível na rede. Sem isso, crianças e adolescentes parecem “bebês na floresta” informacional, para tomar uma palavra utilizada por Sam Wineburg (2019), reproduzindo os mesmos erros, preconceitos e discursos não científicos que permeiam a selva interativa da WEB 2.0”, explica Guilherme.
3. Analise o processo de sedentarização das populações humanas
Para viajar no tempo com a turma e explorar essas questões, o professor destaca dois períodos históricos cruciais: o Paleolítico Superior e a Revolução Industrial.
A primeira parada corresponde aos períodos mais recentes do Pleistoceno, quando o gênero Homo se refugiou em cavernas e produziu vastas inscrições e desenhos em suas paredes.
Vale olhar para a relação com o fogo e a vida cotidiana, a caça e a coleta, as formas de divisão de trabalho, e a megafauna - animais gigantescos que aguçam a curiosidade das crianças do 6º ano, como no filme A Era do Gelo (2002).
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Arte Rupestre: As diferentes marcas deixadas pelo homem pré-histórico
“Tudo isso pode ser interessante para se pensar os processos de sedentarização da Humanidade a partir do período seguinte, o Neolítico. Afinal, o que seriam essas transformações? Quais foram suas implicações no modo de vida, na alimentação, na relação com a natureza, com a domesticação de animais e com o início das noções de arquitetura? Aqui, a mudança climática é a força motriz de um processo ao qual a Humanidade vai se adaptando, transformando profundamente o seu modo de vida e a própria natureza”, afirma o professor.
4. Vá até a Revolução Industrial e faça conexões com o presente
Após um salto enorme no tempo, a parada seguinte é a Revolução Industrial, tema tradicional na Educação Básica. É o momento em que a Humanidade leva a natureza à degradação graças a processos de mecanização, ao aumento da produção de equipamentos e à indústria dos alimentos, entre outros fatores. Isso muda a relação com os campos, nos quais as culturas se tornam mais intensivas, destrói florestas e mananciais, polui com agentes químicos e combustíveis de origem fóssil.
“Esse admirável mundo novo pode levar os alunos a refletirem de maneira crítica sobre qual tipo de modernidade se quer e se a noção de progresso pode ser considerada sempre positiva”, observa Guilherme.
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Contando a história da Revolução Industrial por meio das máquinas
O especialista também recomenda retomar assuntos atuais, como o significativo desmatamento da Amazônia e o impacto para as populações indígenas, para auxiliar na construção de um mundo mais solidário e preocupado com a natureza.
“É imperativo pensar e aprender com os indígenas andinos, como nos é apresentado o último relatório da Unesco sobre a Educação. Tomemos o conceito andino Sumak Kawsay – “bem viver”. Na língua quéchua, significa a “harmonia entre os seres humanos, bem como entre estes e seu meio ambiente natural”. Além disso, não se esquecer da inspiração de Ulpiano Bezerra de Meneses: “É possível ensinar história sem ensinar a fazer história? É possível aprender história sem aprender a fazer História?”. A resposta dele é 'não' e é também a minha. Então, vamos ensinar os alunos a pensarem como historiadores e a saber indagar melhor o mundo em que vivem”, finaliza.
O colapso da Era do Bronze
Uma série de pesquisadores ao redor do mundo, movidos pela inquietação de que seria pouco provável que apenas uma guerra pudesse derrubar essas grandes civilizações, começou a encontrar outras pistas, como cartas, que àquela época eram mais como tábuas de argila, registrando observações e pedidos de ajuda para lidar com a seca e as mudanças climáticas na região mediterrânea inteira.
Para tentar entender o que ocorreu à época, os cientistas passaram a estudar elementos naturais inusitados, como grãos de pólen preservados na região do Mar da Galileia, plâncton no Mar Mediterrâneo, sedimentos de terra e areia em vários rios, e estalagmites e estalactites em cavernas na Grécia.
Os instrumentos e dispositivos que temos hoje, na melhor das hipóteses, conseguem alcançar apenas os últimos 150 anos, então esses elementos funcionam como relógios geológicos e, ao serem submetidos a uma série de processos e análises, mostram o que acontecia no meio ambiente à época em que foram formados.
As estalactites, por exemplo, funcionam de forma muito semelhante aos anéis do tronco de uma árvore. À medida que a formação rochosa ia crescendo, guardava informações sobre a chuva local que a formou. Ao fazer um corte transversal, é possível recuperar esses dados.
Eric Cline, professor de História Antiga e Arqueologia na Universidade George Washington, nos Estados Unidos, é um dos pioneiros nessas descobertas e afirma que as histórias que esses vestígios naturais contam se repete em diferentes estudos: houve uma mudança climática, provavelmente em decorrência de atividades vulcânicas e outros fatores, que fez com que os anos entre 1225 a.C. e 1175 a.C. fossem os mais secos da Idade do Bronze.
À época, 99% da população era agricultora, então é fácil imaginar a fome e o caos que se instalou e, junto a outros fatores como as guerras, levou ao extermínio das civilizações da época. Esse processo é relatado em detalhes pelo professor no livro 1177 B.C.: The year civilization collapsed, ou, 1177 a.C.: O ano que a Civilização Colapsou” em tradução livre, publicado em 2014 e ainda sem versão em língua portuguesa.
Mudanças climáticas naturais x ação humana
Outros estudos feitos por equipes multidisciplinares, envolvendo Geólogos, Geofísicos, Oceanógrafos, Biólogos, Matemáticos, Geógrafos, Meteorologistas e Arqueólogos, também analisam gelo, anéis de árvores, corais e até lama retirada do fundo do oceano para estudar o clima do passado - ou paleoclima.
É por meio dessas informações que os cientistas conseguiram compreender os sete ciclos de avanço e recuo glacial que aconteceram nos últimos 650 mil anos, e o fim da última era do gelo, há cerca de 11,7 mil anos, que marca o início do clima moderno e da civilização humana. Essas mudanças climáticas ocorreram por causa de alterações na órbita da Terra, conhecidas como ciclos de Milankovitch, que muda de tempos em tempos a forma como a radiação solar chega na superfície terrestre, afetando o padrão mundial de temperaturas, chuvas e neve.
Isso soa como o que está acontecendo agora: um aquecimento global que impacta justamente esses fatores. Mas é também por meio da paleoclimatologia que os cientistas conseguem apontar que as mudanças climáticas de hoje são causadas por atividades antrópicas, ou seja, ações humanas, e não naturais, como as que ocorreram ao longo de toda a história da Terra.
"Muitas das mudanças observadas no clima não têm precedentes em milhares, centenas de milhares de anos”, diz um trecho do último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
Dentre os achados, os cientistas descobriram, por meio de núcleos de gelo retirados da Antártica e da Groenlândia, que o clima da Terra responde às mudanças nos níveis de gases de efeito estufa. Comparando o passado e o presente, perceberam que o aquecimento global atual está ocorrendo cerca de dez vezes mais rápido que a taxa média de aquecimento de recuperação da era do gelo, e que o dióxido de carbono fruto das ações humanas está aumentando mais de 250 vezes mais rápido que de fontes naturais após a última Idade do Gelo.
“É muito importante que os estudantes entendam a diferença entre as mudanças climáticas naturais e as que derivam do desregulando do sistema biofísico e geoquímico da Terra por ações humanas. Eles são, talvez, a terceira geração que efetivamente ouve falar das mudanças climáticas, então é um tema novo na história da sociedade e, por isso, é preciso que cada vez mais pessoas compreendam o tema para terem uma atitude responsável e começarem a mudar a forma como lidamos com os recursos naturais e com a nossa vida”, reflete Pedro Roberto Jacobi, professor titular sênior do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP) e um dos organizadores do livro Temas Atuais em Mudanças Climáticas para os Ensinos Fundamental e Médio.
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