Reportagem

O rap fala: a escola também é para mim

Conheça a trajetória de Chiquinho Divilas, rapper, educador e pesquisador da inclusão do hip hop na Educação

Ilustração de menina sobre pilha de objetos com braço levantando sinalizando sua vitória.
Ilustração: Mity Dias/NOVA ESCOLA

“Quando uma palavra salva um moleque / uns chamam de conselho, eu chamo de rap”: o verso do rapper Renan Inquérito, intitulado Lição de Casa, abre o prefácio do livro Cultura Hip Hop nas escolas: o rap também fala, de autoria do mestre em Diversidade Cultural e Inclusão Social, relações públicas, rapper, educador social e pesquisador Chiquinho Divilas. Mas até chegar aqui, com todos esses títulos e habilitações, Chiquinho antes foi um menino da periferia que acreditava que a escola não era para ele. 


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A escola também achava que o menino inquieto não dava para essa coisa de Educação, que sem opção, foi para a rua. Rua de uma periferia pequena de Caxias do Sul, mas com taxas de criminalidade já muito altas na década de 1990. É nesse contexto que surge um disco dos Racionais MC's. 

Nessa época Chiquinho deveria estar cursando o Ensino Médio. Um vizinho vindo de São Paulo atrás de trabalho nas recém-instaladas metalúrgicas da cidade, trazia na mala discos de Gog, Thaíde e DJ 1. Um desses discos era “Escolha seu caminho”, dos Racionais. 

“Eu não escrevia nada no caderno. Tava em branco. Aí comecei a escrever as letras que essa galera cantava nos discos. Mas logo quis fazer o meu rap. Comecei  escrevendo uma linha de autoria minha no fim de cada letra dos discos que eu transcrevi. Era difícil. Tinha que rimar, tinha que ser coerente, e eu não tinha educação forma nenhuma”, conta o escritor. 

Do ex-caderno em branco da escola para as rodas de amigos, muitos já na linha do tiro, Chiquinho foi mostrando seus versos para a comunidade. “Tinha palavra lá que ninguém entendia o que era. Eu copiava do dicionário para rimar. Mas os manos achavam legal”, revela o rapper. E foi fazendo sua palavra que foi convidado por uma liderança comunitária para apresentar seu rap no Dia das Crianças do bairro, que na época vivia o ápice do tráfico de drogas, segundo o próprio morador. No final da apresentação, uma senhora veio até o então garoto e disse: “Ainda bem que você estudou, meu filho. Essa comunidade precisa de pessoas como você”. 

Chiquinho não teve coragem de dizer que estava fora da escola, e resolveu voltar para fazer o supletivo. “Fui morrendo de medo, mas eu queria. Como eu não entendia nada, eu rimava tudo. Rimava Geografia, rimava proparoxítona, rimava fórmula de Física. Um dia uma professora abençoada pegou meu caderno e perguntou o que que era aquilo. Aí eu fiquei sabendo que nem todo mundo sabia o que era rap.”

Hoje, Chiquinho tem o projeto Rap Nas Escolas, que deu origem a sua pesquisa no mestrado, e que agora virou livro. Uma das atividades centrais no projeto é criar coletivamente uma letra de rap com os alunos, encontrar uma batida já gravada que dê liga com a canção e com a turma, produzindo assim uma linguagem musical e, quem sabe, futuros mc 's. O objetivo da atividade: melhorar o aprendizado dos alunos a partir do envolvimento deles com cultura Hip Hop. 

“Há 24 anos atrás eu cantava (a música) O homem na estrada e o diretor mandava chamar a polícia. Hoje o diretor me liga desesperado dizendo “Chiquinho, os meninos colocaram fogo na cortina. Pelo amor de Deus, vem conversar com eles”, zomba o educador social. 

Além do medo da violência contra os jovens periféricos, uma das principais preocupações do projeto é com a evasão escolar. Nos Anos Finais do Ensino Fundamental e início do Ensino Médio, fase naturalmente complexa para os adolescentes, os índices de abandono escolar aumentam consideravelmente. O empobrecimento da população, o desemprego, e a pandemia de Covid-19 têm agravado esse quadro. Nesse cenário, a parceria do projeto com as escolas está ganhando força. 

“Há pouco tempo fomos com o projeto em uma escola, e para minha surpresa os professores pegaram o microfone e começaram a rimar. Para mim ficou muito claro, os professores estavam dizendo ‘gente, voltem para a escola. a gente gosta das mesmas coisas que vocês’. E a molecada ficou eufórica com aquilo”, conta. 

O projeto defende que “as letras de rap com teor de críticas sociais podem ser analisadas em sala de aula e interpretadas de acordo com suas realidades e aproximação do bairro/escola. Além disso, expõem a desigualdade social, cenário em que muitos estudantes se encontram. É a literatura através da letra do rap.”

No livro Cultura Hip Hop nas escolas é possível encontrar uma consistente história da cultura Hip Hop. Há ainda o capítulo RAPensando a Educação, fruto da tese de mestrado do também pesquisador, que relata experiências de projetos educacionais que usaram o rap como ponte de diálogo entre educadores e estudantes, e a partir do que é possível trabalhar linguagens diversas, habilidades socioemocionais além da subjetividade, identificação e análise crítica dos alunos. Afinal, como reflete a letra de Chiquinho: “O rap fala, exala, incomoda / Errou quem pensou que é moda / O rap é professor, é treinador, acalma, suaviza, é apaziguado / A luz na escuridão é pro mendigo, é pro recluso / Norteia a mente de quem está confuso / É resgatador, o Rap fala, tá ligado? E sem meias-verdades, sem agrado ele dá o recado”.

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