Consciência Negra

Brasil e Angola: temas para conectar os países nas aulas de História

Aproxime os alunos do universo da África lusófona e do intercâmbio histórico e centenário entre os dois países e apoie a desconstrução de estereótipos sobre o continente africano e seus povos

Ilustração abstrata de elementos da cultura angolana.
Ilustração: Yara Santos/NOVA ESCOLA

Trazer a África para as aulas de História ainda é um desafio para muitos docentes. A exigência da BNCC ainda é relativamente recente e mesmo nas universidades os temas relacionados ao continente ainda são tratados com uma dose de eurocentrismo, o que ajuda a perpetuar estereótipos e invisibilizar contextos e personagens.

Rosa Margarida Rocha, pedagoga, mestra em Educação pela UEMG e especialista em didática e estudos africanos e afro-brasileiros, lembra que um olhar objetivo para o continente africano é importantíssimo quando se vai trabalhar a questão. 

“Os professores devem renovar o conhecimento do continente africano, pois trazemos ainda estereótipos introjetados pela educação que recebemos de forma ampla, da escola, da mídia e da sociedade”, afirma. 

Para a educadora, é preciso desfazer a visão preconceituosa com a construção de uma contraimagem da África, lar de 1,3 bilhão de pessoas distribuídas em 54 países reconhecidos,  feita pelo olhar imperialista. Colocar a África como sujeito, e não como objeto, é o conselho para os professores do Ensino Fundamental.


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Rosa Margarida dá mais duas orientações importantes para trabalhar África em sala de aula: interdisciplinaridade e empatia. A primeira é necessária para chegar a uma historiografia da real situação dos países africanos, ao passo que o cultivo da empatia ajuda o professor a trilhar o caminho do conhecimento necessário para trazer a complexidade e a riqueza da África para as aulas. 

Essa sensibilidade se dá por meio do conhecimento verdadeiro, para se quebrar as ideias estereotipadas ainda presentes. 

“Enxergar de dentro para fora” cada um dos países africanos é a dica de Rosa, que aconselha o professor a buscar também sua própria história para entender melhor o processo de construção do continente. Ao fazer isso, evita-se levar a África do olhar de fora, estereotipada como selvagem, empobrecida ou distante para os alunos. 

Sem espaço para improviso

Para introduzir a história da África na escola, é preciso planejar e organizar o conteúdo para cada um dos níveis de ensino. “Não podemos improvisar”, orienta Rosa Margarida. 

A opinião é compartilhada por Flávia Carvalho, professora de História da África na UFAL e doutora em História Social pela UFF. Segundo ela, para falar sobre África é preciso desconstruir visões equivocadas sobre o continente como um todo e a visão dos povos que migraram compulsoriamente de regiões diversas, a chamada diáspora africana. 

“Isso é prejudicial para entender as heranças africanas que vieram e se modificaram com a diáspora. A África não é só um continente marcado pela fome e pela miséria, isso é simplista. Não podemos engessar esse passado num lugar só. A disciplina História pretende mostrar dinâmicas e transformações no tempo e no espaço”, explica a historiadora.

Raiz africana, língua portuguesa 

Tratar a história dos países africanos lusófonos, isto é, que falam o português ou têm a língua portuguesa como idioma oficial, como o Brasil ou Angola, é fundamental para que possamos entender nossa conexão com a África.

Rosa lembra que estudos genéticos recentes apontam que 73% dos escravizados que vieram para o Brasil eram da região que hoje se chama Angola, que tem o português como um de seus idiomas oficiais. Portanto, traços daquela cultura são parte do que hoje é a cultura brasileira, para além da culinária e das manifestações artísticas. 

“Precisamos entender as outras conexões que foram feitas, as africanidades que foram trazidas e foram ressignificadas aqui, construindo a realidade cultural do Brasil”, afirma. 

Exemplos disso são a organização dos quilombos, as raízes da capoeira, expressões idiomáticas que enriqueceram o português falado no Brasil e elementos banto-católicos que influenciam a vivência religiosa e a própria filosofia de vida no Brasil.

Há ainda o modo de ser e fazer as coisas, que são elementos estruturantes da cosmovisão africana que também foram trazidos, como a ideia de família estendida e a integração do humano com a Natureza.

Para ajudar os professores dos anos finais do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) a abordarem as conexões entre Angola, Brasil e a África que fala português, NOVA ESCOLA BOX contou com a consultoria da historiadora e formadora de professores Sherol dos Santos e ouviu especialistas para elencar temas e orientações de como trabalhá-los em sala de aula.


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Dicas para trabalhar a conexão entre Brasil e África lusófona

1. Sobre a lusofonia africana, usar mapas para demonstrar onde se localizam Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique, Guiné Equatorial, desconstruindo dessa forma a ideia de que a África é um país;

2. Trabalhar com dados: 1 milhão de escravizados só no século 18 saíram de regiões do litoral angolano para o Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. Aproximadamente 12,5 milhões de africanos cruzaram o Oceano Atlântico durante a era do tráfico para suprir a necessidade de mão de obra nas Américas. Perto de 45% partiram da África Centro-Ocidental, principalmente da região correspondente a Angola e ao Reino do Congo. Luanda, a capital da colônia portuguesa de Angola, ocupou a posição de porto mais importante do tráfico de escravos até meados do século 19;

3. Desconstruir a imagem salvacionista dos discursos eurocêntricos de que a Europa estava salvando a África de si mesma, isto é, da barbárie, das guerras, do feiticismo, das doenças e do atraso tecnológico e moral;

4. O sistema de colonização visava sempre converter o africano num português, por meio de todas as formas de violência possível, sejam físicas, psicológicas ou culturais. O uso da língua portuguesa fez parte dessas estratégias de dominação;

5. Demonstrar o quanto o racismo foi uma manifestação geral e, ao mesmo tempo, específica do colonialismo nessas regiões;

6. Perceber as continuidades coloniais no presente perpetradas do sistema colonial: subdesenvolvimento, atraso tecnológico, racismo, crises políticas e institucionais;

Fontes: Sherol dos Santos e Eduardo Estevam (Unilab) | Saiba Mais: Minicursos História da África e Filosofia Africana e Que África Levar para a Sala de Aula?


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6 temas para falar de África e seus países lusófonos no Fundamental 

Conheça indicações de especialistas e como colocá-las em prática nas aulas de História, Língua Portuguesa e Geografia do 6º ao 9º ano


Contribuíram com os temas: Sherol dos Santos, Fábio Baqueiro Figueiredo, doutor em Estudos Étnicos e Africanos pela UFBA e professor da Unilab, Cláudio Honorato, doutorando em História pela Unirio e coordenador da pós-graduação em História da África do Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos (IPN) e Flávia Carvalho, professora de História da África na Ufal e doutora em História Social pela UFF.


1. Dengo, farofa e quitanda: Palavras que existem no Brasil e em Angola 

Entre os séculos 16 e 19, estima-se que mais de 4,8 milhões de africanos foram trazidos para o Brasil na condição de escravizados, principalmente para suprir a agricultura e a mineração. Não por acaso o Brasil é, atualmente, o país com a maior população negra no mundo depois da Nigéria, na África. De acordo com o IBGE, 54% da população brasileira é afrodescendente (identificada como preta ou parda no Censo).

A maioria veio da região de Congo-Angola, do tronco linguístico bantu, pertencente à família linguística nigero-congolesa, falantes do quimbundo, quicongo e umbundo. As religiões de matriz africana foram fundamentais na perpetuação das línguas dos povos africanos no Brasil. Por meio delas, indivíduos integraram-se à comunidade para vivenciar rituais, costumes ou conectar-se com os ancestrais, por exemplo.

O intenso contato entre os africanos livres e escravizados em solo brasileiro e indivíduos falantes do português, das línguas indígenas e europeias provocou uma interação linguística que moldou o nosso jeito de falar e novas palavras foram incorporadas ao idioma português falado no Brasil.  

No entanto, foi somente no século 20 que os estudos linguísticos passaram a dar mais atenção ao português falado no Brasil e as palavras de origem africanas começaram a ser mais estudadas.

O sistema escravista brasileiro impedia que os escravizados tivessem acesso à escola. Isso fez com que muitos africanos e seus descendentes não dominassem a forma escrita da língua. Nesse sentido, a influência dos idiomas africanos ficaram mais restritos ao campo da oralidade, da palavra falada. 

Assim, as palavras de origem africana que usamos em nosso vocabulário no dia a dia e a forma de pronunciá-las também influenciaram na formação de uma morfologia e fonologia da língua portuguesa falada no Brasil. A filósofa Lélia González(1935-1994), em artigo de 1984, trouxe importantes contribuições para esta discussão: 

"É engraçado como eles gozam a gente quando a  ente diz que é Framengo. Chamam agente de  gnorante dizendo que a gente fala errado. E de repente ignoram que apresença desse r no lugar do l,  nada mais é que a marca linguística de um idiomaafricano, no qual o l inexiste. Afinal, quem que  é o ignorante? Ao mesmo tempo,acham o maior barato a fala dita brasileira, que corta os erres dos infinitivos verbais,que condensa você em cê, o está em tá e por aí afora. Não sacam que tão falando pretuguês."

Conhecer, reconhecer e valorizar esse aspecto tão importante e significativo da herança cultural africana foi fundamental para a formação da diversidade cultural brasileira.

A produção cultural brasileira é bastante difundida em Angola, como música, televisão e literatura. As novelas brasileiras são acompanhadas em Angola. Alguns artistas são bastante conhecidos como o sambista e músico Martinho da Vila. Assim, é possível dizer que hoje muitos angolanos conhecem mais o Brasil do que a maior parte dos brasileiros conhece Angola. 

Na prática: Glossário de palavras africanas 

Peça aos alunos para mapearem palavras de origem africana da região onde hoje é Angola e construírem um glossário. O professor pode abordar o tema a partir da música, culinária e literatura. É possível partir tanto das tradições africanas que vieram para o Brasil quanto das que foram daqui para lá. Por exemplo: a mandioca foi levada pelos portugueses para Angola e é até hoje a base da alimentação dos angolanos, uma influência indígena do período colonial. Outra fonte interessante para os Anos Finais do Fundamental para compreender as trocas linguísticas atuais é o hip hop angolano, por exemplo. 

2. Rota de Angola e o peso da escravidão negra transatlântica

Há evidências históricas da rota de Angola, que trouxe ao menos 1, 6 milhão de escravizados só no século 18 de cidades do litoral angolano para o Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. Luanda, hoje capital do país, foi o maior porto escravista africano. Ponto fundamental nesta abordagem é dissociar a figura de uma pessoa negra da escravidão. Neste sentido, o professor pode trazer exemplos de escravização na história, como a grega e a romana, nas quais a cor da pele não era o que diferenciava um ser humano livre de um cativo.

A fundação de Angola ocorreu em 1575, por Paulo Dias Novais, inicialmente com o objetivo de criar uma colônia de povoamento, mas o tráfico de escravizados se impôs como atividade principal. Assim nasceu a rota de Angola. O tráfico dessa região para o Brasil remonta ao século 16 e é resultado do deslocamento dos portugueses da região da Senegâmbia para a África centro-ocidental como parte da expansão portuguesa na costa africana a partir de uma aliança com o rei do Congo, que se converteu ao cristianismo em 1491.

Para escapar do monopólio exercido pelo rei do Congo no fornecimento de escravizados, Portugal concentrou seus esforços na região mais ao sul, onde hoje é Angola. Dessa região veio a maioria dos africanos escravizados que entraram no Brasil, principalmente pelo porto do Rio de Janeiro, mas também, para Salvador e o Recife durante a vigência do Tráfico Atlântico.

De acordo com o historiador Luiz Felipe de Alencastro, o Rio de Janeiro apresentava-se como peça-chave na integração do Atlântico Sul, estabelecendo a ligação entre Angola e Buenos Aires através do tráfico negreiro, formando o triângulo negreiro LuandaRio de JaneiroBuenos Aires.

O Brasil fornecia gêneros para o comércio dos sertões angolanos [álcool, fazendas asiáticas (tecidos), pólvora, armamentos, soldados e cavalos] para proteger e expandir o controle português sobre Angola. As mercadorias que financiavam os investimentos brasileiros a princípio eram de baixo custo, mas logo as fazendas asiáticas que tinham um valor mais alto do que o principal produto brasileiro – as cachaças (geribitas) – passaram a ser utilizadas para financiar os negócios negreiros nos sertões angolanos. 

Até a segunda metade do século 17, em razão da lavoura de cana-de-açúcar no Nordeste brasileiro, os negociantes de Pernambuco e da Bahia dominavam o comércio de escravizados com o porto de Luanda. Com as descobertas de ouro e diamantes em Minas Gerais, a partir dos anos 1690, a demanda por africanos escravizados a partir do Rio de Janeiro multiplicou-se, permitindo que esses interesses ampliassem as estratégias violentas para adquirir cativos em toda a região de fala umbundo.

Tal violência provocou a divisão das terras altas em várias comunidades militares, os Estados “ovimbundos” do século 18, tais como Wambu, Mbailumdo e Humbe, entre outros. Os cativos adquiridos nesses conflitos formaram o primeiro contingente substancial de africanos ocidentais de Benguela que desembarcou no Rio de Janeiro. Ao longo do século 18 seria inegável a predominância da região Congo-Angola como a principal fonte de escravizados africanos para o Rio de Janeiro exportados, sobretudo, através dos portos de Luanda e Benguela. Ao longo desse século, 88% de africanos escravizados que entraram no Rio de Janeiro eram originários da África Central Atlântica. Considerando toda a primeira metade do século 19, o impacto do tráfico atlântico para o Rio de Janeiro seria ainda maior. 

De acordo com o banco de dados The Trans Atlantic Slave Trade Database, entre 1808-1856, o Rio de Janeiro recebeu 1.047.000 africanos, sendo a maioria esmagadora da região de Angola.

Na prática: Imagens do cotidiano e rotas marítimas no fluxo escravista

O professor pode trabalhar com as imagens de Debret e Rugendas e outros artistas que estiveram no Brasil e retrataram o cotidiano da escravidão para sensibilizar os alunos a discutir o tema. Essas imagens proporcionam diferentes possibilidades para trabalhar em sala de aula, como a origem desses grupos, a língua, a religião, o vestuário e as tarefas a que eram submetidos no campo e na cidade. 

O professor pode, ainda, propor aos alunos uma pesquisa sobre os diferentes grupos de africanos que vieram para o Brasil durante o tráfico transatlântico de escravizados. Nas aulas de Geografia, é possível apresentar, por meio de mapas, as correntes marítimas entre os dois continentes, que foram importantes para o fluxo do comércio escravista. 

3. Holandeses e a presença brasileira em Angola (1648-1740)

A ocupação holandesa no Nordeste brasileiro fez com que as companhias holandesas de ocupação precisassem de mão de obra escravizada e atacassem a costa africana, na região de Angola, sob domínio português. Trata-se de uma ligação entre Brasil e Angola através das disputas entre Portugal e os Países Baixos. 

No século 15, após sofrer várias derrotas militares, Portugal adota uma nova estratégia política na África Central, que consistia em usar o máximo de exploração econômica com o mínimo de ocupação territorial, com feitorias e fortalezas localizadas em pontos importantes da costa africana. No século 16, para se manter no tráfico negreiro, Portugal teve de negociar com os chefes locais através dos lançados (negociantes portugueses que se dedicavam ao comércio na costa ocidental africana de forma particular, a partir do século 15), e realizar alianças comerciais na tentativa de criar uma rede de subordinação, pois onde não foi possível fazer negociação ocorreu imposição militar por parte dos portugueses e seus aliados.

Essa situação mudou completamente a partir de 1630 com a invasão holandesa no Norte do Brasil, controlando a produção açucareira. Posteriormente, os holandeses invadiram a costa africana, conquistando Angola em 1641, e passaram a controlar o fornecimento de africanos escravizados da África Central Atlântica para o Novo Mundo, o que prejudicou sensivelmente os negócios portugueses e brasileiros.

A colônia portuguesa na América era a principal beneficiária do comércio de escravizados, essencial para o funcionamento dos engenhos de açúcar no litoral. Com o monopólio holandês no tráfico de escravizados da África Central, outras regiões da colônia que não estavam integradas à ocupação holandesa foram prejudicadas, sobretudo Bahia e Rio de Janeiro, a primeira pela produção açucareira e a segunda pelo comércio de escravizados com as regiões das minas de Prata na América espanhola através do porto de Buenos Aires. Portanto, a reconquista de Angola foi fundamental para a retomada e ampliação dos negócios portugueses e “brasileiros”, tanto na América quanto na África Central, e coube ao Rio de Janeiro tal empreitada. 

Após a expulsão dos holandeses, os negociantes brasileiros de Pernambuco e da praça carioca estabeleceram suas casas comerciais em Angola, apoderando-se de uma parcela do lucrativo tráfico negreiro e no início do século 18 os negociantes brasileiros assumiram o controle desse tráfico. Na segunda metade desse século, o controle passa para as mãos dos negociantes estabelecidos na praça comercial do Rio de Janeiro. 

A importância do comércio negreiro para a produção açucareira e o comércio da prata na região do Potosí, na América espanhola, levou os governadores luso-brasileiros em Angola a se lançarem na expansão territorial no sertão angolano com o objetivo de ampliar o tráfico de escravizados no Atlântico português e aumentar a influência de suas regiões no tráfico negreiro na África Central.

Na prática:

Apresentar aos alunos a importância da África na formação do Brasil e pedir que pesquisem sobre a relação cultural existente entre Brasil e Angola. É possível também relacionar o tráfico transatlântico usando materiais sobre o Cais do Valongo na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo. E para os estados do Nordeste o destaque são os relacionados à ocupação holandesa.

O Brasil recebeu perto de 4 milhões de escravos, durante os mais de três séculos de duração do regime escravagista. Pelo Cais do Valongo, na região portuária do Rio de Janeiro (RJ), passou cerca de 1 milhão de africanos escravizados em cerca de 40 anos, o que o tornou o maior porto receptor de escravos do mundo. O local, redescoberto durante obras na capital fluminense em 2011, está na lista do Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) por representar uma "memória da violência contra a humanidade representada pela escravidão e de resistência, liberdade e herança". A inclusão também representa o reconhecimento "da inestimável contribuição dos africanos e seus descendentes à formação e ao desenvolvimento cultural, econômico e social do Brasil e do continente americano". 

Outra dica é o livro A Gloriosa Família – O tempo dos flamengos (1997), de Pepetela, apresenta a representação da família mestiça em Angola, espaço pré-colonial no século 17, em que os portugueses, os holandeses e os africanos viviam as mudanças sociais, econômicas e políticas durante os sete anos de dominação holandesa em Luanda. Ainda sobre a ocupação holandesa no Brasil há um material da Biblioteca Nacional, o Dossiê Histórias da Nova Holanda.

4. Rainha Njinga e outras mulheres africanas e brasileiras 

Rainha, diplomata e chefe militar em Angola, Nzinga - também conhecida como Jinga, Singa, Zhinga, Ginga e Dona Ana de Sousa - viveu entre 1581 e 1663 e é considerada um símbolo de resistência dos povos africanos diante da dominação europeia no continente. Além de ampliar o repertório dos alunos, trazê-la para as aulas ajuda a quebrar estereótipos e a mostrar a participação de mulheres negras nos processos históricos.  

Insubmissa, Nzinga combateu a administração colonial portuguesa em seu país, utilizando-se tanto de sua capacidade diplomática, pois era uma exímia negociadora, quanto de suas habilidades militares. Foi treinada desde pequena para combate e uso de armas, Nzinga comandou os reinos do Ndongo e Matamba, importantes territórios cuja sociedade era hierarquizada e organizada como domínio do comércio, metalurgia e agricultura.

Nzinga tinha grande sensibilidade para as questões diplomáticas e militares e usava com maestria esses conhecimentos no momento de lidar com os portugueses e os holandeses. Um exemplo disso foi sua conversão ao catolicismo como uma estratégia para facilitar as negociações com os portugueses invasores.

Ao tornar-se rainha, após a morte de seu irmão, Nzinga impôs sua autoridade aos chefes locais, conquistou o reino vizinho de Matamba e tornou-se forte figura política na região. Durante quatro décadas, Nzinga representou a resistência do Ndongo, retardando o avanço dos projetos de dominação dos portugueses na região, por meio de táticas de guerrilhas, espionagem, operações militares. Em outro momento fazia uso da diplomacia, utilizando-se de sua grande capacidade de negociação. Fez alianças com o rei do Congo e com os holandeses com o objetivo de defender seu reino das ameaças dos portugueses. Depois de sua morte, a dominação portuguesa avançou sobre o território, ampliando o tráfico de escravizados. 

Sugestões para a sala de aula:

Figura central na resistência de Angola, a Rainha Njinga pode ser apresentada para mostrar as raízes do matriarcado e como algumas sociedades africanas eram organizadas em formatos que não correspondem ao sistema patriarcal. Esse fato ajuda ainda a explicitar que há uma rica história no continente anterior à chegada dos colonizadores. Uma forma, ainda, de fazer uma crítica ao papel único do homem como liderança constante nas sociedades. 

Sugestão de atividade:

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5. Trocas acadêmicas e culturais na atualidade

Na segunda metade do século 20, houve muitas trocas culturais entre Brasil e Angola. Nos anos de 1950 e 1960, livros de escritores brasileiros como Jorge Amado e Graciliano Ramos  chegaram até o país africano e inspiraram autores locais a escrever histórias que mostrassem a cultura de seu país e denunciar as injustiças da dominação colonial portuguesa. Brasileiros também foram buscar inspiração em Angola: Adonias Filho escreveu Luanda Beira Bahia na década de 1970, e o sociólogo Gilberto Freyre desenvolveu suas teorias sobre a colonização portuguesa, que são parte importante do mito da "democracia racial" no Brasil, após visitas na década de 1950 a Angola e outros países que ainda eram, na época, colônias portuguesas. 

Os nacionalistas angolanos discordavam de Gilberto Freyre e escreveram artigos contrários às suas ideias em importantes revistas europeias. Por outro lado, tinham boas relações com estudiosos e militantes sociais brasileiros, que os apoiavam na sua luta pela independência. 

O Brasil foi o primeiro país a reconhecer a Independência de Angola, em novembro de 1975, e isso abriu caminho para empresas brasileiras cruzarem o Atlântico. O educador brasileiro Paulo Freire também esteve em Angola depois da independência e ajudou a montar uma grande campanha nacional de alfabetização e o sistema nacional de educação pública. 

Por meio das ondas de rádio, angolanos ouviam música brasileira: Chico Buarque, Martinho da Vila, Clara Nunes, Gilberto Gil eram muito ouvidos e fizeram shows em Angola durante os anos 1980. Houve quem decidisse ficar em Luanda, como o compositor Matheus Aleluia, do grupo baiano Os Tincoãs. 

Outro produto cultural brasileiro de muito sucesso eram as novelas: todo mundo em Angola assistiu Gabriela Cravo e Canela, Xica da Silva e Roque Santeiro. O sucesso foi tanto que eles passaram a produzir as próprias novelas, e duas delas, Windek e Jikulumessu, foram transmitidas também no Brasil. 

Essas trocas culturais fizeram com que muitos jovens angolanos escolhessem o Brasil para concluir sua formação universitária, fazendo mestrados e doutorados nas nossas universidades, principalmente a partir da nossa redemocratização. 

Desde 2011, com a criação da Unilab, universidade federal brasileira voltada para o intercâmbio acadêmico com os países africanos de língua oficial portuguesa, intensificou o fluxo de estudantes angolanos em território brasileiro. 

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