Cultura de Angola: o que ler e ouvir com os alunos do Fundamental 2
Conheça uma seleção de livros, músicas, filmes, shows e outras produções culturais que mostram a potência da cultura africana e afro-brasileira para acessar com os alunos e saber mais sobre o continente africano
A integração entre Brasil e Angola vai muito além da língua. Mas, certamente, o português é a conexão que permite um intercâmbio cultural mais fácil entre os dois países. Para reunir uma lista do que ler e ouvir com os alunos dos anos finais do Fundamental e também ajudar os professores no preparo de suas aulas sobre Angola e o continente africano, NOVA ESCOLA criou uma lista com livros, músicas e filmes.
Para reunir o material, a reportagem ouviu Fábio Baqueiro Figueiredo, doutor em Estudos Étnicos e Africanos pela UFBA e professor da Unilab; Cláudio Honorato, doutorando em História pela UniRio e coordenador da pós-graduação em História da África do Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos (IPN); Flávia Carvalho, professora de História da África na Ufal e doutora em História Social pela UFF; Rosa Margarida Rocha, pedagoga, mestra em Educação pela UEMG e especialista em didática e estudos africanos e afro-brasileiros; e Sherol dos Santos, doutoranda em História pela UFRGS e professora do Time de Formadores de NOVA ESCOLA. Confira.
PARA OS PROFESSORES
O perigo de uma história única, Chimamanda Ngozi Adichie. Cia. das Letras, 2019
O que sabemos sobre outras pessoas? Como criamos a imagem que temos de cada povo? Nosso conhecimento é construído pelas histórias que escutamos, e quanto maior for o número de narrativas diversas mais completa será nossa compreensão sobre determinado assunto.
É propondo essa ideia, de diversificarmos as fontes do conhecimento e sermos cautelosos ao ouvir somente uma versão da história, é que Chimamanda Ngozi Adichie constrói a palestra que foi adaptada para livro. "O perigo de uma história única" é uma versão da primeira fala feita por Chimamanda no programa TED Talk, em 2009. Dez anos depois, o vídeo é um dos mais acessados da plataforma, com cerca de 18 milhões de visualizações.
Por que é importante: o livro contribuiu para desconstruir a ideia de que todos os africanos são iguais, de que a cultura é homogênea.
Kizombas, andanças e festanças, Martinho da Vila. Editora L. Christiano, 1992
A autobiografia de Martinho da Vila não se restringe a um livro de memórias. Sem qualquer preocupação com ordem cronológica, o autor relembra passagens importantes de sua vida, valoriza momentos inesquecíveis de sua escola de samba, a Unidos de Vila Isabel, recorda as viagens à Angola de seus ancestrais e rememora instantes empolgantes de sua carreira.
O autor, que assina alguns dos maiores sucessos da música brasileira, faz um verdadeiro manifesto antirracista, no qual entram textos de lei, letras de música e pequenas biografias de negros revolucionários famosos. Há até um passeio pela ficção, em um diálogo imaginário entre os dois mais talentosos filhos do bairro boêmio da zona norte carioca: Martinho e Noel Rosa.
Por que é importante: em uma narrativa leve e coloquial, o autor reafirma suas raízes com o país africano apresentando a forte influência dos povos escravizados na constituição da cultura afro-brasileira.
PARA OS ALUNOS
Rainha Ginga: Guerreira de Angola, Mariana Bracks Fonseca (autora) e Mestre João Angoleiro (ilustrador) - e-book - 6º ao 9º ano
O livro em quadrinhos traz a história da poderosa rainha angolana que viveu no século 17 e enfrentou os portugueses durante a articulação do tráfico negreiro. Fruto das pesquisas de mestrado e doutorado em História (USP), o livro traz em linguagem simples e envolvente a vida dessa mulher, que se tornou símbolo da resistência africana ante a colonização portuguesa. As ilustrações do mestre de capoeira angola e dança-afro Mestre João Angoleiro revelam a corporeidade africana e a riqueza da cultura africana.
Por que é importante: Material paradidático para o ensino da História Africana e Cultura Afro-brasileira nas escolas, uma forma eficaz de trazer o conteúdo de forma interdisciplinar e lúdica.
Njinga Mbande: Rainha do Ndongo e do Matamba - Série Unesco Mulheres na História da África. Unesco, 2014 - 6º ao 9º ano
O e-book é uma produção da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, publicado em 2014. A série é em formato de quadrinhos e conta a biografia de lideranças femininas que se destacaram no continente africano desde a luta pelo direito das mulheres e de seus territórios até as ameaças ao meio ambiente. Apenas este foi traduzido ao português.
Ao todo, são 56 páginas que, ao tratar da história da rainha Njinga, também faz conexões com a história de Angola e seus desafios, como o tráfico de escravizados, construção de identidade da população e como a figura e atitudes de Njinga inspiraram diversas religiões de origem africana.
Por que é importante: Além de conteúdos descritivos, a publicação também conta com dossiê pedagógico e uma história em quadrinhos qua ajudam a compreender e trabalhar melhor a biografia abordada. Para baixar clique aqui.
A Parábola do Cágado Velho, Pepetela. D. Quixote, 2012 - 7º ao 9º ano
Nesse romance que se passa em Angola nos dias atuais Pepetela repensa a história do país, dando voz aos habitantes do mundo rural. Na narrativa, Ulume revisita, através das memórias, a história da guerra civil que se desenvolve em paralelo com uma história de amor.
Por que é importante: Por meio da ficção, a obra traz elementos da história de Angola e do modo de vida de seus habitantes, com tradições ancestrais presentes ainda hoje no cotidiano de seus habitantes.
Com os Pés na África, Sergio Tulio Caldas. Editora Moderna, 2016 - 7º ao 9º ano
Depois de ganhar um prêmio em um programa de quiz da televisão, o jovem Tulio joga a mochila nas costas e parte para ver o mundo. O primeiro destino é a África. Em uma terra desconhecida, Tulio passa por perrengues, faz descobertas, encara riscos e encontra pessoas com valores diferentes dos seus. Enquanto viaja, vai aprendendo sobre história, geografia, natureza e a cultura das regiões que visita. Nessa jornada, o personagem torna-se uma importante testemunha dos nossos tempos.
Por que é importante: Os países africanos visitados pelo personagem são apresentados ao leitor pelo olhar de alguém da mesma faixa etária a que o livro se destina, o que facilita a identificação e a adesão dos alunos à leitura. O livro traz, ainda, sugestões aos professores de como trabalhá-lo em sala de aula e interação com o leitor: por meio de um QR Code é possível ouvir músicas e assistir vídeos que dialogam com a narrativa.
África e Brasil Africano, Marina de Mello e Souza. Ática, 2019 - 8º e 9º ano
Esse livro paradidático traz um consistente panorama da formação do continente e das sociedades africanas, o comércio de escravos para a América e a integração de seus descendentes à nossa sociedade, até a contemporaneidade. A obra apresenta ainda rica iconografia.
Por que é importante: Traz um conjunto rico de informações sobre o continente africano capaz de trazer aos alunos do Fundamental 2 ferramentas para que eles desconstruam os estereótipos sobre a África e as influências trazidas ao Brasil pelos povos escravizados.
A Vida Verdadeira de Domingos Xavier, Luandino Vieira. Editora Caminho, 2012 - 9º ano
Primeira novela de Luandino Vieira, foi escrita em 1961, entre dois períodos de prisão do autor, no mesmo ano em que os militares nacionalistas lançaram um ataque armado contra as prisões de Luanda para libertar companheiros presos. Esse fato desencadeou a luta pela libertação de Angola, que conquistou a independência em 1975.
Seu fio narrativo desenvolve-se justamente em torno das violências praticadas nos calabouços da polícia, dos sofrimentos impostos pela dominação colonial e as formas de resistência interpostas pela população dominada.
Por que é importante: O livro retrata a luta do povo angolano por sua independência com relação a Portugal e a forte repressão da colônia sobre as forças insurgentes.
Morena de Angola, música de Chico Buarque - 7º ao 9º ano
A canção de Chico Buarque de Hollanda foi originalmente interpretada por Clara Nunes no álbum Brasil Mestiço, lançado em 1980. Composta a pedido da cantora, a canção se tornaria uma das mais famosas de sua carreira.
A ideia para a canção surgiu enquanto os artistas estavam num ônibus a caminho da praia de Caotinha, em Benguela, Angola. Clara, conversando com Chico sobre o conceito de seu álbum, sugeriu que ele compusesse uma canção para ela. No mesmo dia, à noite, seguiram para o morro da Catumbela, onde assistiram a uma apresentação de cantos e danças típicas. Referências a todos esses locais estão presentes na letra da canção que, segundo Chico, conta "a história toda" da viagem. O próprio termo "Morena", no título da canção, pode ser uma referência a uma famosa praia de Benguela.
A canção conta a história de uma morena que "leva o chocalho amarrado na canela". Na dança, conhecida como moçambique, um pequeno chocalho feito de palha trançada, cujo interior é cheio de pedras ou garrafas, costuma ser amarrado nas canelas dos dançarinos. Há também uma referência à receita de galinha à cabidela, prato tradicional de ex-colônias portuguesas no qual se cozinha o arroz com o sangue e a carne do animal. O verso Passando pelo regimento, ela faz requebrar a sentinela faz referência à Guerra Civil Angolana, indicando que os sentinelas não resistiriam ao requebrado da morena. Outro verso que faz referência à guerra civil é Será que ela não fica afoita pra dançar na chama da batalha?
Por que é importante: A canção foi lançada apenas cinco anos depois da Independência de Angola e mostra a forte interação cultural entre os dois países, em especial o interesse que a intelectualidade brasileira da época tinha em “descobrir”. Pode ser trabalhada em sala de aula para abordar as semelhanças e diferenças culturais entre os dois países lusófonos, além de permitir a abordagem do processo de Independência de Angola.
Nós e os Outros, música do rapper Ikonoklasta (Luaty Beirão) - 8º e 9º ano
Henrique Luaty da Silva Beirão é rapper e ativista luso-angolano conhecido pelo seu discurso pela liberdade de expressão, democracia e luta anticorrupção.
A música, de 2012, trata da desigualdade da sociedade angolana. Segundo o rapper, a música foi composta para pensar na elite de Angola, as classes média e alta. “É um apelo às suas consciências para que juntem suas vozes ao coro que exclama por justiça, água, luz, saúde e educação, pois nenhuma mudança no mundo se operou sem a intervenção dessas classes”, afirmou à imprensa angolana à época do lançamento.
Por que é importante: O conteúdo da música traz críticas à sociedade angolana e é possível explorar aspectos em comum com o Brasil, como a pobreza e a desigualdade. É possível, ainda, tratar do uso do rap para denúncia das questões sociais em dois países cuja histórias se cruzam. Disponível aqui.
Dar a Cara, música da rapper Khris MC (Khris Mussunda) - 8º e 9º ano
Khris Mussunda é uma das principais vozes femininas do rapper angolano. Conheceu o movimento hip hop ao acompanhar o irmão mais velho, ainda na infância, em batalhas de freestyle. Hoje, usa a música para falar do ambiente onde vive. Faz críticas à desigualdade da sociedade angolana, ao machismo e ao racismo.
Nessa canção, ela fala do próprio poder da palavra como forma de expressão.
Por que é importante: Ao abordar a força da palavra para a transformação social, a canção pode ser usada como incentivo à expressão dos alunos, além de mostrar a integração cultural entre os dois países por meio da cultura pop contemporânea. Disponível aqui.
Cantos de Origem - Show de Jéssica Areias e Cauê Silva (2021) - 8º e 9º ano
Cantora angolana radicada em São Paulo, Jessica Areias produziu em 2021 o show Cantos de Origem com o músico Cauê Silva. A produção une as referências africanas e afro-brasileiras e conta com um repertório de músicas folclóricas de Angola, cantigas de capoeira e do candomblé. É uma oportunidade para visualizar as conexões contemporâneas entre a musicalidade brasileira e a angolana.
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